quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Linda Vera Deusa Fischer - seis décadas em ebulição

Brunno Duprat


“... Você é linda, mais que demais. Você é linda, sim. Essa canção é só pra dizer o que diz...”

Não que essa música tenha sido feita em minha homenagem, sei que não. Eu nasci antes. Mas sem um pingo de modéstia eu assumo: se encaixa perfeitamente em mim, discorda? Como já dizia Vinicius: “Que me desculpem as feias, mas beleza é fundamental.” - E neste quesito, sou campeã de ponta a ponta com aclamação geral.
O bonito é pra ser visto e seguindo a risca esse ditado, com lindos olhos azuis a encantar mundo a fora fui abrindo as portas do sucesso, fincando meu nome e fazendo minha estrada. Um chão de estrelas com algumas pedras, eu sei. Mas eu nunca pensei que fosse ser fácil. Mas eu tô aqui de pé, pois é assim que as todas as gatas caem!

“... Quando você chegar de vento sul
As nuvens brancas vão rodar no céu azul...”

Os ventos do sul me espalharam pelo Brasil. Era 1969 e eu me consagrava a mais bela mulher do Brasil. Cabelos loiros e olhos de cristal,  a nova sensação nacional. Fotos, entrevistas, capas de revistas. Começava assim o meu caminho às estrelas. As portas se abriram através do cinema, era o auge das pornochanchadas e lá fui eu, rumo ao meu sonho, batalhando meu espaço, construindo o meu caminho. Tanto fiz que consegui: 08 anos após a coroação de Miss Brasil, estreei como atriz na maior emissora do país, onde até hoje estou, numa novelas 8 (Espelho Mágico). O papel não era muito grande nem de muito destaque, mas para começar tava bom. Paralelo a isso, surgiam mais convites de cinema e eu aceitava praticamente todos. Como quase toda mulher também quis ser mãe e me realizei quando Rafaela entrou em minha vida, dando mais luz aos meus dias. E depois mais novelas. Até que chegou a minha grande chance.

“... Se hoje sou deserto é que eu não sabia que as flores com o tempo perdem a força. E a ventania vem mais forte...”

Versos do Fagner que embalavam a abertura de “Coração Alado”. Era um folhetim da Janete Clair e minha primeira protagonista na TV. Como par romântico eu tinha nada menos que um dos galãs mais cobiçados do momento: Tarcísio Meira (Juca Pitanga). Eu era Vivian, uma mocinha sofrida do subúrbio carioca e disputei com ‘Catucha’ (Débora Duarte) o amor desse artista plástico pernambucano. Uma personagem complexa e muito frágil, talvez por isso não tenha sido a mais popular da trama. Assumo que ‘Maria-Faz-Favor’ da Aracy Balabanian tomou a novela pra si e foi o grande destaque.
Não que eu tenha ido mal, mas meu papel não tinha tanto carisma assim. Embora fosse protagonista, meu nome era o 8º na abertura dos créditos, uma afronta que tive de engolir a seco até o último capítulo. É, pude perceber que o caminho realmente não seria fácil, não mesmo.

Mas a despeito do que supunha, no ano seguinte estava eu a bater ponto no horário mais nobre da TV outra vez. Repetindo a parceria com Tarcísio, era o momento de viver Luiza, uma jovem designer concebida por Gilberto Braga e que ajudou a confirmar meu talento, ganhar território. Tudo deu certo. Texto e direção. Grandes cenas ao lado de Tarcísio, da Fernandona, a poderosa ‘Chica Newman’ que tanto quis que eu me casasse com seu filho Ignácio (Dennis Carvalho). Mas o negócio dele era outro, se é que me entendem. E meu coração de fato disparou pelo genro dela. Personagem densa, contundente. Um encontro muito feliz, marcando um momento mágico.

“... E um raio de sol
Nos teus cabelos
Como um brilhante que partindo a luz
Explode em sete cores
Revelando então os sete mil amores...”

Esses lindos versos Tom compôs pra minha Luiza, o raio de luz de seus cabelos... Mas eu apareci morena quebrando o encanto entre tema e personagem. Mas a cação se eternizou. Uma obra de Tom Jobim, mais uma novela das 8. Como diz a Marrom: Não sou uma qualquer!

Como Diva que sou resolvi dar um tempo, um período sabático na TV. Cuidei mais da minha filha, do meu marido, de nós. Mas não deixei de trabalhar, não. Saí da Tv e mergulhei nos estúdios, foram tantos filmes “Amor, estranho amor”, “Dora Doralina”, “Amor Voraz”, “Quilombo”...

Mas o tempo passou, a saudade apertou e eu voltei pela porta da frente por tapete vermelho seis anos depois. Tudo bem, eu confesso não ter sido a 1ª opção para viver Jocasta, sei que ela foi escrita para Dina Sfat, que recusou. Convidaram-me e eu aceitei. E reinei absoluta numa trama com pecado e sem juízo. As carolas de plantão só faltaram apedrejar, afinal não é todo dia que se assiste na TV um romance entre mãe e filho. Mas eu gosto de polêmica, faz parte do meu show!

“... Como uma Deusa você me mantém e as coisas que você me diz me levam além...”

Mais do que uma simples volta, “Mandala” foi um recomeço, um encontro, uma grande explosão. Estava mais madura, mais consciente em cena, enfim: mais atriz.Conheci Felipe e por ele me apaixonei perdidamente. Mergulhei fundo na paixão e me rendi à fusão de sentimentos que habitou em mim.
Desfiz um casamento, escolhi outra vida. É claro que isso não passou impunemente, mas eu queria ser feliz e fui. Ao menos enquanto durou.

Quatro décadas de vida soa desesperador para muitas, é quase meio século vivido. Mas pra mim era motivo de festa. O Furacão Loiro aos 40 - anunciava a Revista Veja ao se referir a mim. Em plena ebulição na arte e no amor. Acabava de ser mãe pela segunda vez e os meus projetos a todo vapor, convites surgiam de todos os lados. Era o meu apogeu. Os Anos 1990 vieram com tudo de melhor para mim. Três minisséries lindas: “Riacho Doce”, “Desejo” e “Agosto”. Trabalhos minuciosos, requintados e que exigiam muito em sua composição. Ambos com produção de arte esmerada, um encanto. E mais uma protagonista pra minha coleção, com a Cidinha de “Perigosas Peruas”conquistei o público e mesmo com alguns ‘probleminhas de backstage’, segui firme até o final e povo mais uma vez de pé me aplaudiu.

Tantos aplausos, burburinhos e elogios me levaram mais uma vez a estrelar uma novela de Gilberto Braga no melhor horário as casa, em “Pátria Minha”. ‘Lídia Laport’ - mulher falida e interesseira que  se passava por amiga quando na verdade queria mesmo o marido da outra. Não que fosse apaixonada, mas é amante da boa vida, roupas caras e tals. Uma oportunidade e tanto para eu ratificar meu nome e brilhar com nitidez. Mas era um momento muito difícil, minha vida pessoal tava um inferno, meu casamento ruindo.
Minha vida era um rio secando, as pedras cortando e eu me perguntando: até quando? Tantas coisinhas miúdas roendo e comendo, arrasando aos poucos o meu ideal num jogo de culpa e gestos que me fez tanto mal. Não peço a razão, pois eu sei o quanto eu fui errada, o quanto eu fiz destruir.
Chegou o momento em que o copo tava cheio e que já não dava mais para engolir. Nosso caso se tornou uma porta entreaberta, colheres, garfos e gritos de alerta. O amor não agitava mais em meu coração e as revistas faziam a festa com a minha crise conjugal. É o preço que se paga quando se é famoso e resolve fazer um bom e velho barraco. A diferença é que o meu virava notícia, o seu não. Cada semana uma capa diferente. Atrasei nas gravações, por vezes faltei. Perdi a paciência, briguei nos bastidores e fui expulsa da novela. Eu protagonista cortada. Morri no incêndio do hotel e levei um pé na bunda! Entreguei-me ao álcool e às outras drogas, nada dava certo ou fazia sentido. Sem rumo, até meus filhos perdi. Julgaram-me incapaz de cuidá-los.

“... Acabei com tudo, escapei com vida. Tive as roupas e os sonhos rasgados na minha saída. Mas saí ferida, sufocando o meu gemido. Fui o alvo perfeito, muitas vezes no peito atingido...”

Mas eu levantei, sacudi a poeira e não dei a volta por cima; pois só sobe quem esteve por baixo e eu nunca caí. Apenas deslizei. As rainhas nunca perdem a majestade e eu não caio. Dois anos fora e meu romance com horário nobre continuou firme. Era tempo de experimentar Benedito Rui Barbosa, ainda que por pouco tempo. Foi um bom trabalho, voltando às produções época e valeu por matar a saudade de vocês. Durante um tempo foram só participações especiais “Rei do Gado”, “Você Decide” e “Pecado Capital”. Por mais que estivesse bem, existia certa desconfiança, dúvidas de que eu seria capaz de seguir sem maiores tropeços.

Volto aos palcos, fico mais dois anos longe da TV e mesmo assim aquele romance com o horário nobre se manteve intacto e ainda mais forte. Tão forte quanto Helena, mulher independente e bem resolvida que além de abrir mão de um romance a fim de favorecer a filha, também abriu mão de um grande amor para salvar a vida da mesma, engravidando de outro homem, partindo em mil o coração de seu amado. Agarrei esse papel como quem puxa o último sopro de vida, não me permitia erros. Entreguei-me de corpo e alma e a recompensa não poderia ser outra: o melhor desempenho em toda a vida. Sucesso de público e crítica, incontestavelmente eu brilhei mais que um diamante, dei conta do recado e calei as bocas difamatórias que previram meu insucesso. Com “Laços de Família” eu não consegui apagar os vacilos do passado, mas provei que o presente poderia ser ainda melhor e foi. Oito meses depois de seu fim, encarneiYvete– sem papas na língua, boa gente e babadeira. Uma figura popular dessas que só Gloria Perez sabe fazer. Bons momentos... rs!

E mais participações especiais, depois de passar rapidinho pelo horário das seis com “Agora É Que São Elas”. Mais três encontros: Gloria, Gilberto e Tarcísio. Em breve eu volto, não sei com quem, mas volto.

Volto para um encontro especial: eu e vocês, vocês e eu. Juntinhos!
E quem não tem teto de vidro que atire a primeira pedra!

10 comentários:

  1. Lindo texto! Pra mim a (linda) Vera é e sempre será a eterna Helena de laços de família!!! Torci tanto por ela nessa novela rsrs

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  2. Bruno, vc é um talento, menino!!!
    Texto mto bem composto e ainda entremeado com músicas, o q deu charme e vontade de continuar lendo!!! Adorei o texto, a sua perspicácia, e a homenagem a uma grande atriz BRASILEIRA!!! Bjos, querido! Sou sua fã!!!

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  3. Quanta inovação na estrutura narrativa de um simples post Brunno!?? Parabéns, vai longe!

    Pra mim a melhor Helena do Maneco é a Vera de Laços de Familia, a minha novela favorita do autor!

    Sucesso!

    Fábio
    www.ocabidefala.com

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  4. A Vera está longe de ser uma ótima atriz, mas não há que se ignorar a sua importância para a Teledramaturgia Brasileira.

    Guardo boas lembranças de suas personagens em Riacho Doce e em Desejo.

    Mas tenho também curiosidade pela novela Mandala e em especial a sua personagem/trama, embalada pela música marcante da Rosana.

    Belíssimo post, Brunno!

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  5. Adorei a narrativa!! Maravilhosa... Inovação total!
    Vera pra mim é sim uma grande atriz, teve oportunidade e mostrou em diversos personagens sua versatilidade, passando pelo drama e pela comédia.
    Sim, teve personagens pífios e com pouca entrega. Mas o que pra mim fica é o bom, e no bom eu destaco os trabalhos em Desejo, Riacho Doce, O Rei do Gado e a melhor Helena de todas em Laços de Família. Um plus para a Yvete de O Clone.

    Em todos estes trabalhos, Vera arrasou e se entregou. É uma pena seu envolvimento com as drogas, o que acabou prejudicando seu desempenho como atriz.

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  6. Uau... que texto!! E ainda com jeito de que tinha fôlego pra falar mais sobre a Vera. Essa é uma pessoa-ícone do nosso país. São seres que ficam imortais na história, mesmo ainda vivos. Eu penso que ela será lembrada muitos anos ainda no futuro.

    Enfim, gostei bastante do texto. Muito interessante mesmo.

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  7. Espero de coração que ela melhore e volte a atuar como antes!

    Gostei do texto hehe =)

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  8. já na época de Coração Alado eu notei esse preconceito a ela, os principais eram ela o Tarcisio e a Débora, que pra mim foi quem roubou a novela e não a Aracy...
    Ela conseguiu mostrar que uma pessoa sem talento algum pode vir a ser uma ótima atriz, principalmente nas minisséries mesmo como dito e pra mim a melhor Helena do Manoel Carlos, fazendo uma mulher linda e chique e sobretudo low profile, o que Vera nunca foi.

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  9. Agradecido pelos elogios, foi um prazer falar de Vera. Ela é meu furacão favorito. Que ela venha com tudo mais uma vez!!!

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