quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Onde tudo podia acontecer

Por Fábio Costa

Aos dez anos de idade, queremos ser tratados como crianças em algumas situações, enquanto noutras pensamos já ser grandes o suficiente para partilhar de assuntos e programas de adultos. É uma fase de curiosidades, descobertas, construção do caráter, dos meios de se viver adequadamente em sociedade; enfim, a tal da pré-adolescência já nos faz começar a ver o mundo de forma diferente. Mas a imaginação, a fantasia, permeiam nossa mente como continuam a permear por toda a vida mesmo com as responsabilidades da idade adulta, e seu valor é inestimável. Partindo do cotidiano de um menino de dez anos e sua família de classe média, em 1991 foi lançada a série infantojuvenil Mundo da Lua, coprodução da TV Cultura de São Paulo com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). A ideia original da série, que seguia a linha da emissora de educação aliada a entretenimento de qualidade, foi de Flávio de Souza, ator e escritor.

Seu Orlando, Lucas, Rogério, Carolina e Juliana: a família Silva e Silva.

O protagonista é Lucas Silva e Silva (Luciano Amaral), e as tramas dos episódios abordam problemas da vida do garoto. Ter de ir dormir cedo, frequentar a escola, fazer as lições, obedecer aos pais e aos mais velhos em geral, noções de cidadania, solidariedade, higiene, cultura, história, geografia e da importância dos valores compõem os conflitos da série, que tem como personagens principais, além de Lucas, seus familiares, que moram com ele num sobrado branco reconhecível pelos fãs à mínima olhada. Os pais do garoto são Rogério (Antonio Fagundes), professor que se divide em três empregos para sustentar a família, e Carolina (Mira Haar), vendedora numa boutique (a da Madame Saint-Gobelin). Lucas tem uma irmã mais velha, mas adolescente como ele, Juliana (Mayana Blum), às voltas com as tendências da moda, bandas do momento e interesses amorosos.

Anna D'Lira, que viveu a engraçada empregada Rosa.
Também mora na casa o avô Orlando (Gianfrancesco Guarnieri), pai de Rogério, um senhor bastante amoroso e apaixonado por um carro antigo que mantém na garagem com o sonho de um dia fazê-lo circular de novo pelas ruas. Não esqueçamos de Rosa (Anna D'Lira), a despachada empregada dos Silva e Silva, que espera pelo dia em que se casará com o namorado Marcelo (que não aparece nunca em cena) e passa o dia ouvindo o programa do radialista Ney Nunes (voz de Dorvilles Pavarina) enquanto cuida dos afazeres da casa. Rosa conversa com Ney, interage com o locutor crente de que ele a escuta, e as falas dele dão a entender que pode mesmo escutá-la.

"Alô, alô... Planeta Terra chamando..."
Lucas pretende ser astronauta quando crescer, e seu maior sonho é fazer uma viagem à Lua. Tem uma imaginação bastante fértil, e daí vem o título da série: o garoto vive sempre no mundo da Lua, inventando histórias a partir de seu cotidiano, seus reveses e alegrias. No dia do aniversário de dez anos, ganha do avô Orlando um gravador que ele comprara anos antes para dar de presente à filha Roberta (Lucinha Lins), mas que acabou não dando a ela, já que a jovem era "muito estabanada" e provavelmente quebraria o aparelho em três tempos. O gravador modernoso, que se iluminava conforme suas teclas eram pressionadas, revelou-se o instrumento perfeito para Lucas dar asas à imaginação e criar suas histórias a respeito de como as coisas seriam se dependesse exclusivamente da vontade dele, sempre tendo por base um fato que estivesse vivendo na ocasião, como a busca por boas notas na escola,  uma paixonite infantil, um dia de brincadeiras com os primos ou alguns amigos, o desejo de um animal de estimação ou a paixão pelo personagem de jogos de videogame Blixto (inspirado claramente em Mario, de Super Mario Bros). O que Lucas dizia para abrir cada história está marcado para sempre na lembrança dos fãs do programa: "Alô, alô... Planeta Terra chamando, Planeta Terra chamando, alô...! Esta é mais uma edição do Diário de Bordo de Lucas Silva e Silva, falando diretamente do Mundo da Lua... Onde tudo pode acontecer..." Sempre no clímax das histórias que inventava, Lucas era interrompido, mas com tempo bastante para que ele notasse a importância de se obedecer os pais, respeitar os mais velhos, ir à escola e fazer as lições, ter uma alimentação saudável e balanceada... Principalmente, ao soltar a imaginação no gravador Lucas aprendia, através de sua própria história, que nem sempre as coisas são como desejamos que elas sejam. Embora teimoso, cabeça-dura, voluntarioso, o caráter dócil e amoroso do menino prevalecia e ele dava o braço a torcer quando não tinha razão em seus ataques de desobediência e batidas de porta.

Seu Orlando e os filhos: Dudu, Rogério e Roberta.
Outros atores que participavam com frequência da série eram Laura Cardoso (Dona Lila, a vizinha dos Silva e Silva, professora aposentada que tinha a mania de corrigir erros de português das pessoas e que era apaixonada por Seu Orlando);  Liana Duval (Dona Ivone, mãe de Carolina); Cristina Mutarelli (Marly, irmã de Carolina, meio perua e dona de um restaurante com o marido); Joyce Roma (Gisela, filha de Marly); Leonardo Haar de Souza (Diego, filho de Marly), filho de Flávio de Souza e Mira Haar; Ken Kaneko (Fábio Kato, marido da Tia Roberta); Elio Yamaushi e Daniel Nozaki (Conrado e Afonso, filhos de Roberta e Kato); Vanessa Labônia (Daniela, melhor amiga de Juliana). Ainda, um dos atores mais lembrados da série era o próprio autor, Flávio de Souza, que dava vida ao Tio Dudu, o caçula desnaturado de Seu Orlando, que vivia pedindo dinheiro emprestado ao irmão.

Além do elenco fixo, Mundo da Lua trouxe diversos atores em participações especiais, em especial nas histórias criadas por Lucas no gravador - que acompanhávamos com a tela enevoada nas bordas, para deixar claro o que era o "real" e o que vinha do imaginário do garoto. Miriam Mehler interpretou a Princesa Isabel no episódio "A Pluma da Princesa Isabel", que traz Lucas ajudando a filha de D. Pedro II a recuperar sua pluma, sem a qual não poderia assinar a Lei Áurea e, assim, libertar os escravos. Rubens Corrêa deu vida a um humilde andarilho em "A Guerra do Quarto", que ganha de presente da família Silva e Silva diversas roupas e brinquedos para si e seus filhos após uma arrumação no quarto de Lucas pela mãe e pela irmã, a princípio desaprovada por ele. Edson Celulari foi São Jorge quando Lucas imagina que vai à Lua com o avô em "Viagem à Lua". Marisa Orth e Petê Marchetti, cada uma num episódio, viveram Monalisa, a cantora de quem Lucas e Juliana eram fãs. Rosi Campos foi uma enfermeira alemã meio tresloucada cuja missão era impedir Lucas de dormir a qualquer custo em "A Mosca e o Zumbi". Etty Fraser foi Yolanda, uma tia de Carolina, no episódio "Vida de Artista", e em "As Três Irmãs" Denise Fraga apareceu na pele de Juju, outra irmã da mãe de Lucas, que vive na Europa.

Logotipo nas vinhetas de intervalo.
Mundo da Lua deixou saudades pela sua mostra de que não é preciso uma superprodução caríssima, com efeitos especiais e pirotecnias, para agradar ao público infantojuvenil.  Um excelente projeto, que tinha por trás de si uma orientação pedagógica séria e ajudou a moldar o caráter de toda uma geração, através de sua abordagem lúdica e agradável da passagem da infância para a adolescência. Era possível se divertir aprendendo sobre passagens e figuras importantes da História, noções de matemática, ciências, diferenças socioculturais e outros muitos assuntos, tudo a partir do cotidiano de Lucas com sua família. Os 52 episódios foram exibidos semanalmente entre 1991 e 1992, e desde então são reprisados pela TV Cultura, TVE/TV Brasil e outras emissoras públicas. Até a Rede Globo já exibiu a série, às oito da manhã, em 1993. Atualmente, é possível acompanhar as aventuras de Lucas Silva e Silva pela TV Rá-tim-bum, diariamente às dez da noite. Em 2011, a TV Cultura trouxe a série de volta após um período sem exibi-la, mas pouco depois voltou a tirá-la do ar. Mesmo duas décadas depois, iniciativas como esta fazem falta, numa programação infantil que valoriza quase que só a exibição de desenhos animados.

6 comentários:

  1. Adorava Mundo da Lua, Lucas era um dos meus ídolos de infância rs! Recentemente ao revê-la na TV Cultura, continuei achando uma bela, simpática e cativante série. Pena que não tenham reprisado todos os episódios.

    Parabéns, Fábio!

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  2. esse progrma me trazia uma nostalgia, uma calma, no meio de tantos programas pirotécnicos pra crianças; eu via com a minha mãe aos domingos e nos divertíamos muito vendo as ingênuas histórias da família Silva e Silva. Chamava-me a atenção de atores como o Fagundes , Lucinha Lins, Laura Cardoso , Guarnieri que sempre faziam novelas ter um comprometimento com esse veículo tão lúdico e educativo sem ser chato. A essência da criança que eu fui por exemplo...era uma grande identificação...parabéns pelo tema!

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  3. Um dos seus melhores textos no PCC?, Fábio... fez-me voltar no tempo, e bons tempos!

    Que venham outros nessa mesma vibe!

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  4. Adorei ler o texto. Me lembrou muito da minha infância, eu amava esse seriado. Lembro de brincar de ser o Lucas Silva e Silva porque sempre fui muito distraída e viajava.....

    O que eu mais gostava acho que era justamente por ter tanto de teledramaturgia, sempre fui apaixonada pelo gênero.

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  5. Genial e delicada a abordagem ao programa. Ele fez parte de minha vida tambem, assíduo. Foi dificil não sentir uma pontada de nostalgia ao ler o texto e recordar dos episódios.

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  6. E como ocorreu no sai de baixo da globo um dos atores era um dos criadores da série.

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