quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Direito de Amar - O renascimento do horário das seis


Por FÁBIO COSTA

No final de 1986, a Rede Globo passava por problemas junto ao Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos e Diversões do Rio de Janeiro (Sated-RJ), que reivindicava que seus afiliados trabalhassem no máximo 36 horas por semana, ou seja, seis horas por dia de segunda-feira a sábado. Assim, enquanto se buscava uma solução para a questão, o horário de novelas das seis foi temporariamente desativado entre novembro de 1986 e fevereiro de 1987, período durante o qual a primeira versão de Sinhá-Moça, de Benedito Ruy Barbosa, foi substituída por uma reprise de Locomotivas, de Cassiano Gabus Mendes, exibida pela primeira vez em 1977 às 19h.

Walther Negrão, autor da novela.
Caso não houvesse meios de manter o horário das seis para produções inéditas de teledramaturgia, provavelmente outras reprises seriam providenciadas após a de Locomotivas ou mesmo outras atrações ocupariam a faixa, mas em 16 de fevereiro de 1987 estreou uma novela inédita, produzida com todo o cuidado para mostrar que os problemas que ameaçaram o horário das seis estavam superados. Baseada em A Noiva das Trevas, radionovela escrita por Janete Clair (1925-1983) na década de 1950 e adaptada aqui por Walther Negrão - com Alcides Nogueira, Marilu Saldanha e Ana Maria Moretzsohn, Direito de Amar trazia como protagonistas os jovens Rosália (Glória Pires) e Adriano (Lauro Corona). Os atores encontravam-se novamente em telenovelas, após formarem pares românticos em Dancin' Days (1978/79) e Louco Amor (1983), ambas de Gilberto Braga.

A história se inicia na virada de 1899 para 1900, o alvorecer de um novo século, e o casal se conhece durante uma festa de Réveillon. Apaixonam-se de pronto, mas não contam com a armadilha inesperada do destino: falido, o industrial Augusto Medeiros (Edney Giovenazzi), pai de Rosália, concede a mão da filha em casamento ao banqueiro Francisco de Monserrat (Carlos Vereza) - por ironia do destino, pai de Adriano. Mesmo apaixonada por Adriano, Rosália tem se de casar com o Senhor de Monserrat, e divide suas angústias e sofrimentos com Leonor (Esther Góes), sua mãe, que não tem como deixar de se compadecer do destino da filha apesar de manter-se ao lado do marido.

Os protagonistas de Direito de Amar: Carlos Vereza, Glória Pires e Lauro Corona.
O Senhor de Monserrat é uma pessoa cruel, mas ama Rosália verdadeiramente e faz tudo para conquistar o amor da moça (a única pessoa que trata com carinho), apesar dos meios pouco usuais de que fez uso para casar-se com ela; com isso Adriano sofre por ver o pai mover mundos e fundos pelo amor da mulher que ele também deseja ter junto de si. Na casa da família vivem ainda Joana (Ítala Nandi), uma mulher enlouquecida que Monserrat maltrata e mantém presa num dos quartos; a governanta Mercedes (Suzana Faíni), extremamente fiel ao patrão; Raimundo (Rogério Márcico) e Berenice (Célia Helena), os caseiros, pais de Rogério (Carlo Briani).

Carlos Zara, que viveu o médico Jorge Ramos.
Um personagem de muito destaque na história é o médico Jorge Ramos (Carlos Zara), amigo de Adriano e desafeto do Senhor de Monserrat, que o odeia devido a desentendimentos no passado, quando os dois disputaram o amor da mesma mulher - Bárbara, a prisioneira que Monserrat chama de Joana. No decorrer da trama revela-se que ela é esposa do banqueiro, que forjou sua morte e prendeu-a para castigá-la após uma traição dela com o Dr. Ramos e pretendia também matar o fruto do adultério, mas mudou de ideia e resolveu criá-lo como filho legítimo. Ou seja, Adriano era filho do médico, um laço descoberto e apenas confirmado após anos de entendimento e identificação - o jovem também pretendia seguir carreira na medicina, influenciado pelo pai que desconhecia sê-lo.

Ítala Nandi, intérprete de Bárbara e Joana.
Havia também a confeitaria que era o ponto de encontro dos personagens de Direito de Amar, de propriedade de Manuel (Elias Gleizer) e Catarina (Yolanda Cardoso), irmã de Leonor. Os dois, representantes do humor da trama, eram pais de Nelo (Rômulo Arantes) e Paula (Cissa Guimarães), a prima invejosa de Rosália que era apaixonada por Adriano e forja uma gravidez para casar-se com o rapaz. Uma das frequentadoras da confeitaria é Carola (Cristina Prochaska), bela, independente, representante dos novos tempos que o século XX prenunciava. Carola morava sozinha e trabalhava fora, o que causava espanto na maioria das pessoas que acreditavam que moças da sua idade e bonitas como ela deviam mais é preocupar-se em arrumar um bom marido e cuidar dele e dos filhos que tivessem. Descobre-se ao final da novela que Carola era filha de uma irmã gêmea da mãe de Adriano, a verdadeira Joana, que vivia em Paris sob o pseudônimo de Nanette, que adotara em sua vida de cortesã.

É claro que ao final o sentimento verdadeiro vence, a prima de mau caráter ganha o castigo que merece e o casal Adriano e Rosália pode enfim viver seu amor plenamente. Quanto ao Senhor de Monserrat, conforme a verdade sobre a esposa e a paternidade de Adriano vem à tona, desafia Jorge Ramos para um duelo a tiros e se deixa matar. A cena foi sugerida pelo ator Carlos Vereza - aqui num de seus melhores desempenhos em toda a carreira - ao autor Walther Negrão, e sua inspiração foi o romance do alemão Thomas Mann A Montanha Mágica. Curioso é lembrar que Vereza recebia diversas cartas de telespectadoras apaixonadas, apesar de seu personagem praticar maldades desde o primeiro capítulo; os autores foram obrigados a intensificar seu caráter vilanesco, mas ainda assim havia quem torcesse pelo Senhor de Monserrat.

Carlos Vereza como o vilão da história.

A novela foi reprisada no Vale a Pena Ver de Novo entre 25 de novembro de 1993 e 25 de fevereiro de 1994, e em tempos de Viva não seria nada mau ter uma nova oportunidade de acompanhá-la, ouvir novamente todos os dias a bela canção da abertura, "Iluminados", interpretada por Ivan Lins: "O amor tem feito coisa/Que até mesmo Deus duvida/Já curou desenganados/Já fechou tanta ferida...". Uma bela história de amor passada num período não muito visitado pela dramaturgia (a virada dos séculos XIX e XX), personagens muito bem construídos, ótima reconstituição de época e um trabalho de adaptação dos originais de rádio digno de elogios. Fica a dica, neste aniversário de 25 anos de uma das melhores e mais saudosas novelas das seis.

8 comentários:

  1. Que ótimo texto, Fábio! São as primeiras novelas que comecei a acompanhar e de que me lembro muito, nos meus 6 aos 10 anos de idade: "Sinhá Moça", "Direito de amar" e "Fera Radical", seguidas no horário das sete por "Hipertensão" (Tomara que cidade possa ver\A cara alegre\O gosto do prazer), "Top Model" e "Que rei sou eu?"... Seu texto me fez relembrar direitinho a trama! Lembro de uma vez em que alguém seguia a personagem da Prochaska pelas ruas à noite, a fim de descobrir onde ela morava, mas a moça sumia misteriosamente após virar uma esquina... Depois passei anos odiando o Carlos Vereza, que só "perdoei" depois de assistir "Pacto de sangue"... E Cissa Guimarães? Bati palmas de felicidade quando a sua Paula terminou a novela limpando o chão da confeitaria! Como eu odiava os vilões! Ainda hoje tenho birra de Goergia Gomide, Cecil Thirré, Tereza Raquel... Yara Amaral eu só "perdoei" depois do desastre do navio que a vitimou de verdade... Que Deus me perdoe! De "Fera ferida", nunca esqueço a cena da morte da personagem da Yara, pouco antes do casamento do filho dela (Zé Mayer) com a de Malu Mader. Dias desses revi essa cena no YouTube... Como a Malu "era" péssima atriz, gente! A mulher lhe apontando uma arma e a cara dela não move um músculo! Mas na época, eu quase morri de pena dela e gritei: "Bem feito, véia bruxa", quando vi que o tiro tinha atingido mesmo a dona Joana! Bons tempos em que eu nada sabia sobre os bastidores!

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    1. Agradeço pelo elogio, Luciano! Escrevi com muito prazer e me satisfaz saber que evocou tantas boas e ricas lembranças. Esta novela merecia uma reprise. Abraços!

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  2. Tenho vagas lembranças de quando reprisou no Vale a Pena Ver de Novo entre 1993-1994: produção caprichadíssima, história sensibilíssima. Faço os votos do Fábio de que Direito de Amar volte sim o mais rápido possível no Viva.

    Parabéns pela bela análise, Fábio.

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    1. Valeu, Felipe! Obrigado pelo elogio e façamos os nossos votos de uma reprise tão logo seja possível (rs)! Abraços! o/

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  3. Belo texto, Fábio... boa pedida de reprise para o Vale a pena ver de novo, mas como é algo "impossível", que venha o Viva com a exibição de uma trama primorosa.

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    1. Obrigado, Isaac! Seria uma grande pedida para o Viva, quem sabe no horário atualmente ocupado por Barriga de Aluguel. Abraços \o/

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  4. Não tenho lembrança alguma dessa novela, mas seu texto com certeza fez com que eu me interessasse por esta trama! Fábio, seu texto foi excelente, muito bem escrito! Parabéns! Abraço!

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    1. Fico muito satisfeito, Denis, pelo texto que escrevi ter suscitado em você o interesse pela novela. Ainda que ela não tenha sido desenvolvida por Janete nesta versão para a TV, Walther Negrão fez um belo trabalho e sem dúvida vale a pena conhecê-la. Abraços

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