quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

"Pin - Up" - Novela de Alex Spinola (3º Capítulo)


3º Capítulo
CENA 01. INT. PENSÃO/ QUARTO DE LÚCIA. MANHÃ
LÚCIA envolve-se num lençol. CASTRO toma a frente de FELIPE e tenta entrar no quarto. ADÉLIA bate a porta nas fuças dele.
ADÉLIA: Que patifaria é essa, Mercedes?
MERCEDES: Essa coisa, esse pederasta, desgraçou com a vida da minha filha! Arrastou a Pérola pra um bordel!
PÉROLA: Fica quieta, mãe!
MERCEDES: (avançando contra a filha) Cala essa boca, sua vadia burra!  Eu vou acabar com você!
GABRIEL detém MERCEDES. Confusa e envergonhada, LÚCIA trancafia-se no BANHEIRO.
MERCEDES: (livrando-se Gabriel) Me solta, seu cubano de merda! Fala, Pérola, abriu as pernas pro primeiro cliente, assim como fez pro Rocco, sem tomar cuidado? Golpe da barriga não funciona com puta, sabia disso?
ADÉLIA: (abraçando Pérola) Para com isso, Mercedes!
MERCEDES: Fecha essa matraca, sua velha imunda, alcoviteira. Você deve ser outra cafetina, que tá de conluio com essa aberração aí  pra arrastar garotas estúpidas praquele antro!
PÉROLA: (enfrentando a mãe) Chega! A única cafetina que eu conheço aqui, é você!  Ficava acobertando meu namoro com o Rocco, pra tentar barganhar a hipoteca da casa com o pai dele!  Você sempre me usou,  pra me transformar naquilo que você não conseguiu ser. E se hoje, eu sou a puta que você fala, é porque eu tenho sangue de uma vadia nas veias. Meu pai te tirou da zona, te deu um teto.
MERCEDES:  Eu, ao menos te dei um pai!
PÉROLA: Eu era criança, mas lembro dos seus casos, me lembro que você me usava pra vigiar a rua. Sempre tinha um serviço em casa, pra algum dos seus machos resolverem, não é? Não jogue pedra no telhado dos outro, dona Mercedes, quando o seu é de vidro!
MERCEDES: Eu te mato e esse bastardo, sua ingrata!
MERCEDES crava suas garras no ventre da filha. PÉROLA livra-se da mãe.
PÉROLA: Eu vou cuidar dele, sozinha! Por mais que ele tenha um pai, o Rocco!
MERCEDES: O Rocco?
CENA O2. INT. TV TUPI-SÃO PAULO/ ESTÚDIOS. MANHÃ
Agitação típica. Parafernália técnica por todos os lados. ARMANDO e ERNESTO zanzando no set de filmagem.
ERNESTO: O Chateaubriand?
ARMANDO: Claro, quem mais?  Algum amigo da onça jogou  o Boca de Matilde, na mesa dele. Estão tentando me derrubar. O Cassiano também me veio com sermão.
ERNESTO: O que você achou da pequena, a Pérola?
ARMANDO: Tem IT, é bonita. Meio crua, na verdade.
ERNESTO: Coisa de iniciante. É normal.
ARMANDO: Pode ter futuro na TV, na linha de shows. Ou na Vera Cruz.Quem sabe teatro de revista...
ERNESTO: Estou falando além disso, Armando.
ARMANDO: Você está parecendo uma carola, com essa idéia fixa de casamento.
ERNESTO: Dois coelhos, numa paulada só. Essa pequena  vai estourar, e você sabe disso.  O brilho dela seria uma eficiente cortina de fumaça.
ARMANDO: (tomando como ofensa, segurando Ernesto) Eu lá preciso de cortina de fumaça, seu matusquela?
ERNESTO: (enchendo-se e coragem) Todos precisam, Armando.
CORTA PARA:
CENA 03. INT. PENSÃO/ QUARTO DE LÚCIA. MANHÃ
MERCEDES reagindo à reação da filha, tentando entender. ADÉLIA e GABRIEL próximos à PÉROLA.
MERCEDES: Você enlouqueceu, garota?
PÉROLA: Eu não deixei aquele médico carniceiro encostar as mãos em mim, no meu filho. Eu o disse que contaria a todo mundo. A Associação Cívica Feminina inteira ficaria sabendo, quantas famílias naquele colégio não ficariam revoltadas?
INSERÇÃO DE FLASHBACK
EXT. FACHADA DA CLÍNICA. DIA
PÉROLA saindo amparada pelo DOUTOR NOVAES. Ele sussurrando algo a ela.
DOUTOR NOVAES: Eu não encostei um único dedo em você, não há como voltar atrás. E também não devolvo o dinheiro.
CORTA PARA:
QUARTO DE LÚCIA. MANHÃ
MERCEDES: (atordoada) Eu não acredito. Nesses dois meses, você grávida do Rocco, carregando um herdeiro do Gino. O desgraçado morreu, e sem o seu pai no caminho, eu poderia ter usado isso contra aquele playboy. Mas agora, pelo que me disse a Neuza, aquela fofoqueira que eu encontrei na loja de tecidos, ele tá na merda, fez mal negócio com um turco e perdeu quase tudo o que o Gino lhe deixou, em esbórnia e jogatina.  Você é uma estúpida, garota!
PÉROLA: (enojada com o raciocínio da mãe) Você é um monstro! Eu não quero nada do Rocco! Ele foi um covarde (ela começa a chorar). Arrancaram muita coisa de mim, mas o meu filho está aqui, e eu vou ser tudo pra ele.
MERCEDES sai do quarto, tropeçando em CASTRO, que não arredou o pé só pra ouvir a conversa. ADÉLIA sai, fecha a porta e espanta CASTRO dali.
CENA 04. EXT. FACHADA DA PENSÃO. MANHÃ
VEMOS MERCEDES deixando a casa de Adélia, sem rumo.
CENA 05. INT. PENSÃO/ BANHEIRO DO QUARTO DE LÚCIA. MANHÃ
LÚCIA chora. GABRIEL a envolve em seus braços.
GABRIEL: Venha, Mi Carino, eu vou te levar pra longe daqui!
CENA 06. INT. PENSÃO/ COZINHA. MANHÃ
ADÉLIA adverte CASTRO e FELIPE.
ADÉLIA: (tomando uma generosa dose de seu licor) Vocês dois, principalmente você, Castro, boca de siri. Foi só uma briga.Nem vou levar em conta as ofensas que levei. Eu sei o que é uma mãe desesperada.
CENA 07. EXT. FACHADA DO PALACETE DE ARMANDO/ JARDIM. DIA
OLGA, munida de um tesourão, inspeciona o serviço do jardineiro, pensando em voz alta.
OLGA: Outro casamento pro doutor Armando, imagina? Nenhuma amante de ocasião pode ocupar o lugar da falecida dona Laura e também nenhuma outra pode cuidar dessa casa e nem do doutor Armando. Eu não vou aceitar nenhuma vadia aqui. Não vou!
DETALHE nas MÃOS trêmulas de OLGA, manipulando o TESOURÃO, e decepando, sem querer, uma bela roseira.
JORGE: (OFF) Falando sozinha, Olga?
OLGA virando-se para JORGE, 30 anos, o chofer do Palacete Montemor.
OLGA: Meta-se com a sua vida, Jorge. Lugar de chofer não é dando volta no jardim. Daqui a pouco já é hora de buscar o doutor Armando lá na TV Tupi. E ele aprecia a pontualidade, assim como você deveria apreciar seu emprego!
OLGA sai.
JORGE: (resmungando) Solteirona encruada, apaixonada pelo patrão! Apreciar meu emprego? Aquele velho miserável deveria apreciar meu salário, isso sim!
CENA 08. INT. APARTAMENTO/ QUARTO. DIA
Pouca mobília no quarto também. GABRIEL ajeita algumas roupas de Lúcia dentro de uma cômoda. LÚCIA o observa.
LÚCIA: Por que você está fazendo isso, Gabriel?
GABRIEL: Fazendo o quê?
LÚCIA: Você me trouxe pra um apartamento que nem é seu. E quando amigo voltar?
GABRIEL: Ele não vai voltar. Ele está preso. E o velhote que era dono daqui morreu e ninguém veio reclamar.
LÚCIA: E por que você continua na pensão?
GABRIEL: Porque eu te conheci, carino!
LÚCIA: Você não precisa ser gentil. Você sabe quem eu sou de verdade.
GABRIEL: Eu sempre soube, Lúcia.
LÚCIA: Sempre soube?
GABRIEL: Eu sou do mesmo mundo que você! Eu fugi de Cuba não só pela repressão, pela política. Pessoas do nosso mundo também não são bem-vindas por lá, ainda mais quando se vive disso.
LÚCIA esboça dizer algo, mas GABRIEL a silencia com um beijo.
GABRIEL: Eu prestei favores especiais a homens importantes. Eles precisavam de companhia, eu precisava de dinheiro, mas também aprendi muita coisa. E depois resolvi que era hora de mudar, de ir pra um lugar livre, porque existem horas que saber demais não é bom.
LÚCIA: (cortando) Então você se aventurou num navio cargueiro que parou no Brasil.
GABRIEL: (sorrindo) Bye, bye Miami. Adios, Cuba!
LÚCIA: Eu não tenho nada pra te dar, cubano!
GABRIEL: Nem tudo foi dinheiro, teve muito prazer também.
Novo beijo. Mais longo e mais quente. GABRIEL na conquista. LÚCIA se entregando.
CENA 09. INT.EXT. CARRO/RUA. DIA
JORGE ao volante. ERNESTO e ARMANDO no banco de trás.
ARMANDO: (seco) Quero um encontro com a pequena.
ERNESTO: Na sua casa?
ARMANDO: Sim, avise a Olga.
ERNESTO sorri.
CENA 10. INT. IGREJA. DIA
Algumas BEATAS cuidam do altar. MERCEDES desaba num dos bancos, olhar perdido num grande vitral com imagens sacras. E como numa alucinação, ela passa a VER um amontoado de CENAS: PÉROLA no palco do bar o Antro. ELA e LÚCIA no CAMARIM. LÚCIA lhe falando sobre Armando. NEUZA, a vizinha fofoqueira, contando-lhe detalhes da decadência de Rocco. PÉROLA narrando o episódio na clínica do doutor Novaes.
MERCEDES, parecendo ter um momento de revelação, salto do banco.
MERCEDES: Ela não pode parir aquele estorvo!
Seu pensamento em voz alta ecoa por todos os cantos da igreja. As BEATAS a censuram. MERCEDES sai correndo.
CENA 11. INT. APARTAMENTO/ QUARTO. DIA
LÚCIA e GABRIEL exaustos depois do sexo. Nu, ele zanza pelo quarto.
LÚCIA: Tá procurando uma rota de fuga, Mi Carino?
GABRIEL: (rindo dela) Não, Mi Carino, cigarros. Achei!
Ele volta para a cama.
GABRIEL: E o último. Se a gente dividir, você vai ter que contar todos os seus segredos.
LÚCIA: O maior deles, você já conhece.
GABRIEL: Esse não vale, eu já sabia. Por que tanto empenho em ajudar a Pérola? O que você e o Ernesto querem?
LÚCIA: (ruminando uma resposta) Quero ajudar a Pérola, mas ela também quer me ajudar, e o que o Ernesto quer não me interessa.
GABRIEL: E o que você quer, Lúcia?
LÚCIA: Eu quero a cabeça do Armando!
GABRIEL: Por quê?
LÚCIA: (tomando o cigarro das mãos dele) Passa esse cigarro pra cá, já que vamos dividir segredos. Você pode até me ajudar.
Ele concorda, com um largo e belo sorriso.
CENA 12. INT. PENSÃO/COZINHA. TARDE
MERCEDES acaba de chegar. Joga um maço de ervas sobre a pia e começa a tratá-las. CASTRO entra.
CASTRO: Ué, foi pra feira, grandona? O que tem aí?
MERCEDES: Ervas pra fazer um chá calmante.
CASTRO: Depois daqueladaquele bafafá todo, sua pequena tá lá no quarto, colocando os bofes pra fora.
MERCEDES:  (já colocando as ervas pra ferver) Nervosismo puro. Vou fazer um chazinho pra ela.
CASTRO: (estranhando a calma dela) Um pega pra capa  daqueles, e você calma desse jeito?
MERCEDES: Nada que uma ida à igreja não resolva. Cadê a dona Adélia?
CASTRO: Saiu. Falei que aquela enfermeira fajuta não me enganava? Só não espera que aquilo fosse um pederasta, um travesti.
MERCEDES: Aquela aberração não me interessa. Agora fecha essa matraca, não agüento mis ouvir a sua voz, seu estupor!
MERCEDES monta uma bandeja com o serviço de chá e sai.
CENA 13. INT. PENSÃO/ CORREDOR. TARDE
MERCEDES já subindo as escadas que dão acesso ao andar superior, equilibrando a bandeja, olhar ameaçador.
MERCEDES: (murmurando) Estou nova demais pra ser avó de um estorvo.
FIM DO 3º CAPÍTULO.

Argumento e roteiro de Alex Spinola: 

37 anos, paulistano, capricorniano. Começou na arte da escrita bem cedo, aos doze anos, quando ganhou sua primeira máquina de escrever, um trambolhão da Olivetti. E dela saíram títulos cafonérrimos, "Passado Negro" e "Amor e Poder". Mas a paixão pela escrita surgiu bem antes, da feita que sua mãe o presenteava com inúmeras enciclopédias, para depois sabatiná-lo, é claro! "Mamãezinha Querida"? Talvez. A certeza de que tinha para escrever ganhou força anos depois, quando ganhou um exemplar de o "Manual Do Roteiro", de Syd Field. E tendo esse como bíblia saiu em busca de oficinas de roteiro, terminando na escola do crítico paulista de cinema, Celso Sabadin. Seu Mestre foi o inigualável Galileu Garcia. Produziu, nesse período, inúmeros argumentos. "Pin-Up" é um deles.

Zanzando pela Internet, conheceu um fecundo bando de apaixonas por roteiros, televisão e cinema e amizades se estreitaram. Isaac Abda e David Vallerio dão conta disso. E foi num desses encontros que o responsável pelo blog "Posso Contar Contigo?" lhe lançou um desafio: "Que tal escrever uma novela, um roteiro para ser publicado lá no blog?". Convite feito, convite aceito. O espaço em questão já havia sido inaugurado por David Vallerio e Lucas Nobre, autores da trama "Golpe Baixo". Além de novelas, é apaixonada por cinema - "Sunset Boulevatd e "Cidadão Kane" estão no topo de sua lista. Aprecia moda, Madonna, Marilyn Manson e músicas dos anos 50, 70 e 80. E pelo que se sabe, detesta todo o resto.

Supervisão de texto de David Vallerio: 

Idade desconhecida. Paulistano. Já foi estilista, produtor de moda, figurinista, ilustrador... Sua vida teve uma reviravolta quando foi selecionado pelo novelista Aguinaldo Silva para a segunda edição da Master Class, no Rio de Janeiro. Homenageado pela Master Class 1 com o personagem Crô Vallério, mas a alma é de Nazareth. Ama discotheque, anos 70, novela, filme americano B, pornochanchada, fofoca e BBB. Detesta axé, funk, pagode, futebol e sertanejo. Não confia em evangélicos e nem em quem é muito bonzinho. Quer agradá-lo? Presentei-o com uma Barbie Farrah Fawcett edição de Colecionador.

Veja também o 2º capítulo, aqui.

Um comentário:

  1. Excelente capítulo, Alex! Seus personagens são muito humanos! Sabem ser mesquinhos, mas também cometem as maiores atrocidades em nome do amor! Parabéns!

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