sábado, 4 de fevereiro de 2012

SAUDADES DE UM PALHAÇO SANTISTA

Vou reproduzir aqui uma história deliciosa que o saudoso Plínio Marcos contou em entrevista ao programa Cena Aberta, da TV Câmara.



Por José Vitor Rack

Segundo Plínio, Bibi Ferreira teria lhe telefonado solicitando que fosse visitar seu pai, o grande ator Procópio Ferreira, que agonizava no hospital. O velho mestre teria um assunto urgente para tratar com ele. Boêmio, Plínio Marcos deu um jeito na portaria de fazer a visita à noite. Lá chegando, ele se deparou com um Procópio fraco, fragilizado, deitado de bruços. Ao vê-lo, Procópio abriu um largo sorriso e começou a falar:


- Plínio, você tem que escrever uma peça pra mim! Não podemos adiar isso, você tem de escrever! Eu quero que você escreva um espetáculo sobre Catulo da Paixão Cearense... 

E seguiu animadíssimo, falando alto e com um entusiasmo juvenil que deixou Plínio estupefato. Os outros pacientes do quarto começaram a prestar atenção naquela cena, digamos, pitoresca. Procópio declamava, cantava, atuava, fazia misérias deitado naquele leito hospitalar...

As pessoas foram se aproximando, se espremendo... Em dado momento, Plínio se deu conta de que havia cerca de trinta pessoas dentro do quarto, admirando o talento daquele ator extraordinário. Procópio Ferreira transformou a noite de dor e sofrimento, que é praxe em um hospital, em algo lírico e transformador. Médicos, enfermeiros e pacientes esqueceram-se por um minuto da rotina estressante que viviam e curtiram uma noite do melhor teatro brasileiro.

Procópio praticamente encenou a peça que queria que Plínio colocasse no papel. Estava tudo pronto, as idéias organizadas e ordenadas. Só faltava montar! Acabado o assunto, tudo voltou à normalidade. Plínio se despediu de Procópio que, mansamente, voltou à posição anterior e fechou os olhos para dormir.

Procópio Ferreira morreu dois dias depois. Foi a última apresentação de sua carreira...

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 SAIBA MAIS:


CATULO DA PAIXÃO CEARENSE
Poeta, teatrólogo, cantor e compositor. Nasceu em 8/10/1863, São Luís, MA e faleceu com 83 anos em 10/5/1946 no Rio de Janeiro, RJ. Suas poesias eram adaptadas a canções de compositores famosos (Chiquinha Gonzaga, Anacleto de Medeiros, João Pernambuco, Antônio Callado, Pedro Alcântara) e nas vozes de Mário Pinheiro, Eduardo das Neves, Cadete, Vicente Celestino, e outros, sua obra ganhava popularidade, consagrando-o.


PLÍNIO MARCOS
Autor maldito de assuntos malditos como homossexualismo, marginalidade, prostituição e violência, Plínio Marcos foi um dos primeiros a retratar a vida dos submundos de São Paulo. Nunca cedeu. Impôs, sempre, sua verve sem hipocrisias. Direta, forte e sem arestas. Era, segundo ele mesmo afirmava, "figurinha difícil". Foi, entre as coisas que dele se sabe, dramaturgo, ator, jornalista, tarólogo, camelô de seus próprios livros, técnico da extinta TV Tupi, jogador de futebol e palhaço. Nasceu em Santos (SP) a 29 de setembro de 1935 e morreu em São Paulo (SP) a 19 de novembro de 1999.


PROCÓPIO FERREIRA
João Procópio Ferreira foi o ator que popularizou o teatro nos anos 40 e 50. Nasceu no Rio de Janeiro, em 1898, e morreu em 1979, aos 79 anos. Entre seus sucessos estão: O Avarento, de Moliére; A Capital Federal, de Artur Azevedo; Esta Noite Choveu Prata, de Pedro Bloch. Procópio, em 61 anos de carreira (1917/1978), atuou em 461 peças. Era tão popular que chegou a fazer 18 apresentações por semana. Também atuou no cinema em vários filmes, entre eles, O Comprador de Fazendas (1951), Quem Matou Ana Bela (1956). O filme o Comprador de Fazendas é baseado em um conto do livro “Urupês” de Monteiro Lobato. Participou de poucas telenovelas, tais como Redenção, As Divinas e Maravilhosas e As Minas de Prata. 


JOSÉ VITOR RACK
@josevitorrack

2 comentários:

  1. Mais um texto apurado, meu caro José Vitor.

    Bom podermos homenagear ao saudoso Plínio Marcos!

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  2. Das duas uma, ou o autor desse texto é mais ou menos da minha idade ou é jovem e tem bom gosto. Voltei no tempo, aos anos 70, ainda nova mas já ouvia falar do Plínio Marcos e de sua ousadia. Eu gosto de vim aqui, viu?

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