terça-feira, 6 de março de 2012

RELEMBRANDO A NOVELA SUAVE VENENO

por Denis Pessoa





Depois de anos de trabalho árduo, Valdomiro conseguiu reconhecimento e dinheiro com sua empresa extratora de mármore, a Marmoreal. Líder no ramo, Valdomiro resiste a todo tipo de deboche e desprezo, pelo fato de ser um homem simples, que veio do Nordeste do país e venceu. Nascido no interior de Pernambuco, venceu na vida na capital do Rio de Janeiro, e nem por isso, deixou de ser a pessoa humilde que sempre foi, e nem jamais sentiu vergonha de ser como é.

Constituiu uma família numerosa, mas nem por isso sentia-se menos solitário. Cercado de pessoas que, ou não o amam, ou não o compreendem, a começar por sua esposa, Eleonor, com quem ele sequer fala ou divide o mesmo teto, o empresário busca, em vão, algum rosto amigo em meio a tanta hostilidade.
Suas filhas parecem seguir o mesmo caminho, exceto pela caçula, a mais doce, Márcia Eduarda. Já Maria Antônia, sempre alienada, parece não perceber nada exterior ao seu mundo, enquanto Maria Regina, acreditando ser mais capaz que o pai para gerir o rentável negócio da família, volta-se contra ele, fazendo de tudo para obter o poder que ela acredita merecer.

Farto de sua família, de bajuladores e inimigos, Valdomiro tem por hábito pegar um táxi e dirigir pelas ruas do Rio de Janeiro, em busca de interação com pessoas mais simples, que não fazem parte de seu ciclo tão restrito e sufocante.

Tudo muda com a chegada da misteriosa Inês: após causar um acidente em seu táxi, Valdomiro passa a sentir-se inteiramente responsável por ela, que passa a sofrer de amnésia. Culpado e encantado pela mulher que salvou duas vezes – a primeira foi de um assalto – Valdomiro decide cuidar pessoalmente desta mulher, levando-a para sua casa, e fazendo dela sua hóspede.

A decisão repentina causa constrangimento, desconfiança, e a revolta da família, principalmente da ambiciosa Maria Regina, que, além de não tolerar ver a mãe sendo humilhada pelo pai através da presença de uma mulher por quem ele está evidentemente atraído, ainda vê em Inês uma ameaça, que pode atrapalhar seus planos de liderar a Marmoreal.

Regina opõe-se à desconhecida com agressividade, e não acredita nem por um instante na história da moça. Depois de muitos avisos, a filha mais velha de Valdomiro prova-se certa: Inês desaparece, levando consigo uma fortuna, e deixando-o sozinho e humilhado. Maria Regina utiliza o golpe sofrido pelo pai como arma para tirá-lo do comando da Marmoreal, assumindo o controle da empresa que prova-se mais tarde totalmente incapaz de gerir.

Tempos depois, Valdomiro reencontra Inês, que vive outra vida, e possui outro nome: Lavínia. Não demora, e logo o empresário descobre que a presença de Inês em sua casa não passara de uma armação arquitetada pela advogada Clarisse, que buscava vingança, por razões obscuras.


Trata-se da novela Suave Veneno, do novelista Aguinaldo Silva, que estretou na TV Globo em 18 de Janeiro de 1999, e foi estrelada por José Wilker (Valdomiro), Glória Pires (Inês), Irene Ravache (Eleonor), Letícia Spiller (Maria Regina), Vanessa Lóes (Maria Antônia), Luana Piovani (Márcia Eduarda), Patrícia França (Clarisse), e muitos outros.

A trama, uma ideia complexa, teve algumas valiosas fontes de inspiração em seu enredo principal: foram estas Rei Lear, de Shakespeare, que inspirou a relação conturbada de Valdomiro, um homem poderoso, com suas filhas, no caso da novela, a mais velha, que considerava-o um líder medíocre e pouco merecedor do posto que ocupava. Existem também referências a I Married a Dead Man, de Cornell Woolrich, que gerou adaptações para o cinema e TV, inclusive uma novela da TV Tupi, A Intrusa. É possível ver em Suave Veneno, referência, na personagem Eleonor, referência clara a Leonor, a Duquesa de Aquitânia, cuja história de vida foi adaptada em peças e filmes. Eleonor, mulher aparentemente inofensiva, vivia exilada, condenada a ostentar o luxo que o marido proporcionava, sem no entanto poder sequer dirigir-lhe a palavra – fator, que aliás, tornava dúbia a personalidade de Valdomiro. Para um homem carente de afeto, era cruel com sua família.
Valdomiro e Lavínia
(José Wilker e Glória Pires)
Uma ideia ambiciosa, temperada com mistério, suspense, e vingança, Suave Veneno acabou não saindo como o planejado, frustrando expectativas, necessitando de severas reformulações para agradar ao público. A sensação de que algo ia errado surgiu logo no começo da trama, onde não havia empatia alguma pelos protagonistas. Os personagens carismáticos de Aguinaldo Silva não estavam presentes, e havia uma dissonância constante entre o elenco. Pouca coisa parecia aproveitável e poucos personagens se destacavam, a começar pela vilã Maria Regina, e o guru Uálber (Diogo Vilela), homem extremamente digno e corajoso, que usava seus poderes sobrenaturais para praticar o bem.

Com passar dos capítulos, Suave Veneno ganhou traços mais popularescos, e a novela ganhou inúmeras cenas de humor. Personagens foram remanejados, culminando no desaparecimento de alguns, como Clarisse, e o Augusto Ivan de Tarcísio Filho. Já outros, que pareciam apáticos ou dúbios, como Inês e Waldomiro, foram totalmente transformados. De muher misteriosa e pouco expressiva, tornou-se a sofrida vítima de uma chantagem, o que já era evidente no início da trama. O fato do público ignorar o fato, e não possuir certeza se Inês participava do plano deliberadamente ou não fazia com que ficasse difícil identificar o que deveria sentir por ela. Novela precisa ter uma linguagem clara, e o público precisa ser indicado sempre aos personagens que deve amar, e os que deve desprezar. Já Waldomiro, expulso de sua própria empresa pela filha mais velha, decide começar do zero, batalhando duro para reconstruir sua empresa às custas de seu próprio suor, despertando compaixão por sua decepção com Lavínia, e com sua inimizade com a própria filha.

Outros personagens como Marina (Deborah Secco), Renildo (Rodrigo Faro), Eliete (Nívea Stelmann) ganharam traços mais fortes de humor, fornecendo alívio para a trama principal, que por muitas vezes era também era pautada na comédia. As maldades de Maria Regina, a protagonista efetiva da novela divertiam o público, e a vilã ora despertava risos, ora piedade, tornando-se, sem dúvida, uma das antagonistas mais comentadas da teledramaturgia nacional, despertando críticas positivas e negativas por parte de todos os especializados em telenovela.
Letícia Spiller viveu Maria Regina
De fato, Letícia Spiller e José Wilker protagonizavam alguns dos momentos mais interessantes da novela. Não apenas ambiciosa, era evidente o ressentimento dela pelo pai em todos os momentos em que se encontravam, e os reais motivos de tanta mágoa só foram revelados no embate final entre pai e filha, no penúltimo capitulo da novela: podendo ser interpretados como motivos até mesmo bobos para tanto ódio, Regina explodiu e desabafou: falo sobre a vergonha que tinha da má educação do pai, da vergonha que sentia dele, e do dilema que sentia, entre o amor pelo pai, e seu sonho de ser uma princesa, optando, no final, por culpar Valdomiro por não ser o pai que ela sempre quis ter. Comovido diante da filha, vulnerável como raramente via, os dois chegam perto de um entendimento, porém, mais uma vez, a filha mais velha do imperador do mármore opta pelo ódio, e despede-se do pai, rumo ao seu trágico desfecho.
Na capa da trilha sonora, Patrícia França (Clarisse)
Embora confusa e por vezes incoerente, Suave Veneno apresentava um enredo principal muito interessante, que, se melhor desenvolvido, teria resultado em uma novela inesquecível. Cheia de potencial, foi subaproveitada, e, por inúmeras razões, ficou aquém do que poderia ter feito.
Ainda assim, vale a pena lembrar, e quem sabe um dia, conferir o que foi aproveitado. A novela teve ótimos momentos, em sua maioria causados pela vilã Maria Regina. Ainda assim, outros personagens demoraram, mas conquistaram o público: Uálber, Edilberto (Luis Carlos Tourinho), Agenor (Heitor Martinez), Adelmo (Ângelo Antônio), motorista e ex-presidiário, irmão de Inês, e que vivia um romance extremamente sexual com Maria Regina, e tantos outros personagens.

E sua trama central é uma, que vale, sem dúvida, quem sabe, ser recontada em outra novela, de forma mais coerente, carismática, porque, sem dúvida, é apaixonante.

3 comentários:

  1. Denis, muito legal o seu texto... bom relembrar Suave Veneno. O curioso é que não está entre as preferidas do Aguinaldo, mas consegue ser melhor que Fina Estampa, ou ao menos, eu prefiro.

    Que venham os próximos, moço!

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  2. Ótimo texto Denis, só não concordo com essa coisa de ser bobo o motivo pelo qual Maria Regina tinha tantos problemas com o pai, consigo sensivelmente sentí-la e aceitá-la, assim como fez o personagem de Angelo Antonio, ela era vunerável e desequilibrada com bons motivos sim, rica, bonita, fina, rodeada de pessoas como ela, deveria ser uma tremenda vergonha apresentar um pai bonachão, simplório e até nordestino (sim, no sul e sudeste o preconceito aos nordestinos era muito grande há 30, 20 anos atrás), como lutar contra esses sentimentos de vergonha e raiva por alguém que ela tanto amava, seu pai, seu herói, o cara que um dia ela se espelhava para ser também, mas com uma visão do lado da alta sociedade, já que seu pai tinha uma visão adquirida do povo. Outro dia assisti uma palestra sobre empreendedorismo e o palestrante falava preocupado sobre as grandes empresas e seus empresários que vieram de baixo, cresceram e se tornaram referência mundial, como Eike Batista, Abílio Diniz, Antonio Ermílio de Moraes, o dono do Bradesco, porque esses empresários pensam em seus funcionários e financiam muitos projetos para a classe pobre do país, já seus filhos que não passaram por dificuldades alguma em suas vidas provavelmente não seguirão o caminho de seus pais. Sendo assim, entendo muito bem Maria Regina e acho que That I Would Be Good define completamente sua personalidade. Falando da novela, foi realmente uma bagunça, até hoje não entendi a história principal e me lembro que o Ratinho na época fez a festa com a audiência. Ponto positivo para a trilha sonora da novela, super diversificada e uma das melhores trilhas internacionais com Alanis Morissette, Mariah Carey, Celine Dion, Andrea Bocelli, Laurin Hill entre outros!

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  3. Gostei bastante dessa novela!A trilha sonora estava impecável, principalmente a música That I would be good.
    Náy

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