quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Qual o sentido da falta de sentido?

por José Vitor Rack

            Antes de a telenovela brasileira ser real e genuinamente um produto nacional, as trilhas sonoras de novelas eram músicas retiradas de filmes, quase sempre orquestradas e sem vocal. Não havia cuidado especial com o que era veiculado tampouco havia lançamento de discos, salvo raras exceções.


Aí a TV Tupi veio com BETO ROCKFELLER trazendo Beatles, Jorge Ben, Bee Gees, Erasmo Carlos... E as novelas descobriram o maravilhoso mundo da música popular. Mais ou menos na mesma época Nelson Motta começou a produzir as trilhas das novelas da TV Globo para a Philips. Em 1971 a Som Livre de João Araújo profissionalizou o negócio e criou-se uma invejável indústria que unia o maior divertimento do povo com o melhor da música.


Na década de 1970 foram criadas pérolas como as trilhas de O Bem Amado, Gabriela, Selva de Pedra, O Grito, O Primeiro Amor, O Rebu, O Bofe, compostas especialmente por gente do calibre de Roberto Carlos, Raul Seixas, Vinícius de Moraes, Dorival Caymmi, Victor Assis Brasil, etc. Era o auge da criatividade na telenovela, incluindo-se aí a sonoplastia.

Vieram as décadas seguintes e o conceito de trilha sonora exclusiva se perdeu. Ainda assim, os discos de novela traziam grandes nomes da música nacional e internacional e, em sua maior parte, refletiam o gosto musical da época com competência e algum bom gosto.

Veio a internet, a indústria fonográfica desabou, o Plano Real colocou uma televisão de 42 polegadas em cada cômodo de cada casa desse país. A transformação foi intensa e causou uma enorme e devastadora diarréia mental nas cabeças pensantes da televisão. Criou-se a máxima de que tudo que é bom deveria ser cortado para que as telenovelas atraíssem essa nova leva de consumidores. E as trilhas sonoras vieram ladeira abaixo.


O auge desse conceito novo de vender música via novela foi a bem sucedida Avenida Brasil. O oi-oi-oi tomou conta do país. Às nove da noite a luz azulada das televisões levou aos lares do país inteiro as delícias poéticas de Michel Teló, Luan Santana, Lucenzo e congêneres. Marisa Monte e Rita Lee eram constrangedoramente exceções no repertório da novela.


Na Record o conceito logo foi copiado. Em sua delirante Balacobaco, artistas como Lady Lu, Amado Batista e inúmeras duplas de sertanejo universitário fazem da trilha sonora da novela um bom substituto de qualquer laxante.

Voltando a TV Globo, Salve Jorge parecia que mudaria o panorama. Glória Perez sempre influiu positivamente na trilha sonora de suas tramas incluindo samba, Nana Caymmi e muita (verdadeira) MPB. Mas o que se vê no ar é um espetáculo dantesco.

Ao fim de um capítulo qualquer outro dia, vi uma cena muito bem escrita por ela que terminou num clímax de suspense muito bem urdido. Fechando a cena no clima tenso, vieram os créditos finais ao som de um funk de letra absolutamente debochada e de mau gosto.

Nada contra funk debochado e de mau gosto. Mas combina com a cena? A sonoplastia de cena também anda de uma pobreza atroz. A música simplesmente toca ao fundo. Clímax, corte, usar a letra da música para dar dimensão ao que a tela mostra, nada disso mais é utilizado de modo competente.

Parece que desaprenderam a fazer algo que antes era tão simples e usual. Qual o sentido de se colocar música popular que não combina com a obra? Sentido ainda é um critério para quem faz TV?

Qual o sentido de tamanha falta de sentido?

Quem souber que me conte. 

6 comentários:

  1. Novela é um produto bastante popular e os chefãos musicais das emissoras sabem disso. Mariozinho Rocha na Globo e o Marcos Camargo na Record. Ignorar uma grande massa que consome e curte funk e seus derivados, é fechar a porta para a entrada de dinheiro e o dinheiro, é o sentido de tudo, meu caro.

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    1. Não tenho contra dinheiro. Muito pelo contrário. Só acho que a cena tem que combinar com a música. Façam novelas de funkeiros e sertanejos, então.

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  2. Triste ver que as emissoras só se interessam pelo money dessas pseudomúsicas...
    Lucas - www.cascudeando.zip.net

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  3. eu já critiquei em rede social o fato das músicas forrozentas universitárias ou funkeiras acabarem com o clímax de uma determinada cena, mais em Avenida Brasil mesmo em que havia uns ganchos interessantes. Mas tb acho que as trilhas hoje em dia respeitam também o mercado e que se não fosse determinados autores a escrever, nomes como Nana Caymmi, Célia e Emilio Santiago não teriam mais vez...eu gosto da mistura francamente falando, pois Bethânia, Adriana Calcanhoto, Celso Fonseca já transformaram música bem subestimadas em algo bem legal...sei que o post não é só sobre qualidade, tem a ver com adequação tb....acho que as trilhas ainda vão por um bom caminho...e prefiro as músicas mais povão do que essa coisa jeca de brasileiro cantando em inglês sempre.

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  4. É a busca por agradar a famigerada classe C que está afetando as trilhas. O povão gosta de sertanejo universitário, funk, pagode e etc. Eu tiro pela minha vizinhança, é Valeska Popozuda, Mc não sei do que, tchu tchá o dia inteiro rsrsrs. As telenovelas tentam se adequar a estes gostos tbm, mas que fica estranho isso fica.

    Abraços

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  5. A questão dinheiro é bastante relativa, pois estas trilhas são vendidas por 24, 25 reais nas lojas e não são consumidas pelas classes a que se destinam, pois quem não tem grana vai comprar o pirata por 5 reais no camelô!
    Quem curte trilha sonora mesmo e que tem o poder aquisitivo par adquiri-las está extremamente incomodado com a falta de gosto e a queda de qualidade das mesmas, vejo por mim que há quase trinta anos coleciono trilhas e nunca vi repertórios tão ruins como os de agora.
    Ótimo análise José Vitor Rack!!!!!!!

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