segunda-feira, 22 de abril de 2013

No dia da Terra, novelas ecológicas

                                         
                                                                           Por Daniel Pilotto

Hoje, 22 de Abril, comemoramos o dia da Terra.

Este foi um dia criado pelo senador e ativista ambiental americano Gaylord Nelson em 1970 com o objetivo de se criar uma maior consciência ambiental nas pessoas, e que a partir daí se discutam os rumos do homem no planeta, suas atitudes, suas conseqüências.

Um dos estatutos define bem e de forma geral tudo aquilo que a data representa:

“O dia da Terra se converteu em um importante acontecimento educativo e informativo. É uma ocasião para avaliar os problemas do meio ambiente do planeta: a contaminação do ar, água e solos, a destruição de ecossistemas, de centenas de milhares de plantas e espécies animais dizimadas, e o esgotamento de recursos não renováveis. Utiliza-se este dia também para insistir em soluções que permitam eliminar os efeitos negativos das atividades humanas. Estas soluções incluem a reciclagem de materiais manufaturados, preservação de recursos naturais como o petróleo e a energia, a proibição de utilizar produtos químicos danosos, o fim da destruição de habitats fundamentais como as florestas tropicais e a proteção de espécies ameaçadas. Por esta razão é o Dia da Terra”.

Com base nesta data, tão importante e tão fundamental, afinal é o dia da nossa casa, eu quero propor uma viagem pelo tema dentro da nossa teledramaturgia.

Desde que a novela começou a ganhar uma identidade própria com os autores conseguindo imprimir seus estilos, os temas foram se transformando e atingindo um algo a mais do que só o puro folhetim.

A idéia de retratar o mais fiel possível o mundo em que se vivia, fugindo dos temas épicos e dos romances cotidianos, era uma regra já no final dos anos 60. Com isto podia se discutir este novo homem e o meio que o cercava. Era a época dos rompimentos, e dos autores que queriam mudar a tv.

Dias Gomes foi um dos primeiros a levar para as novelas um embrião de discussão ecológica com sua novela O ESPIGÃO (1974). Era uma novela que inovava ao trazer à tona a necessidade de se ter qualidade de vida e lutar fosse como fosse contra a expansão imobiliária, em franca ascensão. O horário das 22 hrs era uma grande chance para que se discutissem temas mais relevante.

A trama girava em torno da venda ou não de um antigo casarão para a construção de um grandioso hotel de cinqüenta andares, o tal espigão do título, idéia megalomaníaca do empresário Lauro Fontana (Milton Moraes). A família Camará dona do casarão, numa área arborizada de cinco mil metros quadrados, possuía os mais diferentes motivos para vender e não vender o lugar onde moravam. E no meio dos herdeiros estava Baltazar (Ary Fontoura) um dos únicos irmãos preocupado com o verde do lugar. Botânico ele não quer que se destrua mais uma das poucas áreas verdes da cidade para se construir mais um edifício.


O interessante nesta trama é o aparecimento do primeiro personagem verdadeiramente ecologista. Léo (Cláudio Marzo) é um jovem cheio de ideais que vem do Nordeste e se depara com uma cidade feroz e competitiva. É um dos mais ferrenhos ao se engajar contra a construção do espigão, defendendo a natureza em horário nobre. No final o personagem diz: “O importante não é a árvore. O importante é o homem. Mas só no dia que o homem aprender a respeitar a árvore é que ele se tornará realmente humano. Aí começará sua verdadeira história”.

No mesmo ano, Janete Clair escrevia para as 20 hrs uma obra também voltada ao descaso do homem pela natureza, FOGO SOBRE TERRA (1974).

Nesta trama era a construção de uma hidrelétrica que dava o tom da tragédia. Na pequena cidade de Divinéia no Mato Grosso, os moradores são informados da chegada do “tal progresso” e para tanto tem que lutar para que não se desvie um importante rio na construção da barragem, o que inundaria de vez toda a cidade.

Nesta novela, o líder ecológico vem representado na figura de Pedro Azulão (Juca de Oliveira) que não concorda neste progresso que destrói, que passa por cima de tudo sem se importar com as conseqüências. Seu maior inimigo, no entanto é seu irmão Diogo Gonzaga (Jardel Filho) que pensa exatamente o contrário e acha que o progresso traz novas possibilidades para quem morar ali.


Assim como em O ESPIGÃO onde os manifestantes são afastados pela polícia e assistem a derrubada do casarão em detrimento ao hotel, em FOGO SOBRE TERRA o final também não é feliz. Depois de muita luta em vão, uma das personagens Nara (Neusa Amaral) permanece dentro de sua casa enquanto as águas do rio desviado invadem a cidade cobrindo tudo e ela mesma, que morre num ato de resistência contra o progresso, cada vez mais inevitável.

Mas não era apenas na Globo que se discutia o tema. Em 1977, na Record, Ivani Ribeiro escrevia a interessantíssima O ESPANTALHO. Nesta novela o tema era a poluição do mar na fictícia cidade litorânea de Guainá.

Breno (Fábio Cardoso) é o prefeito da cidade, que responsável e consciente das doenças ocasionadas pela poluição das águas impede que os banhistas usem as praias do lugar. Seu principal oponente é o vice-prefeito Rafael (Jardel Filho) que é dono de um dos grandes hotéis do lugar e não concorda com as proibições que afastam os turistas da cidade. Ele arma mil situações para que Breno fique cada vez mais enfraquecido como político do lugar.

Breno conta com a ajuda de Tônia (Thereza Amayo) uma das comerciantes da cidade para alertar os outros habitantes sobre os problemas do mar poluído. Aliás, é Tônia quem se fantasia de espantalho para assombrar Rafael durante quase toda a trama.


Para quem lembrou de já ter visto esta história antes, vale citar que a mesma fez parte do remake de MULHERES DE AREIA (1993). Nesta versão Breno era interpretado por Daniel Dantas e o vice-prefeito Rafael se transformou em Virgílio (Raul Cortez), numa sacada de mestre da autora em unir num mesmo personagem o empresário da trama das gêmeas Ruth e Raquel com o vice-prefeito de O ESPANTALHO.

Em ambas as tramas as conseqüências do descaso ecológico tiveram um final feliz e a praia foi finalmente despoluída.

Em 1978 Dias Gomes voltava ao horário das dez com mais uma trama discutindo a temática ambientalista, desta vez com SINAL DE ALERTA o autor pretendia conscientizar sobre a poluição no ar das cidades grandes. Na própria logomarca da novela já era explicitado o conteúdo da trama, com a máscara de oxigênio no aviso de alerta.

A novela contava a história de Tião Borges (Paulo Gracindo) dono da Fertilit, uma fábrica que produzia fertilizantes e inseticidas e que era responsável por uma grande disseminação de poluentes no ar. Sua vida se tornava um inferno quando a jornalista Talita (Yoná Magalhães) iniciava uma campanha contra ele na imprensa, ressaltando a falta de respeito com o meio ambiente. O resultado repercutia também entre os operários da fábrica que reivindicavam melhores condições de saúde no trabalho.


O assunto era polêmico, e mais uma vez o autor foi muito à frente em sua época. O público ainda não estava habituado ao tomar contato com tudo o que a novela propunha e o resultado veio imediato nos índices de audiência, já bastante negativos por conta do horário de exibição da novela. Outra questão importante é que Dias Gomes mexia com homens tão poderosos na vida real quanto o seu personagem fictício, Tião.

Os anos 80 foram marcados por tramas que definitivamente não se interessaram em abordar este tema. A discussão sobre qualquer assunto relacionado ao meio ambiente ou ecologia ficava restrito a alguns episódios em seriados infanto-juvenis como O SÍTIO DO PICA-PAU AMARELO (1977 a 1986) ou ARMAÇÃO ILIMITADA (1985 a 1988), neste último esta questão foi bastante retratada no episódio “É o Fim do Mundo” da temporada de 86, onde Juba, Lula, Zel e Bacana acreditam que uma explosão nuclear acabou com o planeta.

É apenas em 1989 que o assunto volta a ocupar o horário nobre da tv, na novela TIETA. Em meio à trama regional bastante característica da obra Jorge Amado, a questão ambiental se faz presente.

Santana do Agreste é uma cidade do interior do Nordeste que está parada no tempo e que ingenuamente se vê envolvida com a possibilidade da instalação de uma fábrica de dióxido de Titânio. Ascânio (Reginaldo Farias) é o prefeito idealista que acredita que pode mudar o destino pobre do lugar. Para ele não adianta de nada um paraíso ecológico sem o progresso tão necessário para a sobrevivência de seus habitantes.


Entretanto ele encontra oposição do comandante Dário (Flávio Galvão) que afirma que as terras de Mangue Seco devem se manter inalteradas, e de Tieta que apesar de toda sua vontade de se vingar da cidade pelo o que aconteceu em seu passado, não quer que o lugar desapareça.

Mirko Stéphano (Marcos Paulo) é a misteriosa figura por trás da fábrica Brastânio. No decorrer da trama descobre-se que ele é Arturzinho da Tapitanga, um homem rancoroso e vingativo que nasceu na cidade e na realidade quer apenas destruir tudo.

Toda esta trama ecológica também está presente no livro de Jorge Amado, demonstrando uma preocupação do autor com o tema já nop início dos anos 70, quando livro foi lançado.

O tema ganha o seu maior expoente na teledramaturgia com a novela da Manchete PANTANAL (1990) de Benedito Ruy Barbosa. Esta trama pode ser considerada uma das maiores bandeiras ecológicas da tv.

Engavetada durante muito tempo na Globo, PANTANAL ganhou as telas na rede Manchete. A emissora não economizou em gravar todas as externas da trama na região do Pantanal do Mato Grosso. Uma novela com uma temática tão característica não poderia ficar restrita a uma cidade cenográfica e durante os seus 216 capítulos o público foi brindado diariamente com imagens estonteantes da beleza da flora e da fauna do lugar. Era possível ver durante minutos o vôo de pássaros típicos da região, os mergulhos silenciosos de jacarés, capivaras e cobras, o desabrochar de flores e o entardecer ensolarado do lugar.


Na trama, José Leôncio (Cláudio Marzo) é um fazendeiro que possui terras na região. Apesar de ser criador de gado, uma das atividades que mais exigem o uso da terra e do espaço, ele tem um grande amor pelo Pantanal e suas idéias sobre criação estão sempre voltadas a se respeitar o meio ambiente que o cerca.

José Leôncio é filho do grande vaqueiro Joventino (Cláudio Marzo), um homem misterioso que desaparece quando o filho ainda é jovem. A partir daí surge na história o Velho do rio, figura mítica que aparece apenas para a personagem de Juma Marruá (Cristiana Oliveira). O velho é um misto de curandeiro, defensor da natureza e detentor dos mistérios e segredos do lugar. Quando encontra alguém que não partilha de seu amor pela natureza ele se transforma numa grande sucuri e dá cabo de quem for. São deste personagem os textos mais profundos e contundentes sobre o que o homem faz com o ambiente.

O sucesso estrondoso da novela fez com que o público começasse a perceber a importância da preservação de nossas riquezas naturais.

Em 1991 um outro personagem ecologista ganhou as telinhas, tratava-se do Capitão Jonas (Reginaldo Farias) em VAMP (1991) de Antonio Calmon. Morador da região litorânea da fictícia Armação dos Anjos ele é um fiscal da natureza do lugar. Ele sempre está atento com as praias, controlando o chamado turismo predatório.

Apesar da trama contar uma história de vampiros, a novela conseguiu exercer uma ação ecológica bastante produtiva. Através da personagem Soninha (Bia Seidl) o capitão Jonas toma contato com a necessidade de se preservar as tartarugas marinhas do lugar. Surgiu aqui o primeiro merchandising ecológico, uma associação da tv Globo com a Fundação Boticário de Preservação à Natureza.

O autor sempre teve uma necessidade de discutir o tema na teledramaturgia. Suas tramas sempre ambientadas em paraísos litorâneos são o cenário perfeito para abordar diversos assuntos relacionados.

Em TRÊS IRMÃS (2008) a idéia de paraíso ameaçado também teve vez. Violeta Áquila (Vera Holtz) é uma mulher ambiciosa que deseja construir um complexo hoteleiro na região onde fica a praia Azul no fictício balneário de Caramirim. O pescador pacífico (Roberto Bonfim) e o surfista Sandro (Marcelo Novaes) tentam de todas as maneiras deter os planos da empresária e lideram uma mobilização dos demais moradores em prol da defesa das belezas naturais do lugar.

Entretanto como a trama já não fazia sucesso a relevância do assunto ficou diluída e passou quase desapercebida.


Durante anos, personagens que questionavam e levantavam a bandeira da causa ecológica fizeram parte de algumas novelas.

Em PORTO DOS MILAGRES o pescador Guma (Marcos Palmeira) e o médico Rodrigo (Kadu Moliterno) lutaram juntos contra a poluição de um rio por uma fábrica de tecidos pertencente a Félix Guerreiro (Antonio Fagundes).

Em CORAÇÃO DE ESTUDANTE o professor de Biologia Edu (Fábio Assunção) é um ferrenho defensor da natureza e grande incentivador da idéia nas mentes de seus alunos. Luta ao lado da Universidade da fictícia cidade de Nova Aliança pela posse de uma pequena área de mata virgem na região, batendo de frente com a força política do empresário João Mourão (Cláudio Marzo) que pretendia as terras para transformar em mais um pasto para sua fazenda.

Entretanto eram histórias esporádicas em tramas que tratavam também de outros assuntos.

Cabe aqui questionar o por que de não conseguirmos mais fazer uma novela onde o tema ecológico seja o principal mote? Afinal sabemos que o assunto é cada vez mais atual (principalmente num país que ainda discute os rumos do código florestal no balcão de negócios que é Brasília).

O que o homem está fazendo com o planeta ainda rende muitas boas histórias, o que se precisa é uma boa vontade e inteligência para tornar o assunto interessante por parte de quem faz tv.

Para terminar nada melhor do que o texto da última cena de PANTANAL
“O Homem é o único animal que cospe na água onde bebe;
O Homem é o único animal que mata pra não comer; 
O Homem é o único animal que corta a árvore que lhe dá sombra e frutos. 
Por isso está se condenando à morte”
(palavras do Velho do Rio, meu pai)
BENEDITO RUY BARBOSA

4 comentários:

  1. "Não consegui postar no blog!!! Mas aqui vai: Adorei o texto, a relevância do assunto, e ter podido me lembrar desse tema em diversas novelas. Parabéns pelo texto, pela pesquisa! Sabe que eu sempre achei que um dia a Gloria Perez fosse fazer uma novela sobre isso? Chegava a apostar, porque ela sempre une o passado, as tradições, em contraponto a algum tema ultra moderno, atual, e relevante, para fazer o povo discutir! Mas ainda não foi dessa vez!
    E o Benedito quer falar da transposição do Velho Chico, mas sua sinopse nunca recebeu o ok. Quem sabe, quando o PT sair do poder, a Globo não autorize essa novela, nem que seja levada pelas mãos de uma Maria Adelaide Amaral, usando o texto de um recém falecido Benedito, né? Matei o Benedito porque acho que esta trama só venha a publico daqui 15, 20 anos."

    Comentário de Tom Dutra (via faceboook)

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  2. Nossa, muito obrigado Tom!!!!!!!!!
    Pois é, eu também sempre quis ver algo neste sentido na obra da Glória Perez, principalmente pelo fato dela ter vindo da região amazônica e conhecer seus problemas de perto. Entretanto acho que ela fez um lindo trabalho com a minissérie AMAZÔNIA, DE GALVEZ À CHICO MENDES. Principalmente a fase da trama do Chico Mendes, realmente emocionante e contundente!!!!!
    Quanto ao VELHO CHIOCO do Benedito, eu espero mesmo que ele ainda consiga olevar ao ar esta trama. Seria um trabalho de suma importância par alertar o povo do descuido de nossas autoridades para com um rio tão importante.
    Agradeço teu comentário, como sempre super bem vindo!!!!!

    E agradeço ao querido Isaac por postá-lo aqui!!!!!!!!!

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  3. adorei o texto e a lembrança de um tema que parece cada vez mais cair em esquecimento...adorei a lembrança de Coração de Estudante, uma novela que eu adoro...e Sinal de Alerta, cuja abertura pra mim é emblemática.. Dias Gomes sempre ótimo nesses temas de tomada de terras e a lembrança de Fogo sobre terra, que eu lembro de flashes mas cujo final eu nunca me esqueci com a cidade sendo tomada pela água e o personagem da fantástica Neusa Amaral permanecendo na cidade.

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    Respostas
    1. Obrigado querido Edu!!! Eu sabia que iria gostar do tema e tua memória noveleira sempre abrilhantando minhas postagens!!!!!! Obrigado!!!!!!

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