segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

“Rainha da Sucata” faz a festa dos saudosistas no Canal Viva!

Lambada tempera a rivalidade entre a noveau rich cafona e a aristocracia decadente na Era Collor!

Glória Menezes, Tony Ramos e Regina Duarte
por Júlio César Martins

Nesta segunda, 21 de janeiro, o Canal Viva recicla na tela da TV a fábula da sucateira e sua corte. Exibida originalmente em 1990 pela Rede Globo, “Rainha da Sucata” reuniu um elenco estelar, nunca antes visto em uma mesma novela. Lançada em meio às comemorações dos 25 anos da emissora, foi a primeira trama das oito escrita pelo então rei da comédia, Sílvio de Abreu. Repetindo a consagrada parceria com o diretor Jorge Fernando, a intenção era importar um pouco do clima do horário das sete para o horário nobre, pegando carona no êxito do bom humor explorado pela antecessora, “Tieta”. Apesar de ser lembrada nos dias de hoje como um grande sucesso, “Rainha da Sucata” enfrentou alguns percalços que reverberaram na audiência ao longo da exibição original.

A trama gira em torno de Maria do Carmo (Regina Duarte), uma mulher de origem pobre, filha de portugueses, mas com excelente faro para negócios e que acaba enriquecendo. Apesar de ser uma empresária bem-sucedida, não consegue o status social que deseja e recorre a socialite Laurinha Albuquerque Figueiroa (Glória Menezes), que, apesar de falida, ainda frequenta as colunas sociais. Uma vai usar a outra para alcançar seus objetivos. O elo entre as duas é Edu Figueiroa (Tony Ramos), enteado de Laurinha e grande paixão de Maria do Carmo na juventude. Ele é um playboy internacional que, inconformado com a falência da família, tenta o suicídio. Logo se promove um casamento de fachada entre Edu e Maria do Carmo, para satisfazer o jogo de interesses.

Pego de surpresa pelo Plano Collor às vésperas da estréia, o autor Sílvio de Abreu teve que reler 900 páginas dos 30 primeiros capítulos já escritos para refazer cenas e diálogos, contextualizando a novela de acordo com a situação econômica no país no momento. Assim, a empresária de sucesso aparece afogada em desconfortos provocados pelo recente baque econômico: a drástica redução no consumo por conta dos confiscos afetou a venda de carros de sua concessionária, a Do Carmo Veículos, instalada num luxuoso prédio na Avenida Paulista - o coração econômico de São Paulo. Para driblar as circunstâncias, ela inaugura a “Sucata”, uma casa de shows no último andar do prédio de sua revendedora - mais tarde transformada numa lambateria para ricos.

Banner promocional do Canal Viva, divulgando a reprise de "Rainha da Sucata"
Sílvio de Abreu contou com a assessoria de texto da socialite Danuza Leão, que sugeria situações e até frases para os personagens ricos da novela, garantindo a coerência nos costumes e deslizes dos personagens deste universo. A partir do capítulo 36, Sílvio escreveria "Rainha da Sucata" em colaboração com José Antônio de Souza, porém, a necessidade de reescrever os capítulos iniciais fez com que o autor perdesse a frente de capítulos. Acostumado a escrever capítulos de novelas das sete, Sílvio estava entregando scripts mais curtos do que o de costume para o horário, justamente quando a Globo tinha intenção de conter a ascensão progressiva de audiência da novela da concorrência, “Pantanal”. A estratégia era esticar o Jornal Nacional e “empurrar” os capítulos de “Rainha da Sucata” para que terminassem um pouco mais tarde, levando as duas novelas a concorrer por algum tempo. Posteriormente, a novela passou de 45 para 60 minutos diários.

Capa ilustrando a predileção da imprensa especializada por "Pantanal"
Gilberto Braga, colega de profissão e amigo pessoal de Sílvio de Abreu, soube por acaso que, exatamente neste período, o irmão de Silvio estava muito doente e que os capítulos da novela estavam atrasados. O próprio Gilberto esclareceu: “- Liguei para ele, que me disse que o irmão estava em fase terminal. Sílvio acordava, ia para o hospital, ficava um pouco com o irmão, voltava para casa, escrevia a novela, ia ao hospital de novo. A vida dele estava um caos, e a novela, atrasada. Eu me ofereci para ajudá-lo e trabalhei com ele durante duas semanas. Novela é feita em blocos de seis capítulos, e o Silvio fez um resumo de história para um bloco, que eu peguei para escrever. Ao mesmo tempo, ele escrevia o bloco seguinte. Conseguimos fazer 12 capítulos, e botamos a novela em dia.”

Após a participação do amigo, Sílvio contou com a colaboração de Alcides Nogueira, até o final. Na guerra pela audiência, foi constatado que o horário das 20h não se adequava tão bem a comédia e o autor converteu a história em um grande drama, com toques de suspense, recheado de referências cinematográficas.

Para reforçar a direção da novela, entraram Mário Márcio Bandarra e Fábio Sabag.  Em depoimento ao “Memória Globo”, Sabag declarou: “- Eu entrei em uma época de crise na novela, quando o “Pantanal” começou a querer aparecer. O Daniel Filho me chamou primeiro, porque queria que eu modificasse algumas coisas da novela. Ele disse assim: ‘A Regina Duarte tem que aparecer nos finais dos blocos, início de blocos. Temos que mexer nisso. Algumas coisas são muito arrastadas, são lentas.’ Então, eu pegava o capitulo, lia, pegava o capítulo montado e, na minha sala, eu ia marcando, cronometrando, tirando. Às vezes, eu tirava até oito minutos de coisas, de pausa, mudava as posições das cenas da Regina. Ela sempre fechava bloco, abria o bloco. Isso criou um problema sério com o Silvio de Abreu, porque ele me telefonava irritado. Claro, como autor, ele tem o seu direito. Eu dizia: ‘Fala com o Daniel, porque eu estou atendendo a uma recomendação dele.’ É muito simples pegar um trabalho feito e dizer onde está um pouquinho demais, onde deve mudar, porque você está vendo. Você não dirigiu, você está assistindo. E criticar é muito mais fácil.”


 Chamada do quarto capítulo da novela, anunciando a exibição meia hora mais tarde

Causou burburinho também a cena em que Cláudia Raia, fora de forma, aparece nua, segurando um peixe. A imprensa acusou a Globo de tentar pegar carona na onda de nudismo que alavancava a audiência de "Pantanal". A atriz foi vítima de bullying por parte dos jornalistas, que debocharam por considerá-la gorda para a cena.

“Rainha da Sucata” exibiu ainda o que foi considerado o primeiro suicídio explícito da TV brasileira. O tema, considerado tabu, até então era habitualmente tratado de forma velada no horário nobre da TV. Várias vezes sugerido, mas até então nunca retratado abertamente pelas câmeras. Após discutir e arrancar os brincos de sua rival Maria do Carmo, Laurinha Figueiroa se joga do prédio e sela com a morte sua derrocada amorosa e financeira. “Coisas de Laurinha”. Antológico.

Aracy Balabanian marcou época com sua inesquecível dona Armênia, que para provar sua autoridade como proprietária do terreno onde está a “Sucata”, promove sua implosão. E todo o Brasil riu com seu hilariante bordão "quero ver a prédio na chon".

Estreia às 0h15m, com reprise ao meio-dia.
Direção de Jorge Fernando, Jodele Larcher, Fábio Sabag e Mário Márcio Bandarra

6 comentários:

  1. Ótimo texto, muito bem embasado com ótima pesquisa e que revela com detalhes a sinopse da famosíssima Rainha da Sucata sem entregar ''spoilers'' aos que a verão pela primeira vez no Canal Viva.

    Tenha vagas, mas ótimas lembranças da reprise de 1994 no Vale a Pena Ver de Novo.

    Team #RainhaDaSucata a postos no twitter!

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  2. Excelente texto. Ansioso pela novela, que certamente será um grande sucesso nessa reprise.

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  3. Julio Cesar, querido, não sabia que compartilhávamos domesmo gosto por essa novela tão espetacurlar e espetaculosa. Na minha oipinião, foi a melhor novela do Sílvio de Abreu. Vamos continuar trocando ideias sobre as novelas do Viva, você é um dos melhores comentaristas e foramdores de opinião dos telemaníacos constanters na net.

    Beijo grande.

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  4. Adorei seu texto Julinho! Parabéns!

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  5. Julinho imprimindo as suas impressões! Impossível não ler!

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