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sábado, 30 de março de 2013

A Excelência em José do Egito

                                                                                                                           Por Autran Amorim


A Rede Record é um emissora que tenta, investe, ''dá a cara a bater'', e não é que isso vem dando resultado?! Abro parêntese para as obras bíblicas da emissora que vêm sendo um produto muito bem acabado e de altíssima qualidade. Das três minisséries que já foram ao ar destaco Rei Davi e A História de Ester, ambas de Vivian de Oliveira. Minisséries que não deixaram a desejar e tiveram atuações impecáveis. O grande erro para mim foi a patética Sansão e Dalila. Mas como toda emissora tem seus altos e baixos, o clímax de qualidade da Record aconteceu com José do Egito uma das minisséries mais bem trabalhadas dos últimos tempos. Começo destacando a abertura que é lindíssima e totalmente harmônica com a história que é contada. A produção só precisa melhorar mais uma vez na ordem da aparição dos nomes.



Alexandre Avancini, diretor da trama, mostra que quem é dos seus não degenera (Alexandre é filho do saudoso Walter Avancini) e tem caprichado ao máximo na direção da trama. A forma como os personagens se mostram e agem é totalmente minimalista e discreta , condizente com a época. Ponto para a direção no acerto desse detalhe! A fotografia é uma das mais lindas já produzidas pela emissora, a câmera cinematográfica só corroborou para contar a história do escravo que se torna governador. Temos a impressão de que estamos assistindo a um seriado americano. Os takes feitos no deserto do Atacama só reforçam a verossimilhança, coisa que nos últimos tempos tem faltado na TV. Outros fatores que muito contribuem são o cenário perfeitamente construído, remontando à época do Egito Antigo e Israel, e os figurinos que são muito bem cuidados.

Vivian de Oliveira, autora da maioria das tramas bíblicas, foi esboçando um aperfeiçoamento na construção do seu texto a cada obra que fazia. Apesar de ser um trabalho hercúleo escrever numa época em que não se viveu, o autor tem que ter ainda mais cuidado com o que escreve. Há um pouco de receio com tramas que se passam em épocas outras, porque falam de amor de modo contemporâneo e sabemos que nessas sociedades o amor era sublimado à pura subserviência e obediência ao pai e ao casamento. Porém, Vivian já sabe como trabalhar nessas épocas. Mas sugiro que apare um pouco o didatismo aqui ou ali, obviamente que nada tão preocupante, vide que passe despercebido aos telespectadores menos atentos a esses detalhes.


Li vários sites falando mal do elenco da minissérie, pura falta de hábito de não assistir outra emissora. Pode não ser um elenco estelar, porém também não faz feio. Com toda certeza os maiores destaques, por enquanto, são Celso Frateschi (Jacó) evidenciando a rigidez e o afeto que exigem o seu personagem, e Denise Del Vecchio (Lia), que tem chamado pra si todos os holofotes. Sua Lia é rancorosa, preterida, mas totalmente subserviente, e a atriz tem um gama de facetas que só trazem verdade ao personagem. Sobre o protagonista na primeira fase, Rick Tavares (José) não tenho as melhores impressões. Rick arrasou em Vidas em Jogo, porém ainda não encontrou o tom do jovem sonhador, tem alternado cenas boas e ruins. Tem deixado o personagem com um ar demasiado pueril e um pouco tonto, por mais ingênuo que seja. Mas Ângelo Paes Leme vem aí na segunda fase para resolver a situação, assim espero. No lado egípcio, alguns destaques também: o talento de Bianca Rinaldi (Tany) e a forma ardilosa e levemente afeminada com que Eduardo Lago tem conduzido o Pentepheres.


Outro ponto louvável é como essa obra se encaminha. Mesmo se tratando de uma história bíblica, ao público é mostrada uma trama com todos os bons ingredientes da teledramaturgia convencional. O propósito da minissérie não é catequizar, evangelizar pessoas, mas  apresentar uma bela história, e tem conseguido. Acompanhemos!!!


sexta-feira, 29 de março de 2013

Os 30 anos de Malu Mader

Malu Mader há pelo menos três décadas dando o ar da graça na telinha. Convidei o amigo Renato Coelho para evidenciar aqui a sua [a nossa] paixão pela atriz. Desde já o agradeço pela sua participação especial no blog. Confira!  


Dona de sobrancelhas hipnotizantes, 46 anos, 13 novelas, 3 minisséries, 3 peças de teatro, seriados, filmes de Sérgio Rezende, do imortal Nelson Pereira dos Santos entre outros e diretora de um curta e de um documentário sobre um projeto de música clássica voltado para jovens carentes no Rio de Janeiro. Sim, estamos falando de Malu Mader, a mulher do músico e escritor Tony Bellotto há 23 anos, a mãe do João (17 anos – entrando na faculdade neste ano) e do Antonio (15 anos) e a atriz que fez o Brasil se apaixonar há 30 anos, quando atuou em “Eu Prometo”, último folhetim escrito por Janete Clair, a maga da teledramaturgia brasileira.


Conheci a Malu em “Ti-ti-ti” em 1985, mas a personagem, mesmo dona de si, não me conquistou pra valer, porém em 1988, há exatamente 25 anos, quando o primeiro capítulo de “Fera Radical” foi ao ar  o meu coração amoleceu e não teve jeito, cá estou, mais um fã maderiano escrevendo sobre a sua trajetória na TV, no teatro e no cinema.


Fera Radical”, a meu ver, é o melhor folhetim da nossa teledramaturgia e coincidentemente o primeiro papel de protagonista em novelas de Malu Mader. A atriz, em uma de suas entrevistas, confessa que entrou no elenco meio “sem querer”, mas depois tudo foi perfeito e até hoje o público lembra com muito carinho desse trabalho.


Pontos fortes para o casal José Mayer e Malu Mader ( que outro par romântico poderia ser?, até hoje não me vem à mente nenhum nome), para a atuação e beleza da mocinha e para a abertura que já nos colocava no clima: trama inigualável mesclando o rural e o urbano e moderno, pois Cláudia (Malu) se locomovia em cima de uma moto e trabalhava como analista de sistemas numa fazenda em pleno 1988!


Malu comemora os seus 30 anos de carreira agora em 2013 voltando à telinha em “Sangue Bom”, novela de Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari. Parece que agora Malu atuará de verdade, fará uma garçonete popular (personagem bem diferente dos demais) e até será cantora. Digo isso comparando com o remake “Ti-ti-ti”, pois ali, infelizmente, a atriz parecia mais uma figurante do que qualquer outra coisa. Apesar de o folhetim ter sido um grande sucesso (Maria Adelaide Amaral nunca brinca em serviço) as cenas de Malu eram bem escassas e sempre deixavam o seu público desapontado. Hoje, 3 anos depois, tudo leva a crer que o cenário será outro! (vale lembrar que Felipe Camargo – de “Anos Dourados” -  volta a ser seu par romântico)  Estou na torcida!

 

A parceria Malu Mader e Gilberto Braga foi muito feliz para ambos e para nós, telespectadores sempre afoitos por histórias boas na telinha. O “namoro” entre eles  começou com “Corpo a Corpo” em 1984 no horário nobre culminando no “casamento” na grande e antológica minissérie “Anos Dourados” em 1986. Malu, até hoje, diz que esta minissérie foi o melhor trabalho da sua vida, pois tudo, completamente tudo era perfeito. 


Depois dos anos dourados, Malu conhece a rejeição do público com a personagem Márcia, de “O Dono do Mundo” em 1991. A professora trai o marido na lua de mel com o vilão Antonio Fagundes e a aceitação fica difícil de acontecer levando a audiência a um patamar desconfortável. Com o tempo o grande gênio Gilberto Braga consegue reverter a situação, mas a imagem da estrela sai arranhada.


No ano seguinte, Malu é presenteada com Maria Lúcia, a mocinha egocêntrica da minissérie “Anos Rebeldes”, a meu ver, a melhor do gênero!


Por incrível que pareça, Malu volta a trabalhar com Gilberto em uma outra minissérie – “Labirinto” (aqui o ano é 1998) e contracena pela primeira vez com Fábio Assunção vivendo uma prostituta.


Depois de anos sem atuar em novelas, Malu volta em “Força de um desejo”, em 1999 na pele da cortesã Ester Delamare e tendo novamente Fábio Assunção como par romântico, ator no auge da beleza na época.


Em 2003, Gilberto Braga, para comemorar os 20 anos de carreira da atriz, escreve “Celebridade”, folhetim de muito sucesso na época e até o momento o último trabalho da parceria Mader & Braga.


Malu atuou em 3 novelas do grande Cassiano Gabus Mendes, não nos esquecendo do remake de Maria Adelaide Amaral. O primeiro encontro foi em “Ti-ti-ti” em 1985, na trama engraçada dos dois costureiros e com ar paulistano. Ali, Malu e Cássio Gabus Mendes se apaixonam pela primeira vez na telinha tendo repeteco em “Anos Rebeldes” 1992 (Gilberto Braga) e no último folhetim de Cassiano, a fraca “O Mapa da Mina”, de 1993. Amanhã, o primeiro capítulo de “Mapa” fará 20 anos que foi ao ar e, infelizmente, o autor vem a falecer em agosto de 1993 com a novela ainda no ar.
Nessa época, Malu tinha passado por uma cirurgia delicada para remoção de um tumor benigno perto do fígado meses antes, e como atuava sem parar, quis se afastar dos folhetins longos voltando apenas em 99 com “Força de um Desejo”.
Vale ressaltar que a atriz sempre se coloca como uma grande admiradora dos trabalhos de Cassiano Gabus Mendes na história da teledramaturgia.


É impossível escrever sobre Malu Mader sem citar o seriado “A Justiceira”, que foi ao ar em 1997 nos meses de abril a julho. O seriado foi uma grande sacada do diretor Daniel Filho e pensado para a atriz. Malu e Daniel trabalharam juntos no seriado “A vida como ela é”, baseado em Nelson Rodrigues, no ano anterior e a Diana, de “A Justiceira” seria uma continuidade da parceria, de um projeto meio que cinematográfico para a TV na época. Porém, no último dia de 96 Malu se descobre grávida pela segunda vez e encurta a série, que foi pensada para o ano todo e como o grande produto dramatúrgico da emissora para 97. Daniel Filho recebe a notícia por telefone e, numa das entrevistas, Malu diz que viveu momentos de mal-estar com um dos diretores do núcleo. Para terminar o capítulo da Diana, “A Justiceira”, apesar da experimentação dos diretores e da gravidez de Malu Mader, a meu ver foi um grande marco da TV, pois tudo era muito moderno para os nossos padrões.


No teatro, duas peças são inesquecíveis: “Dores de Amores”, de 1989 com texto de Léo Lama e com direção de Roberto Lage no Teatro Bibi Ferreira em São Paulo (a peça teve tanto sucesso que Malu e Taumaturgo Ferreira protagonizaram em seguida a novela “Top Model”, de Walther Negrão e Antônio Calmon, outro grande sucesso da atriz) e “Vestido de Noiva”, de 1993, de Luiz Artur Nunes baseada em Nelson Rodrigues – um dos autores mais admirados por Malu Mader.


No cinema não podemos deixar de lembrar os filmes: “Feliz Ano Velho” (1987), de Roberto Gervitz e baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva; “Mauá – O Imperador e o Rei” (1999), de Sérgio Rezende (gosto muito desse diretor); “Bellini e a Esfinge” (2001), de Roberto Santucci Filho e baseado no livro do marido Tony Bellotto; “Brasília 18%” (2005), do imortal Nelson Pereira dos Santos – aqui vale lembrar que a atriz começa a gravar logo depois da cirurgia no cérebro e para terminar com chave de ouro o documentário dirigido pela atriz com Mini Kerti: “Contratempo” (2008). E, claro, lá estava eu no Cine Bombril (hoje Cine Livraria Cultura) para assistir ao doc.  "Contratempo” não é perfeito e nem poderia por ser a estréia da atriz na direção, mas é um projeto delicado e humano. Vale a pena alugar e assistir!

Enfim, acho que deixei um pouco aqui a minha admiração pela Malu! O texto poderia ser mais longo, faltou aqui um olhar sobre a Glórinha da Abolição de “O Outro” (1987), novela de Aguinaldo Silva; mais detalhes sobre o seriado “A vida como ela é” (1996) – o meu episódio preferido é “A Esbofeteada”; detalhes sobre “Eterna Magia” (2007), novela de Elizabeth Jhin, sobre a vilã que não foi; impressões sobre o Curta “Essa História Dava um Filme” (2008), produzido para o canal Multishow; mas achei melhor escrever mais sobre a Malu futuramente e aí então passar os olhos pelos trabalhos que não foram comentados neste momento; ou seja, deixar aqui o gosto de quero mais... será que eu consigo essa façanha? Apenas o seriado “A vida como ela é” já seria material para textos e textos.


Caros leitores, desejo do fundo do meu coração que vocês tenham gostado dessa minha pequena homenagem à grande atriz e diretora Malu Mader!

Que venham mais 30 anos!!!


Renato Coelho cursou Letras na PUC-SP e trabalha com Literatura infanto-juvenil desde 2006.

terça-feira, 26 de março de 2013

O país estacionado às margens da Avenida Brasil





 E. Felipe

O Brasil é, por excelência, o país da telenovelas: durante meses um folhetim repercute e vira o assunto do dia, até que o próximo estreie e reinicie o ciclo. Há, porém, novelas que ultrapassam a condição de entretenimento descartável e se transformam em fenômeno paradigmático: Irmãos Coragem, Selva de Pedra, Dancin' Days, Roque Santeiro, Vale Tudo e A Próxima Vítima são alguns exemplos clássicos. A recente e aclamada Avenida Brasil, grandioso sucesso de João Emanuel Carneiro, apresenta potenciais requisitos para que, futuramente, integre esse seleto time.

Após relevantes sucessos no horário das 7 (Da Cor do Pecado e Cobras e Lagartos), em 2008 fez sucesso no horário nobre com a sombria e psicológica A Favorita. E há exatamente um ano, com sua segunda incursão na faixa, João Emanuel Carneiro novamente subverteu o gênero ao unir elementos de telenovela, seriado e cinema em um contexto socioeconômico representativo do Brasil atual.


Avenida Brasil apresentou como trama central o clássico tema da vingança: a implacável Nina (Débora Falabella) retorna para fazer justiça, vingando-se da inescrupulosa Carminha (Adriana Esteves) que, além de provocar a ruína do seu pai, a abandonou num lixão quando criança. Com um texto repleto de reviravoltas e ganchos de tirar o fôlego, João Emanuel Carneiro injetou sangue novo a um tema já exaustivamente narrado. Todos os capítulos apresentavam um conflito-chave que logo se solucionava e encadeava outro, num ritmo ágil típico das séries de TV, aguçando diariamente a curiosidade do telespectador.

A criativa direção - sob comando de Ricardo Waddington, Amora Mautner e José Luiz Villamarin - foi atração à parte em Avenida Brasil, ao lhe conferir uma convidativa estética cinematográfica. Se, nos anos 90, Luiz Fernando Carvalho já manipulava linguagem de cinema em Renascer, em Avenida Brasil esta tendência se consolidou: da fotografia à edição, passando por acurados controles de foco, de profundidade de campo e adequadas trilhas incidentais. Incríveis sequências, como Carminha enterrando Nina viva ao descobrir sua verdadeira identidade (em alusão ao filme Kill Bill) e a violenta morte de Max (Marcello Novaes), digna de filme de terror, já ficaram gravadas na memória coletiva.



Outro diferencial foi a inserção da trama no atual contexto de ascensão da nova classe média. O fictício Divino, bairro do subúrbio carioca, foi o palco dos grandes acontecimentos de Avenida Brasil, enquanto à nobre zona sul atribuiu-se a função de núcleo periférico. Sem falar no importante núcleo do lixão, onde residiam os segredos-chave da trama. O discurso acerca da mobilidade social foi bem roteirizado, indo da crítica irônica de costumes à retratação realista deste fenômeno. De um lado, o preconceito da decadente elite, destilado nas pérolas da dondoca Verônica (Débora Bloch) - "A classe C ascendeu à minha cobertura", "Essa gente que mistura caviar com ovo". De outro, o orgulho das origens humildes estampado nos discursos dos personagens do Divino - basta lembrar do desdém de Carminha pelos pratos sofisticados de Nina.

A quebra de paradigmas do perfil de mocinha e de vilã foi outro acerto: não houve maniqueísmo, mas personagens humanizadas. O ódio, a dissimulação e o receio mútuo entre as arqui-inimigas Nina e Carminha renderam momentos tensos e impactantes. Débora Falabella interpretou com garra a obsessiva e sombria Nina, mocinha com ares de vilã capaz de enganar, manipular, torturar e até de abrir mão do seu amor de infância em prol de vingança. Adriana Esteves, com uma interpretação riquíssima, eternizou Carminha no imaginário popular, com carisma, maldade e tragédia. Mais que uma vilã, Carminha foi uma complexa personagem, dotada dos mais variados sentimentos: ódio, crueldade, interesse, dissimulação e arrogância, mas também de um genuíno amor, que sentia pelo filho Jorginho (Cauã Reymond). 



Apesar do abusiva vigilância por parte do politicamente correto, Avenida Brasil conseguiu alfinetar certas convenções sociais e exibir polêmicos maneirismos. Novos modelos de família e relacionamentos foram exibidos: Cadinho (Alexandre Borges) e suas três mulheres; o maduro casal Leleco (Marcos Caruso) e Muricy (Eliane Giardini), que se separam para viver com parceiros bem mais jovens - Tessália (Débora Nascimento) e Adauto (Juliano Cazarré), respectivamente; e a periguete Suellen (Ísis Valverde), sexualmente livre, que se casa com dois homens.

Avenida Brasil significou, ainda, o amadurecimento da dramaturgia de João Emanuel Carneiro. Se em A Favorita a ação cingiu-se ao embate entre as protagonistas Flora e Donatela (ignorando quase que por completo os núcleo secundários), em Avenida Brasil se visualizou um conjunto mais harmônico e uma melhor interação entre a trama central e as histórias paralelas. Todos tiveram seu momento de destaque, experientes (Marcello Novaes, José de Abreu e Vera Holtz) e novatos (Mel Maia, a intérprete de Nina na primeira fase; e Cacau Protásio, intérprete de Zezé, a empregada e fiel escudeira de Carminha).




Ainda que marcada pelo sucesso, gritantes furos no roteiro e situações inverossímeis não passaram despercebidos aos olhos do público. O núcleo de Cadinho, por vezes, mais irritou do que divertiu. O fato de Nina não ter salvado em meio digital fotos comprometedoras de Carminha virou motivo de piada e descrédito nas redes sociais. Ademais, a hesitação da vingadora em entregar tais fotos a Tufão para desmascarar a rival soou incoerente e forçado. Se o plano dela de retaliação foi mais forte que o amor por Jorginho, pela lógica, não poderia ser minimizado pelo carinho que sentia por Tufão. 




Mesmo assim, o conjunto de Avenida Brasil se apresentou robusto e atraente, fisgando um público que seguiu fiel até os últimos quilômetros de sua trajetória. Causou frisson e seu derradeiro capítulo parou o País como há muito tempo não se via. Além das rodas de conversa, Avenida Brasil foi uma febre nas redes sociais, a ponto de ganhar vida própria no ciberespaço: diariamente entrava nos trending topics do twitter (com contagem dos capítulos, do #OiOiOi100 ao #OiOiOi179), avatares imitavam o efeito de final de capítulo ("congelar no cinza") e os mais criativos memes proliferavam na rede. Frases de efeito como "Me serve vadia!" e "É tudo culpa da Rita!" caíram na boca do povo. A audiência chegou a preocupar o sistema elétrico nacional (que teve de ser reforçado para evitar queda de luz, em razão do enorme número de aparelhos ligados) e a repercussão da novela chegou a adiar compromissos políticos de grandes autoridades (como a presidente Dilma Rousseff) . Avenida Brasil também cruzou fronteiras: a comoção em torno dos capítulos finais virou notícia internacional (Forbes e BBC) e a novela se tornou a obra mais vendida para o exterior.


Avenida Brasil, clássico em potencial, gerou uma verdadeira catarse coletiva digna das grandes novelas do passado. Um feito louvável numa época em que a audiência da TV aberta encontra-se pulverizada e outras formas de entretenimento estão mais acessíveis: é a prova do poder das novelas enquanto aspecto cultural do povo brasileiro. Entre erros imperdoáveis e grandes acertos, furos de amador e catarses de gênio, Avenida Brasil é um grande exemplo da magia e do fascínio que a telenovela ainda é capaz de exercer sobre a coletividade. 

domingo, 24 de março de 2013

Salve Jorge, ame ou odeie!

Por André Cavalini

A novela Salve Jorge, desde a sua estréia chamou mais a atenção pelas polêmicas do que pela própria história.

Já na escolha da protagonista, a autora Glória Perez teve que enfrentar a ira daqueles que torceram o nariz ao ver o nome de Nanda Costa ser o escolhido. Quanto a isso, os que julgaram tiveram que morder a língua, pois a menina está dando conta do recado, marcando a personagem com uma interpretação muito bem feita na minha opinião. Morena pode não ser a personagem mais legal dos últimos tempos, mas a atriz deu a ela o precisava. É uma típica garota do morro, com caras e bocas que passam essa realidade e nos convence, principalmente quando o sangue sobe a seus olhos.

Depois vieram os milhares de personagens que tentavam ganhar o público, ao mesmo tempo que nos confundiam. Era tanta gente que demorei mais de quinze dias pra guardar o nome de cada um e saber a que núcleo pertenciam. Um desperdício de talentos.

Sobre o casal de protagonistas, não senti química, não vi beleza e mudo o canal em todas as cenas que aparece o capitão Téo, de tão chato que Rodrigo Lombardi está no papel. Tão chato, mas tão chato, que nem mesmo pegando todas as gostosas da história, me faz ficar seu fã.


Vieram também as criticas à vilã de Cláudia Raia, que segundo alguns, não tinha brilho de vilã e por isso foi ofuscada por Wanda [Totia Meireles]. Essa sim, despertando no público aquela vontade de encontrá-la na esquina para dar uma boa sova. Eu, particularmente acho que Cláudia está bem no papel. Desde o principio ela disse que sua Livia seria uma vilã “bege”, e é isso que vemos. As criticas, acredito, são porque estávamos acostumados com a deliciosa interpretação de Adriana Esteves e sua marcante Carminha. Tínhamos esperança de que Livia herdasse alguma coisa da megera do Divino. Mas devemos relevar, afinal, Carminha gostava era de encher a cabeça do marido de chifre, e não a Turquia de traficadas.


Com o tempo, fomos aprendendo a engolir a novela. Saboreando belas imagens da Turquia e nos surpreendendo com presentes como a extensão da personagem de Carolina Dickman, que era pra sair logo e ficou bastante tempo na história, especulando-se que tomaria o lugar de Morena. Ponto para Carolina que mostrou a grande atriz que é. 

Outro presente é a delegada  Helô, de Giovana Antonele, que pra mim, roubou a atenção pra ela e hoje é a personagem principal, segurando a trama e despertando em nós aquela vontade de ligar a TV no horário nobre. Destacaria também Dira Paes e sua Lucimar, que já vinha me agradando, mas que me ganhou na cena em que descobre a morte da filha, uma das mais bem feitas até agora.

Também devemos agradecer a autora por nos trazer a realidade o tema do tráfico humano.
No entanto, o que me chama a atenção em toda a construção de Salve Jorge são as constantes falhas da produção de continuidade e no roteiro.
Quem nunca percebeu a mudança dos cabelos de Morena, que ao correr pela Capadócia estavam encaracolados, e na cena seguinte escovados. Em uma das cenas deixaram o furo da mesma personagem , já grávida, correr pelos campos turcos sem barriga.
Ontem o mesmo erro aconteceu, mas com a personagem Irina. Ela aparece com os cabelos ondulados  na cena em que Russo dá uns bons tapas na cara de Rosângela e logo em seguida, quando vai trancar a traficada no quarto, os cabelos estão lisos e escorridos.

Pode parecer implicância, mas não é. Estamos falando do padrão globo de qualidade, e erros infantis como esses, derrubam esse padrão, nos fazendo acreditar que a emissora platinada já não é mais a mesma.

Assim como parece que Glória Perez, única autora do Brasil a ter um prêmio Emmy por uma telenovela, também não é mais a mesma. Vira e mexe, vemos furos na história que nos levam a pensar que Glória está se perdendo, sem contar a barriga* que temos que aguentar para ver simples coisas acontecerem. Vale ressaltar aqui o fato de Barros se “esquecer” que conhecia Wanda. Quando percebe furos grandes, a autora tenta consertar mais adiante. A ideia é válida, mas a essa altura, as críticas mais uma vez ofuscaram o brilho da história. Sem falar em cenas desnecessárias que nada acrescentam à trama, como por exemplo a fuga de Morena do restaurante para ter a filha sozinha nas cavernas. Pra que? Pra nos perguntarmos quem cortou o cordão umbilical do bebê? Ou até mesmo a ingenuidade dos advogados Stenio e Aroldo que contam detalhes de casos confidenciais para suas clientes. Ou então Livia matar Raquel em um elevador sendo que hoje em dia não se acha mais um elevador sem câmera filmadora... Esse ultimo caso, me lembra Nina não se recordar, em pleno séc XXI de um pen-drive para guardar suas fotos... Avenida Brasil também teve as suas falhas! 


Entendo que a maioria do público de uma novela não se liga em detalhes como estes. Quer mais é ver uma boa história e pronto. Mas uma novela também é assistida por aqueles que a observam com olhares mais técnicos, e é justamente para este público, que a obra precisa ser perfeita, e apresentar o mínimo possível de falhas.
Entendo que o desgaste acontece na dura jornada de vida de uma trama das 20h. E por isso os erros são perdoados. Mas é preciso ter cuidado, porque quando os erros começam a ser mais comentados do que a própria história, é possível que a novela seja lembrada mais com gargalhadas que com admiração.
E é por tudo isso, e muito mais, que não sei ao certo se amo ou odeio a novela.

*chamamos de barriga o fato de uma história enrolar em determinado momento, onde as coisas acontecem, acontecem e continua tudo na mesma.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Lado a Lado - Os negros nas telenovelas.


Por Guilherme Fernandes

A emancipação feminina e o divórcio em “Escalada” (TV Globo, 1975, de Lauro César Muniz); a naturalização da homossexualidade em “Brilhante” (TV Globo, 1981, de Gilberto Braga); o modismo de “Dancin’Days” (TV Globo, 1978, de Gilberto Braga). Esses exemplos mostram a radicalização de propostas iniciadas com alguns folhetins. Pensando nessa radicalização, gostaria de indicar “Lado a Lado” (TV Globo, 2012, de João Ximenes Braga e Cláudia Lage) como um marco televisivo na discussão da cultura negra e da abolição da escravatura – embora a novela inicie já nos tempos da República, em 1903, para ser mais exato.

Os livros “Helena” (1876) de Machado e Assis e “Senhora” (1875) de José de Alencar ganharam diversas versões para a televisão, inclusive no seu período não-diário. Os romances tinham como tempo e espaço o Rio de Janeiro de 1860-1970, na obra de José de Alencar, que chega a citar a Guerra do Paraguai (1864-1870), e 1859, no caso de Machado de Assis. As obras, e suas adaptações, não têm a discussão da Abolição como foco. Ainda assim, trazem personagens negros interpretando mucamas, guarda-costas ou figurantes – para compor o cenário do século XIX.

“A Moreninha”, de Joaquim Manuel de Macedo, publicado em 1844, também (e obviamente) não retratou (os problemas da) a escravidão. Contudo, em sua segunda adaptação pela TV Globo, em 1975 (a primeira foi em 1965, adaptada e dirigida por Otávio Graça Mello), Marcos Rey insere elementos da crônica “Memórias da Rua do Ouvidor” (de 1878, também de Macedo) para retratar a luta abolicionista. Rey transfere o romance para os anos de 1866 a 1868 e também aborda a Guerra do Paraguai. O escravo Simão (Haroldo de Oliveira), apaixonado por Duda (Léa Garcia), não via com naturalidade o regime escravista e sempre fugia do capitão-do-mato João Bala (Jaime Barcelos). O mocinho da trama, Augusto (Mário Cardoso), foi transformado em um dos heróis da abolição, da mesma forma que Leonardo (Eduardo Tornaghi), que liderou uma campanha para a libertação dos negros e acabou sendo morto por João Bala. Estranhamente (?), Carolina, a moreninha, foi vivida por duas atrizes que nada têm de morena – Marília Pera em 1965 e Nívea Maria em 1975. Essa foi a primeira representação do movimento abolicionista, narrado como uma luta de brancos progressistas e de estudantes. No último capítulo foi mostrada a luta de estudantes a favor da Lei do Ventre Livre, a alforria de Simão e Tobias (Sidney Marques, jovem alfabetizado que de posse da carta vê a possibilidade de ser ator do teatro Alcazar). Duda e Simão se casam, têm um filho de nome Palmares, que, mesmo sem a aprovação da Lei do Ventre Livre, ganha a carta de alforria. O fim romântico de “A moreninha” mostra a “bondade” branca e a “conformação” negra. Estes, gratos pela liberdade!


O romance “A Escrava Isaura”, do autor abolicionista Bernardo Guimarães foi publicado em 1875, treze anos antes da Lei Áurea. Isaura é mestiça, filha da escrava Juliana com o português Miguel. Em sua versão televisiva, novamente, a atriz escalada, Lucélia Santos, não é morena, como na obra literária. Gilberto Braga, ao escrever a novela para a Rede Globo em 1976, é fiel ao livro nesse sentido. Os personagens negros na obra ou eram protetores de Isaura, como Januária (Zeni Pereira) uma espécie de mammie dos filmes norte-americanos, ou antagonistas (vilãs) Rosa (Léa Garcia), uma escrava invejosa dos privilégios de Isaura.

O pesquisador Joel Zito Araújo observou que os negros da trama não tinham orgulho de sua raça e mostravam-se inferiores aos seus senhores. Uma possível exceção era a vilã Rosa, que tinha consciência de sua condição escrava e por isso fazia de tudo para fugir do tronco, ou seja, dormia com todos os homens (do sinhozinho ao capataz) e infernizava a vida de Isaura. Chega um dia em que Álvaro, na condição de senhor, resolve libertar todos os escravos e propõe que eles continuem em sua fazenda, com remuneração e direito a um pedaço de terra.


A trama praticamente não refletiu os costumes negros. Januária era a única que praticava religião de matriz africana. Também não se discutiu a resistência à escravidão e a abolição foi narrada, mais uma vez, como uma luta dos brancos “bondosos”. O último capítulo mostrou a gratidão dos negros ao senhor Álvaro; na última cena, um beijo de Isaura e Álvaro, com os negros dançando ao redor. Destaque para a abertura da trama, com quadros do pintor francês Jean-Baptiste Debret e, especialmente, a música “Retirantes” de Jorge Amado e Dorival Caymmi, que representa os lamentos dos escravos.

A próxima telenovela a abordar a escravidão foi “Sinhazinha Flô” de Lafayette Galvão. Essa trama celebrou o centenário de morte de José de Alencar e se baseou em três obras dele: “A Viuvinha”, “Til” e “O Sertanejo”. Dirigida por Herval Rossano, a trama foi ambientada em 1880, época de grande efervescência política no Império Brasileiro. A abolição foi o fio condutor de toda a trama. A partir daí, as tramas abolicionistas passaram a demonstrar um papel mais ativo no negro na luta por sua liberdade. A novela também retratou a luta pela emancipação feminina. Juca (José Maria Monteiro) foi o personagem que mais lutou pelo fim da escravidão, inclusive foi enviado pelo próprio André Rebouças (personagem da História do Brasil, um engenheiro que funda no Rio de Janeiro uma associação pró-abolição, com Joaquim Nabuco e outros abolicionistas. A mãe de Rebouças era uma escrava alforriada). Já Flor, a sinhazinha Flô (Bete Mendes) era uma mulher a frente do seu tempo. Como boa parte das tramas das 18h, havia um triângulo amoroso que foi se desenvolvendo ao longo da narrativa, formado por Flor, Arnaldo (Eduardo Tornaghi) e Jorge (Márcio de Lucca), todos vividos por atores brancos. Novamente o estereótipo do branco como responsável pela libertação dos negros do cativeiro e da sua condição de pária, como atesta Joel Zito Araújo.

Outra importante ruptura na representação do escravo negro foi “Sinhá Moça” de Benedito Ruy Barbosa, exibida em 1986, dez anos após o sucesso de “Escrava Isaura” e novamente com Lucélia Santos e Rubens de Falco. “Sinhá Moça”, baseado no romance homônimo de Maria Dezonne Pacheco Fernandes, é ambientada no interior paulista em 1886, dois anos antes do fim da escravidão.

Sinhá Moça (Lucélia Santos) é filha de Ferreira, o barão de Araruna (Rubens de Falco). Apaixona-se por Rodolfo (Marcos Paulo), um republicano que sem que ninguém saiba atua como o “Irmão do Quilombo”, libertando escravos do engenho. Sinhá Moça, a frente do seu tempo, também luta pelo fim da escravidão, a contragosto de seu pai. Embora o cenário principal seja composto por brancos, alguns personagens negros adquiriram bastante destaque na trama. O ex-escravo Rafael (Raymundo de Souza), adota o nome de Dimas e retorna à cidade com o intuito de vingar-se do barão. Rafael, na verdade é filho do barão com a escrava Maria das Dores (Dhu Moraes), passou a infância ao lado de Sinhá Moça e depois foi vendido pelo pai.

A primeira cena da trama mostra a morte de Pai José (Milton Gonçalves) no tronco. Pai José era considerado rei em sua terra natal, quando foi trazido como escravo ao Brasil. Na trama, tinha dois filhos, Justino (Antonio Pepeu) e Fulgêncio (Gésio Amadeu); Maria das Dores era sua neta e Rafael seu bisneto. Pai José não pediu clemência, foi forte e apanhou até que o feitor Bruno (Walter Santos) não aguentou mais. No leito de morte, revela a Rafael que ele é irmão de Sinhá Moça. A partir daí, os escravos partem para vingar a morte de Pai José. O último capítulo foi no dia 13 de maio de 1888, quando a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea. De forma diferente às demais produções, não foi mostrado um conformismo (ou gratidão) dos escravos. O capítulo também mostrou a morte do barão que morre na senzala, em chamas. A destruição da senzala também representou a libertação dos escravos que haviam sido mortos ali, entre eles Pai José. Em seguida, uma fila de escravos libertos, liderados por Nhá Balbina (Ruth de Souza), aparece andando pela estrada, vagando por um destino. De outro lado, diversos imigrantes italianos chegam esperançosos à fazenda, sem saber o futuro que os espera.


Na Rede Globo, Benedito Ruy Barbosa escreveu duas telenovelas com a tônica nos imigrantes italianos, “Terra Nostra” (1999), retratando o período pós-escravidão e “Esperança” (2002) com o foco na década de 1930. Em 2006 a Rede Globo produziu um remake de “Sinhá-Moça”, adaptada pelas filhas de Benedito, Edmara e Edilene Barbosa. Milton Gonçalves viveu novamente o Pai José.

Para comemorar os 100 anos da Lei Áurea, a Rede Globo produziu a trama “Pacto de Sangue”, escrita por Regina Braga. O início é em 1870, na cidade fluminense de Campos dos Goytacazes, quando o jovem Antônio (Marcelo Serrado) morre ao ajudar um negro a escapar da fazendo de seu pai, o juiz Queiroz Antunes (Carlos Vereza). Antes de morrer, ele pede ao pai que crie o pequeno escravo Bento (Armando Paiva) como filho. A convivência foi responsável para a revisão de valores do conservador Antunes, que se envolve com a abolicionista Aimée (Carla Camurati). Joel Zito Araújo destaca a trama e diz que foi a que reuniu um maior elenco de atores negros. Havia um grupo de heroínas negras, reunidas no Quilombo Loana, chefiado pela babalorixá Mãe Quitina (Ruth de Souza). Também faziam parte do grupo a líder guerreira Baoni (Angela Corrêa) – verdadeira mãe de Bento – e outros dois líderes, que moravam na cidade, Damião (Haroldo de Oliveira) e Maria (Zezé Mota). O idioma ioruba foi utilizado pelos atores quando estavam no terreiro de Mãe Quitina – traço forte da cultura afro. Os personagens também mostravam orgulho de seu povo. Os romances principais, entretanto, eram protagonizados por brancos.

Apesar de outras tramas também retratarem esse período, uma nova ruptura só aconteceu com “Lado a Lado”, que não se passou no período abolicionista. Graças aos personagens Afonso (Milton Gonçalves) e Tia Jurema (Zezeh Barbosa) o período foi constantemente relembrado. Os personagens eram orgulhosos de sua raça e não demostravam nenhuma espécie de apego ou saudade de seus senhores. Todos os negros da trama, habitantes do Morro da Providência, sentiam orgulho de seu povo e faziam questão de referenciar sua cultura: artística, religiosa, desportista, gastronômica etc. Na contramão, a vilã Constância (Patrícia Pillar), a baronesa da Boa Vista, não estava contente com os tempos republicanos e sentia saudades da época em que era uma senhora de engenho.


A trama de João Ximenes Braga e Cláudia Lage mostrou diversos acontecimentos importantes da história brasileira, especialmente no período de 1903 a 1910. O casal protagonista, vivido por Zé Maria (Lázaro Ramos) e Isabel (Camila Pitanga) tinha suas idas e vindas, sempre com um pano de fundo histórico. Logo nos primeiros capítulos, o cortiço onde Zé Maria e Isabel moravam foi invadido por ordens do presidente Rodrigues Alves, processo conhecido como “Bota - Abaixo”. A demolição aconteceu exatamente no dia do casamento de Zé Maria e Isabel. Zé Maria, que era capoeirista, lutou e acabou preso. O ocorrido não permitiu que ele fosse ao próprio casamento.

Com o fim dos cortiços, os antigos moradores se viram obrigados a ocupar o Morro da Providência, que, na época, já tinha alguns moradores, que haviam participado da Guerra de Canudos. Esses moradores esperavam a casa própria, prometida pelo governo. Uma das vilãs da história, a invejosa Berenice (Sheron Menezzes) e seu namorado Caniço (Marcello Melo Jr.) também viviam no morro e foram os responsáveis pelo rompimento da ordem do casal Zé Maria e Isabel.

Zé Maria foi o verdadeiro herói em praticamente todos os episódios retratados pela trama. Assim foi com a Revolta da Vacina (1904) e Revolta da Chibata (1910). Isabel, por sua vez, foi uma das precursoras do samba. O samba que conhecemos hoje teve seu surgimento basicamente em 1916 com a gravação de “Pelo Telefone” de Donga. Isabel, segundo a jornalista e pesquisadora de samba, Maria Fernanda França, dançava uma mistura de Lundu, Maxixe e Batuque, danças africanas que em sua “brasilidade” deu origem ao nosso genuíno samba. Chico (César Mello), que havia lutado com Zé Maria na revolta da Chibata, viveu o famoso episódio em que um jogador negro do Fluminense foi pintado de branco (pó de arroz) para participar de uma partida de futebol. Os dois elementos cruciais da identidade brasileira, o samba e o futebol – estavam presentes na narrativa. Os cordões carnavalescos, que mais tarde deram início às escolas de samba, foram mostrados em duas oportunidades, tanto em 1903 como em 1911, sendo severamente reprimidos pela força policial.


Todos esses elementos identitários foram mostrados na abertura da telenovela, seguramente a melhor dos últimos anos. Ao som do samba enredo da Imperatriz Leopoldinense, campeã do carnaval de 1989, “Liberdade, Liberdade, abra as asas sobre nós”, à época comemorando o centenário da abolição, a abertura mesclava elementos da cultura negra e da vida na cidade. A expressão da arte e as vaidades. Ressaltando o batuque, o samba, a capoeira e o futebol como elementos brasileiros. A trilha sonora também foi primorosa, com destaque para a gravação original de Beth Carvalho do samba “O mundo é um moinho” de Cartola.

Enfim, os 154 capítulos desta trama nos reservaram grandes surpresas. Mas, o grande legado de Lado a Lado foi apresentar outra versão para a história do negro. Mostrar que não existiu nenhum conformismo em relação aos senhores de engenho e que a luta abolicionista não foi uma luta empenhada somente por brancos. “Lado a Lado” mostrou o orgulho pela raça e pelo passado. Importantes traços culturais como a música, a dança, a gastronomia, a capoeira e o candomblé foram tratados com respeito. Destaque para o fato de o tradicional romance novelesco ser protagonizado por um casal de negros, ruptura que nem “Pacto de Sangue” conseguiu mostrar. Para ser justo com a trama como um todo, também tenho que destacar o papel pró emancipação feminina. Laura (Majorie Estiano) lutou contra um casamento de fachada, lutou para trabalhar fora de casa, levantou a discussão sobre divórcio, enfim, eis um outro mérito da novela.

Embora a telenovela se passasse na década de 1910 percebemos ainda hoje o comportamento de muitas Constâncias. Ver um deputado recentemente afirmar que o lugar da mulher é no seio da família cuidando dos filhos e impossibilitadas de trabalharem fora é mostrar que ainda vamos brigar pelos mesmos assuntos que Laura, Isabel e Edgar fizeram nos primeiros anos da República. Lado a Lado deixou um gosto de quero mais. Que venham as próximas tramas de João Ximenes Braga e Cláudia Lage, juntos ou separados.

Aos que se interessam pela trajetória do negro na telenovela brasileira, é de fundamental importância a leitura de “A negação do Brasil” (Senac SP, 2000) de Joel Zito Araújo.

sábado, 16 de março de 2013

Papéis Trocados?!

Por Autran Amorim

                                                           
Claudia Raia é uma atriz versátil, talentosa, vide Tititi, A Favorita, O Beijo do Vampiro, Roque Santeiro, Belíssima. Porém errou a mão feio nessa vilã da trama das 9. Lívia Marini é engessada, tem frases curtas como se fosse sinal de discrição, não dá medo em ninguém. Só digo uma coisa, Claudia está linda, é inegável. Não é a primeira vez que ela não se dá bem com vilãs, vide as péssimas Ângela (Torre de Babel) e Ágatha (Sete Pecados). Como ela já mostrou seu lado para o drama, eu acharia melhor que ela fizesse o papel de Berna (Zezé Polessa). Não descreditando a ótima performance da Zezé, mas se sairia melhor. E Ana Beatriz Nogueira faria a perigosa Lívia Marini, ia contrastar ou até ofuscar a inspirada atuação de Totia Meirelles.

Ora, vejamos... Não é de hoje que Salve Jorge vem dando o que falar, seja para mal,  criticada às vezes,ou caindo na língua dos mais complacentes. A própria Glória declarou que a quantidade de núcleos e personagens foi um jeito de ver qual ia ‘’pegar’’ primeiro, causando descontentamento no elenco. Atores de alto cacife que mal aparecem na trama, como Rosi Campos, Walderez de Barros, Eva Todor, Cristiana Oliveira, Nicette Bruno que é relegada a brincar com uma cadelinha, e os casos mais graves, Natália do Vale e Ana Beatriz Nogueira tendo que fazer cena lendo revista de fofoca, é o cúmulo! Aí, fiquei pensando se a personagem da Lívia Marini (Claudia Raia) estivesse nas mãos da Ana Beatriz?



Ana é uma atriz singular, como poucas, tem uma marca forte no olhar, na forma de dizer o texto, de forma despretensiosa. Ana Beatriz simplesmente arrasou como a amarga Eva de A Vida da Gente, brilhou a trama inteira, como uma mãe que "amava" uma filha e a tratava de modo superior em detrimento da outra. 


Seus olhos com as bordas escuras dão intensidade a ela, olhar esse que usou muito bem ao interpretar a esposa de Cortês (Herson Capri). Clarice, uma mãe dedicada, esposa traída e morta pelo próprio marido (em Insensato Coração).


Imagino que ela faria miséria como a Lívia Marini, daria profundidade, humanidade e seria discreta com a personagem, nos deixaria com raiva dela, pena que os papéis foram invertidos. Quando eu lia o belo romance Ciranda de Pedra, de Lygia Fagundes Telles a personagem chamada Frau Herta, uma governanta apaixonada pelo dono da casa, era má, fria, sem expor sentimentos, mas tinha alguma humanidade, e quando vi a trama fiquei abismado, Ana Beatriz Nogueira conseguiu fazer uma vilã incrível, parecidíssima com a do livro. 


Mas, em Salve Jorge, por não ter muita visibilidade na trama, a Ana Beatriz não aguentou e pediu para sair da novela. Nesta segunda (18), vai ao ar a cena em que, pelas mãos de Lívia Marini, a sua personagem é morta. A atriz irá participar do remake de Saramandaia, a convite de Denise Saraceni, diretora da novela. 

Vida longa a Ana Beatriz Nogueira!!!