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quarta-feira, 31 de julho de 2013

Arbitrário Folhetim - 5º capítulo

De Isaac Santos

Capítulo 5

Cena 1. Hospital. Recepção. Interior. Dia.

Davi ainda tentando acalmar Olga. Estão saindo do hospital.

Olga – Eu não precisava saber de nada disso. (desequilibrada) Eu não quero isso pra mim!  
Davi – Calma, mocinha!

Cena 2. Ônibus. Interior. Dia.

São poucos os passageiros. Davi e Olga se sentam mais afastados e continuam a conversar, discretamente.

Davi – Deixa um pouco de lágrimas pra quando chegar em casa. (tentando descontrair)
Olga – Tá incomodado, senta em outro lugar.
Davi – Eu só tava tentando ser agradável.
Olga – É, mas tá sendo totalmente inadequado. 
Davi – É que você fica aí parecendo que tá morrendo...
Olga (interrompendo) – Devo fingir que tá tudo lindo, sob controle? Você nunca vai saber o que é isso. (ferina) Você não é mulher!  

Cena 3. Pousada Em Família. Quarto de Clotilde. Interior. Dia.

Clotilde animada, cantarolando "alô alô responde" enquanto arruma a sua mala.

Fusão para

Cena 4. Orfanato Emanuel. Quarto da madre. Interior. Dia.

Flashback

Clotilde e Olga estão com 10 anos. Cantam, envolvidas pelo som de Carmem Miranda e Mário Reis. Irmã Pureza entra, discretamente. Clotilde e Olga demonstram ótima afinação e afinidade como dupla:

♪ ♫ ♪ ♫ ♪ ♫ ♪ ♫ ♪ ♫ ♪ ♫
Alô, alô, responde
Se gostas mesmo de mim de verdade
Alô, alô, responde
Responde com toda sinceridade
Alô, alô, responde
Se gostas de mim de verdade
Se não respondes
O meu coração é lágrima
Desesperado vai dizendo
Alô, alô
Ai se eu tivesse a certeza
Desse seu amor
A minha vida seria
Seria um rosário em flor
Responde então

Alô, alô
Continuas a não responder
E o telefone
Cada vez chamando mais
É sempre assim
Não consigo ligação meu bem
Indiferente não se importa
Com os meus ais
♪ ♫ ♪ ♫ ♪ ♫ ♪ ♫ ♪ ♫ ♪ ♫

Ao final da música Irmã Pureza aplaude.

Irmã Pureza – Estão de parabéns, meninas. Mas tentem ouvir e cantar mais baixo. (sorri)

Clotilde e Olga se entreolham e sorriem também.

Clotilde – A senhora tava aí o tempo todo?
Olga – Ai que vergonha!
Irmã Pureza – Eu entrei bem no início dessa música “alô alô”... E tava aqui me segurando. (descontrai)

Olga gargalha e Clotilde não segura o riso.

Irmã Pureza – A irmã Gertrudes que pediu pra eu dar uma olhadinha em vocês. Porque vocês gostam de aprontar, né suas sonsinhas? (riso)
Clotilde – Mas a gente tá só ensaiando mesmo, irmã.
Olga – É, tá tudo bem...

Fim do flashback.

Corta para

Cena 5. Pousada Em Família. Quarto de Clotilde. Interior. Dia.

Telma entra e se oferece pra ajudar Clotilde a arrumar a mala.

Clotilde – É, eu sou uma sortuda de você estar me ajudando. Você tem sido uma mãe pra mim, Telma.
Telma  Ah, você é uma querida.
Clotilde – Tomara que a Olga também esteja se arrumando na vida.

Cena 6. Casa de Davi Valério. Jardim. Exterior. Dia.

Davi e Olga estão chegando do hospital. 

Davi – Vai entrando que eu ainda vou ficar por aqui um pouco. (acende um cigarro)
Olga – Ei, me perdoa... Eu fui muito injusta contigo. Me perdoa?
Davi – Tá bem... Perdoo sim

Se abraçam e caminham pra dentro da casa.

Cena 7. Casa de Davi Valério. Suíte de Davi. Interior. Dia.

Davi tomando banho de chuveiro, porta entreaberta. Olga sentada na cama. Estão em conversa adiantada.

Olga – Eu não quero isso dentro de mim, mas tenho medo de tirar... Só ela pode me ajudar a decidir. Entende?
Davi – Depois de você dizer que não queria mais saber dela, que de agora em diante era cada uma por si... Não, não entendo.
Olga – Mas você vai comigo amanhã?
Davi – (sai do banheiro enrolado numa toalha) Sentada na minha cama com essa roupa de hospital, Olga? (Olga levanta) Vou não. Você sabe como chegar lá?

Cena 8. Casa de Telma. Cozinha. Interior. Dia.

Telma e Clotilde estão terminando de almoçar. Em conversa avançada.

Clotilde – Claro que é brincadeira... Aquele pão, com o cargo que tem, não vai se interessar por uma camareira.
Telma – Não, não é, Clotilde. Ele vive me perguntando sobre você, querendo saber coisas de tua vida... 
Clotilde – Eu nunca me senti atraída por garoto nenhum, nem nunca me achei atraente.
Telma – Se eu não tivesse visto você totalmente nua, lá na recepção da pousada, até acreditaria nisso. 
Clotilde – Do jeito que você fala até parece que quer que eu me jogue nos braços dele... Vamos com calma, né? 
Telma – O Alexandro é meu amigo, um querido. Se for pra vocês se conhecerem melhor eu dou a maior força.

Telma se levanta e começa a retirar as coisas da mesa.

Clotilde (começa a ajudar a desfazer a mesa) – Deixa que eu lavo os pratos.
Telma – Você lava e eu seco. Mas lave direitinho, principalmente os copos porque eu detesto que fique com aquele cheiro de ovo.

Cena 9. Casa de Davi Valério. Cozinha. Interior. Dia.

Olga e Davi estão almoçando.

Olga – Sabe que tá uma delícia essa farofinha?
Davi – Isso porque você não é chegada numa boa linguiça. (risos) Eu adoro! 
Olga (interessada noutro assunto) – Falando sério, tem risco de eu morrer tomando aquele chá?
Davi – Menina, já te disse que não ia brincar com isso. 
Olga – Tenho medo de morrer, Davi.
Davi – Lógico que tomar esse tipo de chá não é a mesma coisa de beber água. Mas você não quer se livrar do que tem aí dentro? Você não é mais criança, né Olga? Vamos parar de ficar bancando a coitadinha, desprotegida o tempo todo. 

Cena 10. Centro da Cidade. Rua Chile. Exterior. Dia.

Telma e Clotilde caminham pelo passeio, já perto da entrada do hotel. Estão vestidas com elegância e bom gosto.

Clotilde – Será que eu não to arrumada demais pra uma futura camareira, Telma?
Telma – Você tá ótima! E não é pra se fazer de desentendida se ele demonstrar interesse. 
Clotilde – Combinado. (avistando a loja Duas Américas) Ó, na volta a gente dá uma passadinha ali na loja Duas Américas, que eu quero conhecer a tal escada rolante.
Telma – Mas agora se concentra no que a gente veio fazer. Ele já vai acertar todos os detalhes do emprego. (entram no saguão do hotel)   

Cena 11. Hotel Palace. Recepção. Interior. Dia.

Telma e Clotilde se anunciam na recepção e são acompanhadas por uma funcionária até a antessala da gerência.   

Cena 12. Hotel Palace. Sala da Gerência. Interior. Dia.

Alexandro (40), o gerente, está em conversa avançada com um velho amigo, quando entra a sua secretária.

Secretária – Senhor Alexandro, elas chegaram...

Alexandro (faz sinal com a cabeça e a secretária se retira) – Você volta aqui na próxima semana pra gente já acertar todos os detalhes. Eu quero inaugurar o bar no próximo mês. (objetivando) Então, combinado. (se despedindo do amigo) Deixa eu te acompanhar até a porta.

Cena 13. Hotel Palace. Antessala da Gerência. Interior. Dia.

Alexandro abre a porta, seu amigo deixa a sala. Ele cumprimenta Telma e Clotilde à distância e pede que a secretária entre. Clotilde cochicha algo pra Telma.

Clotilde – Telma, tu reparou naquele moço que acabou de sair da sala?
Telma – Como assim reparar? 
Clotilde – Não sei... Tenho impressão de já o conhecer.
Telma – Ah!, pode ter sido no outro dia que a gente teve aqui. (concentrada) E você tem gente mais interessante em quem pensar. (pisca o olho pra Clotilde). Viu que ele te olhou todo diferente quando abriu a porta?
Clotilde – Exagero seu!
Telma – Ó, eu vou no banheiro... (sai apressada)
Clotilde (consigo) – Não... Da época do orfanato, impossível. Raras vezes a gente via algum moço por lá. Eu me lembraria. Da pousada? A Telma teria reconhecido. Ah, mas tenho quase certeza... Aquele rosto, aquele jeito dele... 

Cena 14. Loja Duas Américas. Interior. Dia.

Davi Valério entra na loja e sobe a escada rolante apenas para experimentar a novidade.

Davi (consigo) – Parece que as coisas agora estão realmente começando a dar certo.  
   
Sobe e desce as escadarias duas vezes seguidas até perceber que está chamando atenção pelo excesso. Sai radiante e apressado como quem quer gritar pro mundo o motivo de sua alegria.

Cena 15. Praia do Rio Vermelho. Exterior. Dia

Davi Valério correndo pro mar com roupa e tudo. Ele esbanja felicidade.

Davi – Odociaba Iemanjá, odoiá... Salve, salve, minha Mãe!!!    

Corta para

Fim do 5º capítulo.

Confira o 6º capítulo aqui.

E se perdeu o capítulo anterior, clique aqui.


Para baixar a trilha sonora, clique aqui.

terça-feira, 30 de julho de 2013

Janete Clair e o seu instigante Sétimo Sentido

Por André Araújo

Janete Clair era como a própria se definia, uma incorrigível romântica. Mas não uma romântica morna. Suas histórias aconteciam de fato e não havia quem não se impressionasse com seus enredos. Janete era mestra também na arte de criar enredos envolvendo personagens duplos. Sempre funcionou. Escritora de vanguarda, já em seu primeiro trabalho para TV, a autora de “Véu de Noiva” (TV Globo, 1969), brincou com gêmeos, sósias, troca de personalidade, influenciada por Os Irmãos Karamazov de Dostoievsky. Foi assim com Lara e Diana de Irmãos Coragem, com Simone e Rosana de Selva de Pedra, com Hugo e Raul de O Semideus e, na sua última novela das oito, SÉTIMO SENTIDO, vieram as inesquecíveis Luana Camará e Priscila Caprice, que roubaram todas as atenções para si.

A novela era basicamente sobre a marroquina Luana Camará que volta ao Brasil para tentar recuperar sua fortuna, roubada pela família Rivoredo. No passado, Antônio Rivoredo passou para o seu nome os bens dos pais de Luana, quando estes foram obrigados a se exilar por problemas políticos, no período Vargas. O patrimônio da família Camará, no entanto, nunca foi devolvido pelo velho Rivoredo, que morreu devendo prestar essa conta.


A trama, tida por alguns como confusa, gerou polêmicas e a autora enfrentou graves problemas com a censura e a imprensa durante todo o período em que sua história esteve no ar, uma vez que o drama da  protagonista Luana Camará, uma paranormal tão bem interpretada por Regina Duarte, que sofria o transtorno da dupla personalidade, gerou muita controvérsia; a maior de todas: Luana Camará tinha seu corpo tomado pelo espírito da famosa atriz italiana Priscila Caprice, já falecida, que não só se recusava a ir embora, como também se casou com Tião Bento (Francisco Cuoco), arqui-inimigo da aparentemente frágil heroína.


Mestra em valorizar tramas paralelas de todas as suas novelas, desta vez, Janete Clair preferiu apostar tudo na trama principal e não fez feio. Apoiada pelo público, o Brasil inteiro se deliciou com a personagem Luana Camará que, aos vinte e sete anos, retorna ao Brasil, vinda de Casablanca, Marrocos, disposta a recuperar a fortuna de seu pai que, anos antes, havia sido roubado pela inescrupulosa família Rivoredo, os todo-poderosos de PEDRA LINDA (RJ), cenário principal da trama. Como se não bastasse sua luta em reaver tudo que sua família perdera, a pobre heroína se vê em apuros, uma vez que se apaixona pelo bonitão Rodolfo Rivoredo, o Rude (Carlos Alberto Ricelli), um dos três herdeiros do patrimônio que na realidade pertencem à Luana. 


Casado com a possessiva Helenice (Beth Goulart), Rude deixa a esposa para viver sua história de amor com Luana. [A censura não liberava as cenas de amor de Carlos Alberto com Regina Duarte se o personagem do ator não se separasse de fato].


Mesmo disposta a não desistir de sua luta em recuperar os bens que foram roubados de seu pai, Luana não obtém sucesso e se vê obrigada a voltar pro Marrocos. Algum tempo depois retorna, mas já possuída pelo espírito da falecida atriz Priscila Caprice. [A novela entra noutra fase acentuada pela nova personalidade de Luana, que se envolve com Tião Bento, o grande vilão da trama.] Numa cena inesquecível, Tião e Priscila se casam num ritual cigano.


Mas a felicidade dos dois não dura muito e uma nova reviravolta acontece na história: Luana volta a assumir seu corpo e se afasta de Tião, gerando novos conflitos. É quando surge na trama a parapsicóloga Célia (Jacqueline Lawrence), que desvenda o fenômeno vivido por Luana, usando a terapia de regressão de memória. Numa encarnação passada, Luana e Priscila, respectivamente  Luciana e Maria Pia, eram irmãs gêmeas e agora se reencontravam, 72 anos depois, para um acerto de contas, que seria a descoberta do paradeiro da pequena Cila (Isabela Bicalho), filha legítima de Priscila. E isto ocorre depois de um sonho revelador de Luana.

[Cenas do Vídeo Show / you tube]
Com o “desaparecimento” do espírito de Priscila Caprice, que acontece depois do reencontro com sua filha, Luana Camará assume de vez sua própria personalidade e passa a se relacionar novamente com Rude Rivoredo, mas Tião Bento, redimido e apaixonado pela heroína, resolve lutar pelo amor de Luana, que fica indecisa pelos dois. No final, Luana tem uma visão onde um homem é morto a tiro e acredita que se trata de Tião, que está na mira de Jorge (Otávio Augusto), funcionário desonesto das empresas comandadas pelo “marido” de Priscila Caprice. Ela então corre em socorro ao amado, gritando que o ama, mas quando se aproxima do vulto caído no chão entra em choque, pois quem está ali é Rude, que ouvira seus gritos de amor ao rival, optando por sair de cena. Rude, que ficou sabendo da armadilha preparada por Jorge, chegou ao local do encontro disposto a salvar Tião, mas foi confundido com o outro, levou o tiro em seu lugar. O personagem consegue escapar da morte.

[vídeo: Memória da TV]
Luana e Tião ficam juntos, criam a filha de Priscila e ainda se tornam pais de um bebê. Segundos antes da cena final, o espírito de Priscila Caprice aparece no jardim da casa do casal como se estivesse ali para se certificar da felicidade deles e desejar boa sorte. Com um largo sorriso, sua marca registrada, a atriz faz-se notar por Luana  e desaparece.

Mesmo perseguida pela censura Janete Clair levou sua história adiante com sucesso de audiência e muitos aplausos de todo o público. A novela foi exibida entre março e outubro de 1982. SÉTIMO SENTIDO foi a última novela das oito escrita pela novelista, que contou com a colaboração de Sílvio de Abreu em sua reta final.

Com uma média de sessenta pontos de audiência, Sétimo Sentido foi um grande sucesso, mais uma vez ratificando a autora Janete Clair como a grande dama do horário nobre da Rede Globo. Um dos maiores nomes da teledramaturgia brasileira. 

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Vamos falar de coisa boa? ÁGUA VIVA!!!!!!!


                                                                                                                       Por Daniel Pilotto

Eu devo confessar que a minha postagem de hoje seria outra, falaria sobre um tema relacionado a novelas como sempre faço. Mas algo me fez mudar de ideia na última hora e resolvi usar este espaço para defender algo que acho muito importante neste momento.
Como todos sabem o canal VIVA já está escolhendo a substituta de RAINHA DA SUCATA no horário da meia noite. Mas, como o canal sempre apronta das suas, desta vez eles resolveram fazer com que o público vote na próxima trama a ocupar a vaga da novela de Sílvio de Abreu. As concorrentes são ÁGUA VIVA (1980), O DONO DO MUNDO (1991), FERA FERIDA (1993) e A INDOMADA (1997).
Esta votação seria normalíssima se as outras concorrentes fossem tramas dos anos 70 ou 80 como o canal sempre fez questão de deixar claro ao criar o horário da meia noite “apenas novelas anteriores a 1990”. É claro que o público, com seus desejos e vontades cai sempre como um patinho nestas balelas criadas apenas para confundir e esconder os reais motivos das exibições do canal.
Por isto resolvi escrever sobre a novela que acho que deve ocupar o horário e assim manter a continuidade das exibições dos chamados clássicos da TV.

ÁGUA VIVA foi a novela seguinte de Gilberto Braga após o fenômeno DANCIN’ DAYS (1978). Como na anterior o autor precisou de um elemento que desse um charme e uma identidade característica, uma cara para a trama. Portanto saíam as discotecas e a vida noturna carioca e entravam em cena o mar, os barcos e os dias ensolarados do Rio de Janeiro do começo da nova década.
A história é aparentemente simples e trabalha com personagens bastante identificáveis. Mas desta vez Gilberto Braga estava mais afiado no estilo, e o dramalhão da antecessora dava lugar a uma trama mais ágil e cheia de acontecimentos.


Basicamente a história é centrada nos irmãos Miguel (Raul Cortez) e Nelson Fragonard (Reginaldo Farias). O primeiro um conceituado e bem sucedido cirurgião, casado com Lucy (Tetê Medina) e pai de Sandra (Glória Pires) e o segundo um bon vivant que vive de algumas poucas rendas e que sempre se mete em negócios furados. Miguel não vê com bons olhos a vida flutuante do irmão e quase sempre os dois estão às turras.
A partir da história dos dois surgem os outros personagens da trama que se interligam de alguma maneira com a vida de ambos.
Um exemplo é Maria Helena (Isabela Garcia) uma criança órfã de apenas oito anos que vive num orfanato da Ilha do Governador. Desamparada pela própria sorte ela conta apenas com a ajuda de Sueli (Ângela Leal), uma modesta comissária de trem que está sempre ali para visitar e levá-la para passear. Sueli era amiga da mãe de Maria Helena e conhece a identidade do pai da menina, e fará de tudo para que os dois se encontrem, mesmo acreditando que ela não tem um bom pai.


Na outra ponta da novela está Lígia (Betty Faria) a síntese da mulher borboleta que o autor usaria em diversas outras tramas. Mulher ambiciosa que deseja se ver flanando no “soçaite” carioca e que acredita piamente que o jogo dos interesses é o que move as peças adiante. Casada pela segunda vez, se vê numa crise que resulta na sua separação, o marido não aguenta o que considera futilidade e sai de casa. A partir daí seu mundo e sua ascensão começam a declinar. Se dinheiro ela faz o que pode para ainda continuar na vida que levava.

Maria Helena e Lígia irão se encontrar em algum momento desta trama. E mais ainda, o caminho das duas também vai ao encontro dos irmãos Fragonard. Lígia conhece Nelson num dia péssimo para ambos e este é o mote inicial de um romance avassalador. Ela quer mais do que ele pode dar, e ele vive às voltas com complicações causadas por pessoas erradas que cruzam seu caminho. 


Entre as idas e vindas de todo o bom folhetim a separação é inevitável e no decorrer da novela ela se casa com o viúvo Miguel (um tanto por interesse, um tanto por carinho), e adota Maria Helena após descobrir que a menina é filha de seu grande amor, Nelson. É claro que antes de ser adotada por Lígia ela passa por quase todos os cenários da novela, o que faz com que a menina nunca consiga conceber o que é um verdadeiro lar.

No círculo social dos irmãos Fragonard transitam todos aqueles personagens típicos e fascinantes das obras de Gilberto Braga. Um dos dois maiores exemplos são Stella Simpson (Tônia Carrero) e Lourdes Mesquita (Beatriz Segall), dois expoentes da sociedade carioca da trama e cada qual com suas particularidades.

Stella é uma milionária excêntrica que tem sonhos de atuar no teatro, sem perceber que seu dinheiro diminui a olhos vistos. Contando quase sempre com a ajuda financeira do ex-marido Kleber (José Lewgoy) ela vive num apartamento luxuoso ao lado do filho Bruno (Kadu Moliterno) que sempre lhe chama atenção para suas extravagâncias.
Kleber é um homem que vive aparentemente de forma muito digna e correta, mas aos poucos o público toma conhecimento de seu verdadeiro caráter, ele é o principal responsável pela ruína de Nelson e no fim da trama ainda se descobre que é o assassino de Miguel. Sim ÁGUA VIVA tem um dos “Quem matou?” mais famosos da história das novelas.


Lourdes, outrora rica, hoje tem que se manter as custas de uma empresa de organização de festas ao lado da filha Márcia (Nathália do Valle), casada com Edyr (Cláudio Cavalcanti) um professor universitário. Arrogante ela não perde a oportunidade de jogar na cara da filha o péssimo casamento que ela fez, o que quase sempre resulta nas brigas constantes do casal.
Lourdes também vive em conflito com o filho Marcos (Fábio Jr.) estudante de medicina que não gosta nem um pouco da forma preconceituosa e elitista com que a mãe encara a vida. Ela sonha que o filho se envolva com Sandra a romântica filha do médico Miguel Fragonard, pois só assim o rapaz terá um futuro garantido.
Desencanado com o papo de diferenças sociais ele acaba se apaixonando por Janete (Lucélia Santos) uma jovem batalhadora e de poucos recursos financeiros, para desespero de Lourdes que arma coisas terríveis par acabar com o romance dos jovens.

Janete vive com os pais Evaldo (Mauro Mendonça) e Vilma (Aracy Cardoso) e a tia Irene (Eloísa Mafalda) num pequeno apartamento. A tia trabalha para o médico Miguel Fragonard e é praticamente a responsável pelo sustento da casa já que o irmão, um trambiqueiro de marca maior não consegue parar em emprego nenhum. Janete tem vergonha da situação da mãe e do pai, e principalmente de ter que depender da tia e tenta dar a volta por cima trabalhando e estudando. Ela é uma das personagens mais corretas e emblemáticas da novela, para se ter uma idéia consegue até se formar física nuclear!!!!


Gilberto Braga criou uma trama fascinante e rica em personagens nada maniqueístas e situações para render muita novela, mas em determinado momento precisou contar com a ajuda de um co-autor. Entrava em cena então o experiente Manoel Carlos.
O autor vinha de novelas do horário das seis da tarde e teve que se adaptar rapidamente ao ritmo de Gilberto Braga, aos seus diálogos ágeis e coloquiais. Mesmo assim conseguiu alavancar mais a audiência boa que a novela tinha e ainda acrescentar mais vida ao folhetim.

Outro destaque da novela era a direção de Roberto Talma e Paulo Ubiratan, que davam às imagens da novela um charme todo especial, com muitas externas mostrando as belezas do Rio de Janeiro. Existiam cenas praticamente realizadas no mar, aliás, o mar era quase como um personagem da trama, tamanho sua influência e presença na vida dos personagens. Os diretores também souberam se utilizar de duas trilhas sonoras impecáveis para embalar as cenas que criavam.


As trilhas sonoras de ÁGUA VIVA são um charme à parte. A trilha sonora nacional concebida com maestria pelo produtor musical Guto Graça Mello é com toda a certeza uma das melhores trilhas já feitas, com músicas marcantes que ficaram no imaginário das pessoas que as ouviram na novela. Até mesmo para quem não viu a trama ao ouvi-las irá reconhecer de imediato, pois algumas são tocadas até hoje. Canções como “Sinal de Alerta” com Maria Bethânia, “Altos e Baixos” com Elis Regina, “Vinte e Poucos Anos” com Fábio Jr., “Realce” com Gilberto Gil, “Amor, Meu Grande Amor” com Ângela Rô Ro, “Cais” com Milton Nascimento, “Wave” com João Gilberto, além da já clássica e marcante “Menino do Rio” com Baby Consuelo. Era tão perfeita que o autor Gilberto Braga questionou ser desnecessária a criação de uma trilha internacional para que se mantivessem os temas nacionais até o fim.
Ainda bem que não lhe deram ouvidos pois a trilha internacional é emblemática e trouxe verdadeiras pérolas da música romântica da época como “Do That To Me One More Time” com Susan Case & Sound Around, “Ships” com Barry Manilow, “Babe” com Styx, “Just Like You Do” com Carly Simon, “Cruisin” com Smokey Robinson, além das dançantes D.I.S.C.O. com Ottowan e The Second Time Around”com Shalamar. O cantor Jimmy Cliff que está na trilha com a música “Love I Need” fez uma participação na novela numa das festas da história.

Alguns pontos da trama ficaram marcados até hoje na memória dos telespectadores. Logo nos primeiros meses da trama a personagem Lucy (Tetê Medina) morre na explosão de uma lancha. O acontecimento causou uma verdadeira comoção diante o público, já que ela era uma mulher extremamente boa e correta, que estava até pensando em adotar a pobre Maria Helena. O incidente foi uma das grandes sacadas do autor, pois Miguel Fragonard o marido da personagem precisava ficar viúvo e carente para movimentar a história, assim como Sandra a jovem filha tinha que viver todas as contradições decorrentes do fato e começar a questionar sua entrada na vida adulta, e Maria Helena voltar para a roda viva de lares provisórios e adoções frustradas.
Mais tarde o próprio Miguel Fragonard é assassinado, a filha entra em parafuso e a trama ganha um verdadeiro clima policial digno de livros de Agatha Cristhie com vários dos personagens sendo considerados suspeitos do crime, afinal estavam todos na casa de praia do médico numa ilha afastada. O público tinha agora o trabalho de adivinhar os motivos dos principais suspeitos.
Outro ponto que deu o que falar foi uma surra que Lígia dá em Selma (Tamara Taxman) no banheiro feminino da casa de shows Canecão em plena apresentação de Maria Bethânia. A cena representava uma ruptura no passado de Lígia que acabava de descobrir que sua melhor amiga Selma havia lhe traído todo o tempo. A mesma situação seria reproduzida pelo próprio Gilberto Braga anos depois na novela CELEBRIDADE (2003) com as personagens Maria Clara e Laura.


Para terminar outro destaque interessante, a famosa cena de topless nas areias do posto 9 em Ipanema. A personagens de Maria Padilha, Glória Pires e Tônia Carrero quase foram agredidas pelas pessoas que estavam na praia no momento da gravação e consideravam aquilo um absurdo, uma ousadia. A cena deu tanto que falar que todo mundo já sabia de antemão e ficou ligado na TV no dia da exibição do capítulo.

Enfim, já dá para fazer uma breve ideia do que esta novela tem de bom. Tentei dar uma pincelada na história, do que eu tinha de lembranças na memória, do pouco que vi de um compacto muito editado que existe em dvds vendidos por colecionadores e de dois livros que tenho com um resumo romanceado da trama. Com isto quero lembrar o quanto esta novela é rara e da importância de sua reprise. Uma trama assim, de 1980 abre um precedente que é a volta de outras novelas tão raras quanto. A escolha desta trama por parte do público representa a preservação do horário para a exibição das novelas mais antigas. Portanto mesmo que você considere estranha a primeira vista ou desconhecida e pouco atrativa, pense que seu retorno pode garantir que a próxima novela do horário seja alguma outra antiga por qual você sempre sonhou conhecer.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Félix, o maior destaque de Amor À Vida

Por Vinicius Pantoja

Já faz algum tempo que os vilões de uma história fazem mais sucesso do que os mocinhos, seja na literatura, no cinema ou na televisão. Nas telenovelas não podia ser diferente. Vilões como Raquel (Eva Wilma em 1973 e Glória Pires em 1993, de Mulheres de Areia), Nazaré (Renata Sorrah, de Senhora do Destino), Flora (Patrícia Pillar, de A Favorita), Vlad (Ney Latorraca, de Vamp), Leôncio (Rubens de Falco, de Escrava Isaura), Maria de Fátima e Odete Roitman (Glória Pires e Beatriz Segall, respectivamente, de Vale Tudo), entre muitos outros, marcaram pelas suas maldades e planos malignos contra os mocinhos.

E desde quando Amor à Vida estreou, em maio, um personagem tem chamado mais atenção do que o restante da novela: o vilão Félix, personagem interpretado por Mateus Solano. E Walcyr Carrasco, autor da novela, criou o personagem justamente para isso. Ele chama atenção não só por ser vilão e cometer maldades, também é pelo fato do personagem ser um homossexual não assumido. E o sucesso de Félix foi imediato: em três dias de novela já haviam várias contas no Twitter e páginas no Facebook dedicadas ao personagem.

E Mateus Solano desenvolveu um ótimo personagem. Irreverente, divertido, ambicioso e com ótimas tiradas, Félix é o maior destaque de Amor à Vida. E também provou logo no início que faria de tudo para ficar com a herança da família só para si ao convencer a irmã Paloma (Paolla Oliveira) a largar tudo e viver com o seu namorado Ninho (Juliano Cazarré),e principalmente, ao pegar a filha recém-nascida de Paloma e jogá-la numa caçamba de lixo. E também mais adiante, ao forjar, com a ajuda da Dra. Glauce (Leona Cavalli), o exame de DNA que provaria que Paulinha (Klara Castanho) é a verdadeira filha de Paloma.

Mas, pelo fato do personagem ser engraçado, às vezes o Félix chega a ser caricato. E já tivemos muitos personagens gay caricatos e estereotipados, como o Crô (Marcelo Serrado) de Fina Estampa, Áureo (André Gonçalves) de Morde e Assopra, Adriano (Rafael Zulu) de Ti Ti Ti, entre outros. Esperava-se que Carrasco se aprofundasse mais seriamente na trama do homem que tem um casamento de fachada e que esconde de todos a sua verdadeira orientação sexual. E os bordões, como “Salguei a Santa Ceia” e “Pelas contas do Rosário” são repetidos à exaustão pelo personagem, reforçando ainda mais esta ideia.

Ainda assim, Félix honra o seu posto de principal vilão de Amor à Vida, e Mateus Solano vem se destacando no personagem e mais uma vez mostrando o seu talento. Só deve ter cuidado com o personagem para ele não cair no estereótipo. E não precisamos de mais um personagem gay estereotipado na TV.