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quarta-feira, 19 de outubro de 2011

E a Fábula Cede Lugar ao Realismo do Cotidiano

Por Emerson Felipe

O horário das 18 horas, em geral, é caracterizado por novelas de temáticas mais leves, interioranas e fantasiosas, vide o último sucesso, a fábula Cordel Encantado. Em contrapartida a essa linha lúdica e despretensiosa que impera na faixa, surge um folhetim adulto, denso e intimista, com assuntos normalmente abordados às 21 horas: A Vida da Gente, da estreante em novelas Lícia Manzo (autora do seriado Tudo Novo de Novo, exibido em 2009).

Desde as chamadas de estreia, percebia-se que A Vida da Gente não traria grandes novidades, diferentemente de sua antecessora, que uniu temáticas incomuns - um reino europeu e cangaço do sertão brasileiro - num conto de fadas. Assuntos basilares da novela como o cotidiano das relações familiares e romances impossíveis ou repletos de obstáculos, o retorno de uma pessoa do coma e a gravidez na adolescência são motes há muito revisitados na teledramaturgia. 

Lícia Manzo, em sua estreia como autora principal na novela das 18 horas A Vida da gente.
 Houve certo receio de apostar numa sinopse madura e tradicional, oposta à leveza e ao onirismo das últimas novelas do horário. Ledo engano: A Vida da Gente fez uma bela estreia e cativou considerável parcela do público, que está se deleitando com as belas paisagens do Sul do Brasil, com os humanos e bem delineados personagens, com a notória qualidade do texto e com as arrebatadoras interpretações do elenco.
Já no primeiro capítulo tivemos uma bela prévia da sensibilidade e emoção que permeia o texto da promissora Lícia Manzo, que está sabendo criar uma boa história com ritmo envolvente.Um texto sensível, materializado em deslumbrantes imagens pela direção contemplativa de Jayme Monjardim, que compreende perfeitamente toda a delicadeza das situações criadas pela autora (destaque para a cena de amor dos protagonistas Ana - Fernanda Vasconcelos e Rodrigo - Rafael Cardoso - num rio, no primeiro capítulo, delicada e ao mesmo tempo sensual).



Tem havido uma constante comparação entre o estilo da estreante Lícia Manzo e do já consagrado Manoel Carlos, sobretudo pelo fato de ambos retratarem conflitos familiares e pela direção de Monjardim. Entretanto, a semelhança encerra-se aí: a abordagem desse mesmo assunto é bem distinto. Manoel Carlos parece ir mais a fundo nas questões existenciais dos conflitos e reflexões da vida, tendo a crônica, o cotidiano urbano como pano de fundo, enquanto Lícia parece concentrar-se nos acontecimentos e ganchos folhetinescos de um número menor de personagens, resolvendo as tramas à moda do folhetim tradicional. Ele, mais reflexivo e transcendental; ela mais imediatista, e ainda assim, delineando as peculiaridades e a complexa personalidade de seus personagens.
Fernanda Vasconcelos, uma atriz por vezes não muito bem vista pelos trabalhos anteriores, demonstra louvável amadurecimento Retrata com emoção e veracidade os dilemas e dificuldades de sua Ana, transbordando sensibilidade nas cenas de dúvida e sofrimento. Marjorie Estiano, na pele de Manuela, irmã de Ana, comove como a moça tímida, pouco vaidosa e preterida pela mãe, encontrando carinho no ombro da irmã confidente e da bondosa avó Iná (Nicete Bruno). A personagem tende a crescer ainda mais, ao ser acusada pela mãe Eva de culpada pelo acidente de Ana e ao se envolver com Rodrigo durante o coma da irmã, criando a sobrinha.

As inseparáveis irmãs Ana (Fernanda Vasconcelos) e Manuela (Marjorie Estiano).

Frise-se, ainda, o sensível trabalho da Nicette Bruno, a amorosa avó que faz de tudo pela felicidade das netas, sempre de bem com a vida, curtindo a terceira idade de uma maneira peculiar e jovial, ao lado de seu namorado Laudelino (Stênio Garcia), avessa às tradições tipicamente valorizadas pelos de sua idade, como o matrimônio. Entretanto, sofre com o seu dom sensitivo, demonstrando o medo e desconforto em relação aos estranhos sonhos premonitórios que tem. Uma rica personagem à altura do talento de tão grandiosa atriz.
Também chama a atenção a doce Alice, amiga de Ana e Manuela, que cresceu sabendo de sua condição de filha adotada e, mesmo amando incondicionalmente os pais adotivos, busca saber a verdade sobre sua origem: Sthefany Brito impressiona com a maturidade e segurança emprestada à personagem. Dentre os coadjuvantes, Maria Eduarda tem sobressaído como a contestadora e cheia de personalidade Nanda, mas que revela também um certo vazio e carência, influenciado pela morte da mãe na infância. Ótimo e curioso o seu diferencial na abertura da novela, com feições de ironia e indiferença, em contraste com a alegria da família nas cenas de comemoração.



Mas certamente, aquelas que mais têm repercutido junto ao público são as impressionantes Ana Beatriz Nogueira e Gisele Fróes. Gisele dá vida a Vitória, uma autoritária treinadora de tênis que cuida da carreira de Ana, obsessiva em sempre fazer desta a maior campeã das quadras, custe o que custar. Uma típica workaholic, seca, exigente, por vezes gélida, que até hoje não trocou um gesto ou palavra de carinho sincera com o marido Marcos (Ângelo Antônio) - não o poupando de constantes humilhações - e mantém uma relação estritamente profissional com a pupila Ana, por vezes exigindo demais da esportista. A atriz convence de forma estupenda e causa revolta com seu jeito frio e ríspido de ser. É daqueles personagens que o público ama odiar, e espera que a vida lhe dê uma grandiosa lição, e não um final feliz.
A fria e austera treinadora de tênis Vitória (Gisele Fróes).

Ana Beatriz Nogueira é de um magnetismo impressionante no vídeo: sua temperamental e instável Eva é rende verdadeiros cenões, cheios de intensidade. É daquelas mães superprotetoras, fanáticas, que atropelam tudo e todos pela pretensa felicidade dos filhos, acreditando estar fazendo o melhor, quando, na verdade, nem sempre está.  Há um verdadeiro duelo de gigantes nas cenas em que Eva discute com a filha preterida Manuela e a mãe Iná, com quem não mantém boa relação. A doentia idolatria de Eva pela filha Ana e o desprezo que sente pela outra filha, Manuela, também causam a indignação do público, que já a aponta como a grande vilã de A Vida da Gente.

Ana Beatriz Nogueira, dando vida à temperamental e explosiva Eva.

 Outro aspecto que salto aos olhos quanto à novela é o caráter eminentemente feminino: temos uma galeria de personagens femininos que tomam as atenções para si, mulheres fortes, de muita personalidade, firmes em suas convicções, enquanto os homens, em sua grande maioria, são passivos, indecisos e vivem à sombra ou aos caprichos delas. Especialmente Marcos (Ângelo Antônio), submisso à austera esposa Vitória, numa clara inversão dos papéis tradicionais: a mulher vai à luta no mercado de trabalho para promover o sustento da família, enquanto o homem permanece em casa, cuidando dos filhos e dos afazeres domésticos – a trama parece inspirada no filme Pecados Íntimos (Little Children), em que o marido interpretado por Patrick Wilson faz as vezes de administrador do lar enquanto a esposa trabalha, mostrando-se profissionalmente frustrado por tentar diversas vezes a aprovação no exame de admissão para a advocacia, sem sucesso.

Pecados Íntimos (Little Children): filme cuja história é similar à trama do casal Vitória e Marcos, de A Vida da Gente.
A Vida da Gente é um verdadeiro novelão que satisfaz ao público adulto e mais exigente em termos de texto. Possui todas aquelas características propícias para transmissão no horário nobre...só que exibido três horas mais cedo!

14 comentários:

  1. Eu sou fã da novela!
    Uma das melhores dos últimos tempos, espero que essa qualidade chegue até o fim!

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  2. Pelo que tenho lido nas críticas, essa novela tem surpreendido pelo texto maduro, atraente, dizem que poderia ser exibida, sem maiores consequências, até mesmo no horário das nove.

    Ponto pra você, Lip... análise bem construída!

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  3. Eu estou amando essa novela! Faço de tudo pra não perder, amo essa abordagem de dramas familiares, amo personagens femininos fortes!! O sucesso da novela é muito merecido! Excelente texto Lip! Parabéns!

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  4. Ontem assisti a novela pela primeira vez, e fiquei realmente encantada.

    É maravilhosa, e vem com a certeza que a estreante Lícia Manzo terá muitos trabalhos pela frente!

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  5. Ótimo texto, Lip! Concordo com as diferenças entre Maneco e a autora, promissora para o horário nobre.

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  6. "A vida da Gente" foi uma grata surpresa. Enfim, uma novela adulta! O texto é excelente, as atuações idem e há grandes cenas diariamente. E adoro esse caráter eminentemente feminino citado em seu texto. Parabéns, Lipe!

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  7. Bem, Lipe sou suspeito pra falar, pq sou fã dos seus textos. Mas dessa vez vc se superou, hein, moço? A novela é realmente genial e acredito que parte desse mérito é da equipe de redatores, que em cada cena, cada diálogo, não ficam amassando barro, não subestimam o telespectador, o texto não pende pro esnobismo nem pro populacho. É primoroso, mas ao mesmo tempo, assimilável pelo temido público alvo do horário. E como vc bem destacou o elenco, sem nenhuma superestrela global, tem dado um show. Cada dia um ator ou atriz (elas mais do que eles)tem seu grande momento. Cenas lindas e intensas, de fazer chorar.
    Ah, mais um elogio à novela. Apesar de bem definidos os personagens, bons e maus, cada tema proposto pela autora é discutido sem moralismo, com muitos tons de cinza, de uma forma adulta.
    Parabéns, Lícia Manzo, a novela é um achado!
    Parabéns, Lipe, pq sua análise é a melhor que eu li sobre AVDG até agora!

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  8. Confesso que foi a primeira vez que li um texto seu. Se o fiz não havia percebido! #prontofalei...
    Mas nesse vc conseguiu me segurar até a ultima linha. Para que vê a foto do seu avatar, pensa que se trata de um menino; mas quando "abre a boca", nota-se a sua grandeza!!!
    Parabéns, Sempre!
    Ah, ótima novela, Rsss

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  9. Muito bom o texto, Felipe!!!
    Retrata bem a simplicidade e profundidade ao mesmo tempo que A Vida da Gente trouxe para o horário das 18hs. Além disso o elenco da novela está perfeitamente encaixado o que é um mérito do diretor. Quanto à autora, desde o denso Tudo Novo de Novo que eu só esperava uma boa chance pra ela em novelas. E ela veio com uma qualidade fenomenal. Mesmo que A vida da gente não consolide uma audiência astronômica já me conquistou e está na minha galeria de novelas que mais acompanhei com gosto.

    Outro detalhe que chama a atenção é a belíssima abertura, uma das melhores dos últimos tempos o que acaba sempre sendo uma surpresa.

    Parabéns pelo ótimo texto!!!!

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  10. Eu sou fã de A VIDA DA GENTE E ACHO QUE cordel está sendo substituida à altura! Parabéns Felipe! Adorei ler seu texto!

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  11. a critica ta fantastica,daquelas q da vontade de imprimir,kkkkk
    engraçado q tbm tinha pensado na referencia a pecados intimos agora so falta o pedofilo,kkkkkkkk

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  12. Felipe, tá craque, hein? eu pouco vejo a novela,mas qdo vejo, dá pra notar que a autora tenta lidar bem com os lugares comuns de outras novelas...isso, pra mim já é louvável..acho meio estranho a gente sempre gostar mais das mulheres autoritárias e neuróticas...freud na gente, please...talvez porque carreguem um pouco na mansidão das mocinhas, sempre passivas e prontas pra oferecer a outra face...tenho visto com mais frequência e tenho gostado mais...infelizmente, gosto mais qdo a personagem da Fernanda não está...rsssss parabéns...tb não tinha visto a semelhança com o ótimo Pecados íntimos( filme que eu adoro).

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  13. Analise perfeita! Concordo em tudo que foi dito!
    Adoro A Vida da Gente!

    "É um verdadeiro novelão com todas as características propícias para exibição às 21 horas, bem escrito e dirigido, repleto de intepretações viscerais...só que exibido três horas mais cedo!"

    Disse tudo!

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