Avenida Brasil dança kuduro

Por Fábio Leonardo

Não, não sou nenhum fã de Latino, Daddy Kall ou quaisquer outros representantes desse estilo musical. Também não desgosto: assim como o funk, o kuduro – esse ritmo que vem da África e que vem ganhando proporções bem brasileiras – pode ter uma má letra, mas é extremamente contagiante em termo de musicalidade. Só há algo que eu tenho uma dificuldade bem grande de engolir nos últimos tempos: um certo excesso de preciosismo por parte de alguns fãs de televisão.

Ok, a ideia não é que esse texto tenha uma vibe #prontofalei, mas precisava defender essa opinião. O fato – para quem não está por dentro – é que foi anunciado na imprensa especializada em televisão que a música “Vem Dançar Kuduro”, sucesso popular internacional, que ganhou várias versões mundo afora, e que, no Brasil, é cantado por Latino e Daddy Kall, seria o tema de abertura de Avenida Brasil, a próxima novela das 21h da Rede Globo, que estreia no dia 26 deste mês. Sofreria alterações, para que a palavra “kuduro” não viesse passando todo dia, na Globo, em horário nobre. Os cantores cantariam “dançar com todo”, etc e tal.

 simulação da abertura de Avenida Brasil

Tudo bem... Meu primeiro sentimento foi igual ao de todo mundo: “Que absurdo! Como vão fazer isso com a novela das 9h? A executiva da Globo enlouqueceu?”, e coisas do gênero. O tempo, no entanto, passou, e eu comecei a digerir a ideia. E, principalmente, a me lembrar de várias outras novelas, que são lembradas como grandes sucessos, e que tiveram em sua abertura ritmos, para a época, populares, mas tão populares, que pareciam, para muita gente, um verdadeiro “populacho”. Afinal, quem não lembra das Frenéticas, cantando que “na nossa festa vale tudo, vale ser alguém como eu, como você”, na abertura de Dancin’ Days, e que “dez entre dez brasileiros preferem feijão, puro, com pão, com arroz, com farinha ou com macarrão” na abertura de Feijão Maravilha? Nos anos 80, a banda Metrô vinha dizendo que “se pintar um negócio na esquina, corre e vê se eu estou lá na China”, na abertura de Ti-Ti-Ti – e que, em 2010, na voz de Rita Lee, todo mundo aplaudiu? Mais, muito mais: o que não foi uma boneca de lata dançando lambada ao som de “Me Chama que eu Vou”, na voz de Sidney Magal, na abertura de Rainha da Sucata, em 1990?

Avenida Brasil tem em seu cerne uma trama de vingança: Rita (Débora Falabella), cujo pai (Tony Ramos) foi roubado e morto por Carminha (Adriana Esteves), sua madrasta, que, depois, a abandona num lixão, retorna, com outra identidade, para destruí-la aos poucos. É escrita por João Emanuel Carneiro, que, em 2008, defendeu em A Favorita, uma história ousada e de sucesso, um clima noir, regado ao tango argentino. Por que não algo parecido aqui também?

Pra mim, a resposta está clara: Avenida Brasil tem um clima bem mais leve que A Favorita. O núcleo do Divino Futebol Clube, Tufão, Jorginho e companhia limitada possuem um tom mais aberto, mais popular, e que merecem ser contemplados de maneira importante na trama. Em segundo, a proposta de abertura atende a uma tendência televisiva de histórias mais “pra cima”, menos tensas. Dizer que tais transformações em nossa dramaturgia, por conta da “nova classe C” são perdas qualitativas é uma postura bem semelhante à de Glória Magadan, ao afirmar que a televisão cairia no fracasso com Beto Rockfeller e as tramas no Rio de Janeiro contemporâneo, no fim dos anos 60.

Rupturas são necessárias. João Emanuel Carneiro é um rompedor emérito, desde que entrou na teledramaturgia como autor principal de uma novela. Avenida Brasil, essa fábula contemporânea, tem tudo pra ser mais um passo nessa transformação. E que o kuduro – sob novos formatos – sirva para ajudar nesse processo de transformação. Que rompa e, quem sabe, que vire cult nos próximos 20 anos.

Fotos: Google Imagens

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