Sou suspeito em elogiar os textos do amigo Carlos José dos Santos, pois os aprecio bastante. Espero que vocês curtam também, e desde já agradeço ao querido amigo.
O
modo como se vive o trânsito é o modo como se leva a vida. Explico. Outro dia
levantei-me de manhã, cinco minutos depois do tempo convencional. Fazia muito
frio e pensei que cinco minutinhos a mais debaixo do cobertor fariam alguma diferença
no chamado tempo adequado de sono. Diferença fez sim, apenas contribuiu com o
inadequado modo de sair de casa em direção ao trabalho.
Cinco
minutos a mais de cobertor significou correria para me arrumar, pressa para
digerir o café da manhã, e pressão para dirigir o automóvel, corrida contra o
tempo que começou numa afobação logo ao sair da garagem. Depois disso, já dá pra
imaginar a maneira acelerada como me conduzi, tentando apressar também os
outros e brigando com meio mundo, ainda que, na ladainha dos meus resmungos.
Naquela
manhã, todos os semáforos avermelharam-se. E não foi de vergonha, afinal quem
deveria ter sentido isso, era eu. Não
peguei um sinal que não me obrigasse a parar. Era como se eu estivesse
recebendo o cartão de um árbitro, reprovando meu comportamento perigoso, e
poderia entender, não fosse o pensamento voltado exclusivamente ao tempo, que
estava sendo expulso daquele grupo que se encaminhava ordeiramente para o seu
dever cotidiano.
Costumo
ser muito tranquilo e cauteloso ao conduzir meu carro, mas num dia como aquele,
seria possível ser prudente quando se desejava recuperar cinco minutos de
atraso da rotina diária? O fato é que, naquelas condições, o relógio de ponto,
aquele que registra de forma sisuda a entrada do funcionário à empresa e que ri
da sua cara no final do mês, se por algum atraso lhe vem um desconto na hora do
pagamento, transforma-se no seu pior inimigo.
Cinco
minutos que seja de atraso, é capaz de mudar o temperamento e povoar a mente
com a imagem de um famigerado relógio-monstro-de-ponto e o que é pior, fazer os
ponteiros dos relógios dos outros parecerem parados frente aos seus,
disparados.
Nesse
dia, é possível achar que todas as pessoas ficaram lentas, todos os veículos
andam muito abaixo da velocidade estabelecida, e a imagem que se tem do
trânsito é a de um festival de carroças que saíram para um dia de desfile.
Alguém
já viu, em dia de desfile, pessoas e alegorias se preocuparem em ser rápidas?
Difícil. Somente aquele que não quer ser admirado. Mas este certamente, estaria
do lado de fora da avenida, admirando então.
O
atraso de um, é capaz de transformar o trânsito, de comunidade que é, em um
mundo de feras, totalmente selvagem, ocasião em que um soar de buzina pode ser
interpretado como um rugido, criando a cena de motoristas ofendidos saindo de
suas máquinas com as garras e as presas afiadas prontas para o ataque.
Vivemos
um tempo de escassez de consciência. Falta consciência na família, falta
consciência no colégio, falta consciência no trabalho e a partir dessa
constatação, como dizer algo diferente do trânsito?
O
problema é que no trânsito, se falta o mínimo de consciência, converte-se o
automóvel, que há muito tempo deixou de ser luxo, em arma poderosa, capaz de mutilar
corpos e ceifar vidas.
Um
delicioso conforto de cinco minutos a mais ao calor dos cobertores numa manhã
de frio rende impaciência, intolerância, o que de nada adianta, pois gera desconforto
quando o calor dos ânimos exaltados é que dita as regras de todo o trajeto, do
local de partida ao local de chegada.
Quando
se vive numa coletividade, em que uma pessoa está ligada a outra direta ou
indiretamente, o incômodo causado não é único, mas extensivo a todos quantos
fizerem parte desse processo. Isto quer dizer que, no ato de dirigir apressadamente,
quase sempre os veículos se colam na traseira dos outros, e essa proximidade,
que comumente chamamos pressão, acaba pondo em risco no mínimo duas vidas, uma
delas, inclusive, que não teve o privilégio de desfrutar dos mesmos cinco
minutos da preguiça da outra.
Eu poderia escrever muito mais sobre o que observo no trânsito diariamente, porém, como já se faz tarde, desejo hoje dormir um pouco mais cedo, para amanhã levantar cinco minutos adiantados e poder sair calmamente, respeitando meus colegas motoristas, motociclistas e meus também semelhantes pedestres e parceiros ciclistas como irmãos e não como inimigos; comportando-me como gente e não como bicho.
Eu poderia escrever muito mais sobre o que observo no trânsito diariamente, porém, como já se faz tarde, desejo hoje dormir um pouco mais cedo, para amanhã levantar cinco minutos adiantados e poder sair calmamente, respeitando meus colegas motoristas, motociclistas e meus também semelhantes pedestres e parceiros ciclistas como irmãos e não como inimigos; comportando-me como gente e não como bicho.
Carlos José dos Santos é um talentoso escritor, professor e diretor de teatro.
Confira mais de seus textos aqui.
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