Páginas

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Uma intervenção divina no horário das sete



Por FÁBIO COSTA

Em 31 de agosto de 1992, ia ao ar o primeiro capítulo de mais uma atração do horário das 19h para novelas na Rede Globo: Deus nos Acuda, de Sílvio de Abreu, que voltava à faixa em que se consagrara na década anterior após a estreia no horário nobre com Rainha da Sucata (1990).

O ponto de partida de Deus nos Acuda é a missão recebida no Céu pela anja Celestina (Dercy Gonçalves), responsável pelo Brasil. Para que escape de passar o resto de seus dias como uma aposentada no nosso país, ganhando pouco, numa vida de privações e sofrimentos, Celestina deve endireitar um cidadão brasileiro, e a escolhida é Maria Escandalosa (Cláudia Raia), trambiqueira que mora nos arredores do Porto de Santos, cidade do litoral paulista, e vive de pequenos golpes que aplica com a cumplicidade do pai, o malandro velho Tomás (Jorge Dória). Sem que Maria saiba, Celestina passa a acompanhar cada um de seus passos, tentando transformá-la numa pessoa de bem, honesta e com respeito pelo próximo.



Durante um cruzeiro Brasil – Caribe, Maria se apaixona pelo milionário Ricardo (Edson Celulari), de quem se aproxima inicialmente com a intenção de dar mais um golpe ao lado do pai. Nasce entre os dois um grande amor, atrapalhado pelo modo de Maria ganhar a vida, desonestamente. Ricardo é o filho mais velho do poderoso empresário Otto Bismark (Francisco Cuoco), suspeito de ter dado fim a duas esposas e também pai de Igor (Cláudio Fontana), Ulli (Mylla Christie) e Yeda (Tatiana Issa). Com a morte de Eugênia, sua segunda mulher, em circunstâncias misteriosas, Otto tem de lidar com a presença da cunhada Bárbara Silveira Bueno, a Baby (Glória Menezes), que volta da Europa disposta a esclarecer a morte da irmã. Na luta para afastar as suspeitas de que seja um “Barba Azul”, Otto conta com a ajuda de Elvira (Marieta Severo), sua maquiavélica secretária, apaixonada por ele.



Além de tencionar colocar Otto atrás das grades pela morte de Eugênia, Baby começa a criar o menino de rua Nicolau (João Rebello), por quem se encanta irreversivelmente. Nicolau é um bom garoto, que vive na rua por não conhecer sua origem e ter sido abandonado pela mãe.


Merece destaque a presença de Dona Armênia (Aracy Balabanian), que ressurgia da trama de Rainha da Sucata, agora como proprietária do prédio em que moravam diversos personagens do núcleo de Santos. Viúva pela segunda vez e se queixando de ter sido abandonada pelas “três filhinhas” Gerson (Gerson Brenner), Geraldo (Marcelo Novaes) e Gino (Jandir Ferrari), Dona Armênia é ambiciosa e louca por dinheiro, mas tem bom coração e no fundo gosta de todos os inquilinos. Moram no prédio, além de Maria e Tomás: o jovem Paco (Raul Gazolla), apaixonado por Maria, e sua irmã Lauretta (Cristina Mutarelli), moça assanhada em busca de um marido; Gilda (Louise Cardoso), prostituta que divide um apartamento com Clarice (Regina Braga) e engana Dona Armênia dizendo trabalhar numa biblioteca à noite, a fim de justificar suas saídas. Gilda se envolve com Félix (Ary Fontoura), irmão de Felícia, primeira esposa de Otto e mãe de Ricardo.


Outra personagem emblemática da história é Xena (Carmem Verônica), a amiga peruíssima de Baby. Sempre com algum comentário ferino na ponta da língua sobre qualquer assunto, tenha sido solicitado ou não, no decorrer da trama Xena se interessa por Tomás, que se faz passar por milionário para se aproximar dela, algo semelhante ao que fez sua filha Maria com Ricardo.

A novela era muito agradável e discutia em tom de comédia o problema da corrupção no Brasil, o país do jeitinho, da lei de Gerson que reza que se deve levar vantagem em tudo sempre. No decorrer da história Sílvio de Abreu e seus coautores Alcides Nogueira e Maria Adelaide Amaral não deixaram a ideia de lado, mas valorizaram mais os conflitos dos personagens e o suspense motivado pela identidade do “Leão”, líder de uma organização criminosa que se valia da estrutura da Baum, uma das empresas de Otto Bismark, para facilitar suas empreitadas. Ao longo de toda a novela seu diretor Jorge Fernando apareceu eventualmente na pele de Brasil, um personagem-paródia que nada dizia, nada ouvia e passava o tempo todo apático, aparentando estar bêbado ou amortecido por qualquer outra razão.


Descobre-se com o passar dos capítulos que Baby e Otto tiveram um romance no passado, encerrado quando ele a trocou por Eugênia e casou-se com ela. Chantageado por Elvira, Otto se casa com a secretária de repente e essa atitude não passa despercebida aos filhos e, claro, à cunhada. Nicolau, o “trombadinha”, é filho de Otto com Kelly (Maria Cláudia), irmã de Clarice e casada com Heitor (Gracindo Júnior), parceiro dele em alguns negócios. E Danilo (Diogo Vilela), o suposto irmão que Elvira infiltra na mansão dos Bismark para descobrir coisas sobre eles e ajudá-la em seus planos, revela-se na verdade um dos anjos celestiais, amigo de Celestina e do Anjo Gabriel (Cláudio Corrêa e Castro).

A abertura idealizada por Hans Donner para a novela é uma das mais marcantes. Ao som do samba-exaltação “Canta Brasil”, de David Nasser e Alcir Pires Vermelho, na voz de Gal Costa, uma festa de gala que tem como convidados senhores engravatados e belas mulheres em vestidos de luxo, todos rindo a valer, é aos poucos tomada por um mar de lama em que se podem ver dólares, iates, jatinhos, automóveis e outros símbolos de riqueza adquiridos pelos corruptos com o dinheiro do povo. Ao final da vinheta, pode-se ver que toda a lama que toma conta da tela está descendo pelo ralo num vaso que tem o formato do Brasil, que afunda num mar de lama. Para alguns meio escatológico, mas uma perfeita metáfora do que era possível ver na época (era o governo de Fernando Collor, que inclusive deixou a presidência com a novela no ar, em dezembro de 1992), o Brasil à guisa de salvação antes que mergulhasse de vez num mar de lama.



Outras músicas de destaque na trilha foram “Brigas” (Altemar Dutra e Cauby Peixoto), que embalava o caso de amor de Félix e Gilda, “Vento Ventania” (Biquíni Cavadão), tema dos jovens, e o tango “La Barca” (Luis Miguel), tema de Maria e Ricardo executado à exaustão.

O último dos 178 capítulos de Deus nos Acuda foi ao ar em 26 de março de 1993 e a novela foi reprisada inesperadamente na sessão Vale a Pena Ver de Novo num compacto exibido entre 8 de novembro de 2004 e 25 de fevereiro de 2005. Inesperadamente porque a reprise teve início mais de doze anos depois da estreia original, ao contrário da regra da sessão que é da exibir em geral novelas recentes de três ou quatro anos atrás. Seria interessante uma nova reprise no Viva, pois ainda que esta não tenha sido das novelas mais queridas do autor como Guerra dos Sexos (1983), Cambalacho (1986) ou mesmo Sassaricando (1987/88), a história inventiva e as boas atuações do elenco valeriam o ingresso.

P.S.: Afinal de contas, o "Leão" era Eugênia, que de santa nada tinha e comandava um esquema criminoso junto de Heitor. Tendo Eugênia morrido, Elvira mantinha a alcunha e prosseguiu com as operações. Mas essa já é uma história...

3 comentários:

  1. Fabio Costa seu Hobbie virou Trabalho e isso deve ser uma Delicia Parabéns desta sua amiga que sempre te admirou muito !!!

    ResponderExcluir
  2. A abertura do Hans Donner recebeu um prêmio internacional e alçou o austríaco, a um dos melhores do mundo. Com toda essa ideia maravilhosa, infelizmente, DEUS NOS ACUDA não fez tanto sucesso na época.

    ResponderExcluir
  3. Vi essa novela quando passou no Vale a pena ver de novo, não perdia nenhum capítulo, me apaixonei pela história. A protagonista tinha o mesmo nome que eu :). Era uma novela divertida. Eu amava a trilha sonora e a abertura.
    Até que no dia do último capítulo, a energia elétrica acabou onde eu morava por causa de uma chuva com trovoada; não pude ver o último capítulo e fiquei muitoooooo desapontada com isso; na época não tinha acesso a internet para poder pesquisar sobre o final da novela.
    Pelo menos agora sei quem era o leão.
    petalasdeliberdade.blogspot.com

    ResponderExcluir