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quinta-feira, 26 de junho de 2014

Malévola e a desconstrução do maniqueísmo



Por Henrique Domingos de Melo

Ora, ora... Aos meus poucos e fiéis leitores, tenho a felicidade de dizer que voltei. Pois é, a vida anda corrida, mas aproveitei que estou de férias da faculdade para dar o ar de minha graça por aqui – numa aparição estilo “Malévola chegando ao batizado da princesa Aurora”.
O impressionante em Malévola é que o filme conseguiu criar raízes sólidas na cultura mainstream antes mesmo de seu lançamento. Graças a uma divulgação massiva, é claro, e a popularidade que ganhou nas redes sociais, gerando uma infinidade de gifs, comentários com foto, pages e enfim.  O que imagino ter sido essencial neste alvoroço pré-estreia, foi a presença de Angelina Jolie interpretando o clássico personagem da Disney.  Até mesmo sua caracterização, muito exuberante, foi inspirada na personagem homônima da animação da década de 50, alimentando a curiosidade dos nostálgicos e caindo no gosto da comunidade LGBT, que adora adotar uma vilã para chamar de sua.

É exatamente o vilanismo de Malévola que pode decepcionar alguns, pois ele simplesmente não existe nesta nova versão. Quer dizer, não da maneira alegórica em que é retratado em A Bela Adormecida. A personagem-título é uma fada boa, forte e destemida que sofre uma traição por parte de Stefan, seu amor de adolescência, sendo este o verdadeiro antagonista da história. Uma das referências mais cult do filme é quando ela perde as asas e se torna um ser obscuro e amargurado. Não sei se alguém além de mim notou a semelhança com Lúcifer, o anjo caído, mas achei a conotação bíblica fortíssima. Além dos chifres, que sempre lhe deram uma aparência diabóica, a perda das asas significou a queda de Malévola em um “inferno pessoal”, presente na passagem em que ela transforma o reino dos Mors em um lugar sufocante, tal como seu estado de espírito.

Não estou levantando nenhuma teoria da conspiração contra a Disney, pelo contrário, pois ninguém melhor do que Deus e o Diabo para servir como parâmetro em um filme que questiona a fragilidade entre o bem e o mal. Neste ponto a produção está de parabéns, pela forma como mergulha na desconstrução de maniqueísmos que nos acomodaram desde a infância. As três fadas boas, por exemplo, mostram-se negligentes no cuidado com Aurora, competitivas, invejosas, bajuladoras e rancorosas. Longe do exemplo de virtude de versões anteriores. Rei Stefan também não é mais o pai zeloso dos contos de fadas, mas um rei ambicioso e paranoico (que agride fadas e a própria filha, cadê a Maria da Penha numa hora dessas?).




O príncipe encantando deixa de ser o herói da história e não serve nem para salvar a princesa. Parece mais um adolescente pervertido que sai por ai beijando donzelas amaldiçoadas, coagido por três fadas atrapalhadas. E Aurora cumpre seu papel de princesa sem graça, andando feito uma tonta pelo castelo atrás de espetar o dedo em uma agulha.


Como não sou crítico de cinema, quis deixar aqui minhas impressões sobre a mensagem do filme. Que os vilões talvez não sejam tão maus, mas apenas injustiçados pela vida. Que o amor verdadeiro existe e, às vezes, parte de onde menos esperamos. Talvez você fique decepcionado com a história, mas não poderá deixar de negar que ela propõe uma grande reflexão.  

Um comentário:

  1. Henrique
    Totalmente válido seu texto. Mas precisamos lembrar que estamos falando de uma vilã construída pelo alicerce Disney. Só por isso, não poderíamos esperar uma história onde o mal reinasse, afinal, esse não é o seguimento da empresa que vive de alimentar os sonhos infantis (mesmo nos adultos).
    Acho muito válido a reconstrução que os cineastas se propõe a fazer dos contos de fadas que até então conhecíamos somente por um ponto de vista. Acho interessante olhar para essas histórias de uma outra maneira. Por isso assisto tudo que fazem em relação a este tema. Acompanho desde campanhas publicitárias, como a da Melissa, que brilhantemente envolveu as histórias infantis com seu produto, e criou umas das campanhas mais bonitas que já vi, até as grandes produções Hollywodianas que recontam essas histórias, como A garota da capa vermelha, Espelho, espelho meu e Malévola, sem esquecer da extraordinária sério Once upon a time.
    Mas voltemos a Malévola:
    Partindo do ponto de vista que o filme é feito para crianças, num mundo onde as crianças aprendem cada vez mais a se tornarem vilãs, uma vez que o materialismo as torna egoístas e mesquinhas, porque não mostrar que uma vilã também tem coração?
    Porque não mostrar que as feridas que nos causam podem sim nos levar por caminhos errados e por decisões incorretas? Claro, ressaltando que sempre é tempo de se arrepender.
    Malévola, assim como todos os filmes da Disney é feito para crianças, mas principalmente para as crianças que já cresceram e que vivem dentro dos adultos que andam por ai a construir esse planeta.
    Pra quem consegue enxergar além do roteiro, avistará uma sublime mensagem de que todos temos direito ao amor, ainda que o coração esteja partido. Avistará a vitória do bem sobre o mal, mas não um mal distante, existente no outro, mas o mal que habita em nós.
    Interessante a inversão de valores que você ressaltou muito bem, onde as fadas sentem inveja e onde o rei é tirano. Podemos deduzir disso tudo, o que há muito tempo já sabemos: existe o mau e o bem dentro de nós, independente do que somos ou de onde estejamos. Cabe a cada um escolher qual deles dominará nossas palavras e atitudes.
    Profissionalmente falando, acho o roteiro cheio de falhas, mas humanamente analisando, acho ele cheio de mensagens positivas.
    Jolie fez seu trabalho. Pra mim, sem grandes elogios, um pouco mais do mesmo. Mas acho a tão linda que ainda que entrasse muda e saísse calada, estaria valendo.
    Clássica a cena que surge no batizado da princesa. Mas minha preferida é a que cavalga sobre um cavalo negro, tendo ao fundo um por do sol encantador.
    Final previsível, mas muito válido.
    Acho o filme gostoso de assistir. Os efeitos especiais ganham o telespectador e a história pode agradar sim, desde que se saiba olhar através do óbvio.

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