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quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O PARADOXO DA OUSADIA!

por José Vitor Rack

“O problema não é a falta de autores, mas é a idade do veiculo. A televisão é mais jovem que os possíveis autores. Todo mundo que escreve sabe escrever ficção. Quando começam a se exercitar como escritor fazem poesias, contos ou ousam até partir para um romance, daí para uma coisa mais complexa como roteiro de cinema ou teatro. As escolas ensinam dramaturgia, mas ninguém que escreve sentou um dia e disse: ‘Vou escrever uma novela de 160 capítulos, 20 páginas por dia’. A novela é uma obra aberta e de conhecimento imediato. Tem que ter a reação do público, atores, diretor, para dar continuidade. Na verdade só se aprende fazendo.”


Mario Prata disse isso que está aí em cima em 1977, numa entrevista para o jornal O Globo. Quando ele se afastou de BANG BANG, sua última novela escrita para a TV Globo entre 2005 e 2006, ele deu uma entrevista dizendo que, em poucos anos, todos os autores de telenovelas estariam mortos, ele incluído. Quem escreveria novela quando isso acontecesse?

Ainda machucado pela rejeição do público e pelo problema de saúde de que estava sofrendo, Prata falava algo extremamente importante e, na época, ainda pouco discutido. O maior produto de cultura de massa do país estaria fadado à falência por falta de autores. Analisando sua declaração de 1977, percebe-se que há coerência entre os discursos.

De 2006 pra cá muitos autores novos foram alçados à condição de titulares. Os mais otimistas podem dizer que o alerta de Mario Prata era exagerado, e já temos ótimos roteiristas fazendo o trabalho que antes era exclusivo de poucos e cansados autores.

Os mais realistas, entre os quais me incluo, enxergam um panorama um pouco diferente. Sendo claro, quero dizer que não considero a promoção de colaboradores à condição de autores titulares uma renovação. O nome disso é promoção. Promoção é coisa para repartições públicas, empresas burocráticas onde o cara que é digitador é alçado à condição de chefe de seção.

Renovação foi o que a televisão fez nos anos 60 e 70 do século passado, onde foi buscar no teatro, no jornalismo, no cinema e na literatura os homens e mulheres que transformaram o folhetim tupiniquim num produto absolutamente genial.

Bráulio Pedroso e o próprio Mario Prata escreveram suas primeiras novelas sem nem ao menos terem visto uma antes. E o que saiu? Beto Rockfeller e Estúpido Cupido, verdadeiros clássicos da cultura brasileira. Aguinaldo Silva saiu direto do jornalismo para a TV e fez alguns dos maiores sucessos de audiência de nossa história. Glória Perez escreve em pé, não faz escaleta e nem tem ajudantes. E é quem é. Gilberto Braga era crítico de cinema.



Alguns diriam que eram outros tempos. Concordo.

Outros ressaltam a necessidade de se ter cautela ao investir milhões de reais em um produto escrito por alguém inexperiente. Essa ressalva também faz muito sentido, apesar de lá haverem muitos autores experientes para supervisionar novos autores, além de legiões de roteiristas contratados para auxiliá-los na criação dos capítulos.

O que eu acho que é inegável é que sem a ousadia não existe sucesso. E sem sucesso, não haverá mais milhões a serem investidos. A televisão deve arriscar para seguir lucrando. Esse paradoxo é inquestionável. Como o Prata disse em 1977, só se aprende fazendo.

Montar uma oficina de autores, contratar os melhores e colocá-los para serem colaboradores dos autores mais velhos é algo que realmente tem a sua função e valor. Insisto, isso não é renovação. Oficinas de roteiro formam roteiristas. E a condução de uma telenovela exige muito mais do que técnica.

Novela precisa de autor. Um autor brilhante aprende roteiro em duas semanas. Um roteirista burocrático jamais aprenderá a ser um grande autor.

As coisas não são excludentes, óbvio. João Emanoel Carneiro é um brilhante roteirista, técnico, que tem a verve de autor. E como ele existem outros. Mas imaginar que escolas de roteiro possam resolver a demanda de ficção que nossa televisão tem é algo que escapa à minha compreensão.

Escalar uma novela simplesmente por ser de um autor experiente e que sabe todos os macetes está se tornando completamente desestimulante. Deveriam ser escalados os melhores projetos. Os que contemplem cautela e ousadia em medidas equivalentes. Há espaço para grandes autores, para grandes roteiristas e para alguns gênios que conjuguem as duas habilidades.

Gostaria de salientar que a nova novela das 18 da Globo, Lado a Lado, meio que segue esse projeto que defendo. Afinal, Cláudia Lage e João Ximenes Braga são realmente autores novos, com pouquíssimo tempo de casa e que saíram do teatro e do jornalismo. Espero que o sucesso da novela estimule a casa a voltar às suas origens, quando produzia as melhores telenovelas do mundo.


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3 comentários:

  1. Excelente postagem, Zé... concordo principalmente aqui "Escalar uma novela simplesmente por ser de um autor experiente e que sabe todos os macetes está se tornando completamente desestimulante. Deveriam ser escalados os melhores projetos.".

    Até o próximo, querido!

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  2. Zé Vitor....sempre essa discussão, né? gostei da parte que vc fala que a promoção de colaboradores não é necessariamente uma renovação, mas concordo em partes, pois pequenas revoluções ainda estão sendo feitas, pelo que noto com os autores de lado a lado( novela que merecia um título menos esquecível) que com certeza traz o requinte e o cuidado de se falar de história ao lado do folhetim, pelo menos eu espero um pouco isso, mesmo com medo da rejeição do público.
    Com essa profusão de remakes não sei dizer qual a última novela que revolucionou a teledramaturgia, talvez lembre de história de amor, o cotidiano ( até exagerado por vezes) no horário das seis e tb gostaria de saudar autores que podem não ter chegado lá como Bosco Brasil mas que trouxe uma ideia boa a qual talvez ido pra um horário errado com sua Tempos Modernos, se bem que a novela tinha problemas mesmo nas histórias paralelas. Adorei o texto e a ideia.

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