Raio Laser - 2º Capítulo

RAIO LASER

NOVELA DE DAVI VALLERIO E ALEX SPINOLA

ESCRITA POR ALEX SPINOLA

CAPÍTULO 02

CENA 01. IGREJA DA SALVAÇÃO. SALÃO. INTERIOR. DIA

Continuação imediata da última cena do capítulo anterior. Lídia ali, petrificada, diante Lauro e Sidney, nus e estirados diante o altar. Confusão. Sebastião zanzando de um lado para o outro, aparvalhado. Lauro a despertar de seu sono profundo. Eva controla Lídia, que tenta ir ao encontro do noivo. Sidney também dá sinal de vida. Amanda e Orlando entram na igreja. Ele, atônito com a cena, arranca o paletó e joga sobre Lauro. Padre Manoel trata de encostar a porta de entrada e acena para Amanda. Ela entende e trata de vigiar para que ninguém mais entre.

ORLANDO: (furioso) Lauro, que merda é essa?!

PADRE MANOEL: Seu Orlando, olha o linguajar, pelo amor de Deus!

SEBASTIÃO: (se aproxima) Eu é que pergunto, prefeito: que merda é essa?!

LAURO: (grogue, tentando entender) O que, pai?

Beto e Neco entram.

BETO: (correndo até Lauro) O quê que é isso, gente?!

Neco por ali, achando graça. Lídia livra-se de Eva e se joga sobre o noivo.

LÍDIA: O que aconteceu, Lauro? Fala! Anda!

LAURO: Eu não sei, não sei... Não consigo lembrar... Minha cabeça tá rodando.

Lídia olha ao redor, perdida, tentando entender. Eva num canto, apreensiva, vai saindo de fininho. Sebastião percebe e chega junto.

SEBASTIÃO: (pega no braço dela) Tá indo pra onde, Eva? Faça alguma coisa, vai lá, arranca a Lídia daqui! A gente tem que dar um jeito de se afastar desse escândalo. Escândalo pega, e pega feio.

EVA: (gaguejando) O quê que você quer que eu faça?

SEBASTIÃO: (encafifado) Tô te estranhando, mulher! Uma situação dessas, e você aí, parada igual uma estátua... Espera aí, você tem alguma coisa a ver com isso? Você nunca quis esse casamento, vivia falando da fama do Lauro...

EVA: (volta a si, ríspida) Eu não tenho nada a ver com isso, mas o resultado tá aí! Eu sempre estive com a razão!

CORTA PARA:

CENA 02. FACHADA DA IGREJA DA SALVAÇÃO. EXTERIOR. MANHÃ

Convidados em polvorosa. Uma boa corja de CURIOSOS também por ali. Sofia de ouvido colado na porta. João do Facão faz o mesmo. Ela o repele.

SOFIA: Sai daqui, seu abelhudo! Maldito fedor de pinga, molambo dos infernos!

JOÃO DO FACÃO: Sou convidado igual você, velha metida à besta! (para a corja de curiosos) Olha, cambada, a dona Sofia tá encobrindo o forrobodó que tá acontecendo dentro da igreja! A igreja é ou não é do povo? A gente tá aqui fazendo papel de palhaço? Que merda é essa? Simbora invadir!

CORJA DE CURIOSOS: É isso ai!!!

Sofia tenta impedir a tomada da igreja, mas é atropelada pela corja, que a deixa estatelada no chão.

CORTA PARA:

CENA 03. IGREJA DA SALVAÇÃO. SALÃO. INTERIOR. MANHÃ

Abrimos com o romper da porta de entrada. Amanda voa longe. A corja de curiosos, liderada por João do Facão, toma o salão. Lauro, coberto pelo paletó de Orlando, levanta-se com a ajuda de Beto e Lídia. Eva, percebendo o circo que acabou de se formar, aproveita para assumir o papel de mãe de família ultrajada.

EVA: Tá aí, agora todo mundo pode ver porque eu era contra esse casamento!

LÍDIA: Mãe, para com isso!!!

EVA: (dirige-se aos curiosos) Olhem bem! Vejam se eu não tenho razão! Essa não é a primeira vez que ele apronta, e vocês todos sabem disso!

ORLANDO: Cala essa boca, sua doida! (para o padre) Padre Manoel bote essa cambada pra fora daqui, já!

Padre Manoel, totalmente apatetado, zanza pelo salão, tenta dissipar a multidão. Tudo em vão.

EVA: (teatral) Vocês estão vendo? Vejam o prefeito, tentando encobrir os desmandos do filho dele!

Orlando saca de um revólver. Atira para o alto. Tumulto. Gritaria.

LAURO: (desespero) Não, pai!!!

Orlando parte para cima de Eva. Sebastião tenta contê-lo, mas levo um soco, que o faz perder o rumo. Neco trata de acudi-lo.

ORLANDO: (toma Eva pelo pescoço) Eu te mato, sua vagabunda!

BETO: (separando Orlando de Eva) Não faz isso, seu Orlando! Calma, pelo amor de Deus!

EVA: (para a corja de curiosos, olhar de súplica) Vocês estão vendo quem é esse monstro? Ele tentou me matar!

JOÃO DO FACÃO: Covardes! Imundos!Emporcalhando a casa de Deus! Esses cabras têm que morrer!

As palavras de João do Facão ganham força, e logo se transformam num coro assustador, a ecoar por toda a igreja e também fora dela:

CORJA DE CURIOSOS: Lincha! Lincha! Lincha!

Sebastião, Lídia, Amanda e Beto se assustam. Tentam contornar, mas suas falas são tragadas pelo rugir da massa. Afastada, Eva controla Sidney, impedindo-o de sair.

SDNEY: Mãezinha, eles vão machucar o Lauro! Não deixa, mãezinha, não deixa!

EVA: Calma, filhinho! Isso não vai dar em nada, viu?

CORTA PARA:

CENA 04. PRAÇA PRINCIPAL DE TORRENTES. EXTERIOR. DIA

Multidão ensandecida. Lauro e Orlando arrastados por alguns HOMENS. Sebastião na tentativa inútil de contê-los. Aos prantos, Lídia acompanha a via-crúcis do noivo. Eva procura conter o ataque de fúria que se abateu sobre Sidney. Mesmo grogue, ele tenta falar. Incrédulos, Neco e Beto acompanham a cena dantesca, ao passo que Sofia Emerenciana se afasta, à francesa.

NECO: Isso vai acabar num banho de sangue!

BETO: Já foram longe demais!

AMANDA: (chega, esbaforida) Eu já chamei os homi!

BETO: Fez bem, amor! Simbora, Neco, ganhar tempo com esse bando de doidos!

Beto e Neco afastam-se até seus cavalos e pegam suas espingardas que estão presas às celas. Neco dispara para o alto. O tiro faz a horda ensandecida se dissipar. Beto resgata Orlando e Lauro das garras de seus algozes. A pífia brigada policial da cidade se apresenta.

CORTA BRUSCO PARA:

CENA 05. PREFEITURA DE TORRENTES. INT. MANHÃ

Neco e Beto trancafiam as pesadas portas de madeira. Orlando zanza de um lado para o outro, furioso. Pálido, Lauro senta-se num canto, encolhido, assustado.

BETO: Aqui ninguém entra!

NECO: Será que esses guardinhas de merda vão dar conta?

BETO: Logo chega o reforço lá de Alecrim! Ninguém vai ser doido de se meter com tanto meganha assim!

NECO: Duas horas até chegar aqui! Não viaja, Beto! A coisa ainda pode feder!

Amanda chega, traz as roupas de Lauro.

BETO: Ué, veio por onde, Amanda?

AMANDA: Pelos fundos, ora! Acho que o povo que trabalha aqui se chispou tudo lá pra praça. Deixaram tudo aberto! Já tranquei tudo por lá! (entrega as roupas pra Lauro) Toma, Laurinho, se veste!

LAURO: (se vestindo) E a Lídia? Cadê a Lídia?

AMANDA: Me perdi dela, não sei. Acho que não deixaram entrar!

CORTA PARA:

CENA 06. PRAÇA PRINCIPAL DE TORRENTES. CORETO. EXT. DIA

Convidados da festa dispersando. Corja de curiosos por ali, já munida de paus e pedras. JOÃO DO FACÃO usa o coreto como palanque.

JOÃO DO FACÃO: É isso, meu povo: a gente não pode mais aturar os desmandos desse prefeito de merda e do viado do filho dele! Chega!  A gente vai deixar isso barato?

CORJA DE CURIOSOS: Não!!!

JOÃO DO FACÃO: Então, simbora invadir o ninho do rato!

CORTA PARA:

CENA 07. FACHADA DA PREFEITURA DE TORRENTES. EXT. DIA

Lídia ajoelhada diante a pífia brigada policial da cidade. Vestido de noiva já todo alanhado, sujo. Sebastião vem ampará-la. Eva afastada deles, ainda mantém Sidney preso em seu abraço.

LÍDIA: (para os policiais) Por favor, me deixa entrar!

POLICIAL: Pode não moça!

SEBASTIÃO: (abraçando) Calma, meu amorzinho! Não vai acontecer nada não, viu?

Chegam João do Facão e sua corja de curiosos. Lídia os encara, furiosa.

LÍDIA: (levanta, sai do abraço dele) Não vai acontecer nada, Bastião? Então bota essa corja pra correr daqui!

Tensão no ar. NUVENS NEGRAS e fantasmagóricas se formam no céu. Um vento forte começa a soprar.

CORTA PARA:

CENA 08. PREFEITURA DE TORRENTES. GABINETE. INT. DIA

Orlando entra em seu gabinete, desaba numa cadeira diante sua mesa e deposita seu revólver sobre ela. Lauro atrás dele.

LAURO: Pai, me escuta, eu não tenho nada a ver com isso, eu juro!

ORLANDO: (explode) Mentiroso! Desgraçado!

LAURO: Pai!

ORLANDO: (pega um panfleto) Não tem nada a ver com isso não, seu débil mental? Então me explica: o que é isso?! Explica!

LAURO: Isso é coisa minha sim! O senhor sabe das nossas diferenças de pensamento, mas aquele lance da igreja... Eu não tenho nada a ver com aquilo, eu não me lembro de nada!

ORLANDO: Não se lembra de nada? Mentiroso! Não me venha com essa! Você tá vendo o tamanho da merda que fez, e agora tá querendo tirar seu corpo fora, isso sim!

LAURO: Tô falando sério, pai!

ORLANDO: Falando sério, seu moleque?! Desde quando você sabe falar sério? Você nem sabe o que é a vida, sempre teve tudo de mão beijada, do bom o do melhor! Esse mundo de mentira, toda essa baboseira que você acredita, nada disso existe!

LAURO: Você é que vive num mundo de mentira, pai! Essa ditadura que o senhor defende com unhas e dentes tá morrendo! O senhor só não enxerga a verdade porque não quer!

ORLANDO: (pega o revolver e aponta para Lauro) Olha pra onde a sua maldita verdade trouxe a gente! Olha!

LAURO: (assustado, se afastando) Abaixa essa arma, pai! Para com isso!

ORLANDO: (olhar vidrado) Eu tô acabado!  Você me enganou! Pensei que o casamento com a filha daquele casal de pilantras fosse botar algum juízo dentro dessa sua cabeça de vento, mas nada disso aconteceu! Você continua igual, você continua pior!

Orlando puxa o gatilho, o tambor gira. Pânico nos belos olhos azuis de Lauro.

CORTA PARA:

CENA 09. RUA DA PREFEITURA DE TORRENTES. EXT. DIA NEGRO

Estranhamente o dia virou noite. Vento a soprar cada vez mais forte. Raios rasgando as nuvens negras. Caos. Correria. A corja de curiosos começa a se dispersar, mas João do Facão os chama na chincha.

JOÃO DO FACÃO: Nada de arredar pé daqui, cambada! Tão com medo de uma porcaria de ventania? Ninguém é macho aqui, não?

A corja fica por ali. Sebastião a arrastar Lídia para o interior da sua caminhonete preta, ela faz finca pé, mas ele vence o embate e a trancafia na parte traseira do veículo. Sidney se livra de Eva, vai ter com pai. Sebastião o intercepta no meio do caminho. Tensa, Eva o alcança também.

SEBASTIÃO: (para Sidney) Vem cá você também, Sidney! Não adianta nada você e a Lídia ficarem por aí! Vamos embora!

SIDNEY: (com aquele jeitinho lento dele de falar) Pai, me escuta! O Lauro não teve culpa, eu sei!

SEBASTIÃO: (pega Sidney pelo braço) Não é hora de falar disso! Vem comigo! Você é vítima, ele abusou de você!

EVA: (chega junto) Leva ele daqui, Bastião! Ele é doente, não sabe o que fala.

Sidney consegue escapulir.

CORTA PARA:

CENA 10. PREFEITURA DE TORRENTES. GABINETE. INT. DIA NEGRO

Lauro diante a mira de Orlando, que está alucinado, tomado pela vergonha dos últimos acontecimentos. Para um homem como ele, isso é insuportável.

LAURO: Vai, atira logo, seu Orlando!

Orlando sorri. Notamos nele um olhar de demência, encharcado de lágrimas. Lauro o encara, suspira fundo.

ORLANDO: Não, eu te quero vivo, pra aprender a ser homem. Eu te quero vivo pra conviver com isso.

CÂMERA LENTA. Orlando engole o cano do revólver. Lauro precipita-se, para impedi-lo. Orlando aciona o gatilho.

CORTA BRUSCO PARA:

CENA 11. RUA DA PREFEITURA DE TORRENTES. EXT. DIA NEGRO

O dia ainda se faz noite. A ventania a açoitar tudo o que encontra pela frente. O som do disparo ecoa ao mesmo tempo em que as pesadas descargas elétricas rasgam o céu. Todos ali, parados, à espreita do pior. Lídia trancafiada na caminhonete preta. Sebastião leva as mãos à cabeça, vai saindo, na surdina. Eva zanza a procura de Sidney. O garoto se mistura à pífia brigada policial da cidade, que agora tenta arrombar as portas da prefeitura. Um dos POLICIAIS o empurra violentamente. Sidney cai, bate com a cabeça e desmaia.

CORTA PARA:

CENA 12. CASA DE SOFIA. SALA. INTERIOR. DIA NEGRO

Tensão. Sofia ao telefone, já discando. Misteriosa, aguarda o completar da chamada.

CORTA PARA:

CENA 13. FACHADA DA PREFEITURA DE TORRENTES. EXT. DIA NEGRO

A pífia brigada militar recuando do interior do prédio da prefeitura. Neco, Beto e Amanda surgem ao lado de Lauro. Transtornado, ele fecha os olhos e cai de joelhos. INSERÇÃO DE FLASHBACK: Lauro revive momentos fragmentados da noite passada: Eva o assediando, a chegada de Sidney, Eva rodopiando pelo salão, obrigando-os a beber e a engolirem os compridos. FIM DO FLASHBACK. Lauro abre os olhos. Tudo está vivo em sua memória agora.

CORTA RÁPIDO PARA:

CENA 14. FACHADA DA PREFEITURA. ESCADARIA. EXT. DIA NEGRO

O dia ainda travestido de noite.  CÂMERA LENTA. Eva socorrendo Sidney. Do interior da caminhonete preta, Lídia vê o noivo. Mesmo no auge do desespero, ela ainda consegue sorrir. Nesse ponto da cena, entra um dos temas românticos do casal de pombinhos: “ENDLESS LOVE”, do Lionel Ritchie e Diana Ross. Tempo nos olhos esperançosos de Lídia, e também na emoção derramada da canção, que vai se esvaindo quando voltamos para os olhos de Lauro, injetados de ódio, a encarar Eva Juarez. Isso a deixa sem chão, ela sabe que está perdida agora.

CORTA PARA:

FIM DO CAPÍTULO 02.

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