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quarta-feira, 3 de outubro de 2012

MALDITO FILHO BASTARDO

por José Vitor Rack


“Não sou irresponsável de pegar uma verba de milhões de dólares, uma equipe de trezentas pessoas e só me preocupar em fazer uma coisa que me agrade, sem levar em conta o gosto dos outros. Mas também não quero fazer concessões que me desagradam. Apesar de toda a técnica e todo o respeito que tenho pelo gosto do público, não vejo graça em escrever uma novela que eu não goste de ver como telespectador. Tento, portanto, fazer esse encontro entre meu gosto e o do público. Não vejo graça em trabalhar e não ver a novela. Sei o que funciona - novelas simples, com um conteúdo claro, maniqueísta, onde o mocinho é assexuado, a mocinha um protótipo de santa e uma vilã que cospe fogo ajudada por um homem banana, mas muito ambicioso. Espero honestamente que outros tipos de narrativa também funcionem.”

Carlos Lombardi

Os leitores do Posso Contar Contigo provavelmente já notaram que sou um tanto quanto crítico quanto à situação de mesmice da maior parte dos produtos de teledramaturgia na TV brasileira. As novelas são as mais afetadas pela falta de novidade e de ousadia.

Desde o início as telenovelas se apóiam nas regras do folhetim do século 19, usando e abusando dos clichês e truques de narrativa para conquistar a audiência. São as cartas perdidas, as heranças disputadas, os gêmeos idênticos, casamentos arranjados por conveniência das famílias... Esse tipo de coisa ainda hoje é marca do bom e velho folhetim. É bom dizer que não há absolutamente nada de errado nos clichês, são necessários para manter a linguagem do produto e, bem utilizados, realmente são irresistíveis.

Todavia eu concordo inteiramente com um dito popular que afirma ser unicamente a dosagem a diferença entre o remédio e o veneno.

Outro dia vi uma cena na reprise de Chocolate com Pimenta que me deixou absolutamente atônito. Numa sala de sua enorme casa, Ana Francisca tentava convencer  Bernardo a perdoar a mãe que o havia dado para adoção. Bernardo ainda está ferido por ter sido rejeitado por Jezebel, mãe adotiva que ele julgava ser verdadeira. Comovida pela situação, a empregada de Ana Francisca também confessava ser uma mãe que abandonou seu rebento, declarando seu amor e pedindo perdão à menina Darlene. Assistindo aquele show de arrependimento e pieguice, Danilo e Tonico. Pai e filho que não sabiam desse laço até outro dia. Ou seja: na mesma cena, três filhos bastardos (Sendo que Bernardo pode ser considerado um bastardo duplo, rejeitado pela mãe biológica ao nascer e pela mãe adotiva. E com o agravante de ter sido criado como menina).


Mas Walcyr não parou por aí. Na novela havia ainda a ex-prostituta dona de hotel que era mãe de um jovem advogado. O pai é um cliente que nem ela sabe dizer quem. Não me lembro se haviam outros, mas até aqui já são quatro filhos bastardos na mesma novela. Nem preciso ficar contando muito mais para defender minha tese.

É um clichê típico de folhetim, válido e justo. Mas repetido QUATRO VEZES na mesma história? Os autores se socorrem sempre de viradas de trama como esta quando a novela não vai bem de audiência ou quando enfrentam problemas de produção. Não era o caso de Chocolate com Pimenta, sucesso retumbante da faixa das 18hs.

É um exagero que não se justifica. Só cansa.

Há um atenuante para a novela. Na época em que ela se passava as mulheres tinham extrema dificuldade de enfrentar a vida com seus filhos. Os homens dominavam completamente o mundo do trabalho. Isso dá uma relativa verossimilhança à trama. Mas bastaria uma única história como esta para que essa informação fosse passada. Quatro é demais.

Entendam que não estou cobrando nenhuma ruptura com o folhetim nem uma ousadia vanguardista fora da realidade. Estou fazendo apenas e tão somente um convite ao bom senso. Exagero nunca é bom.

Baila Comigo de Manoel Carlos é uma novela apoiada num dos clichês mais clássicos da história da dramaturgia: gêmeos separados ao nascer. Mas o clichê residia aí e tão somente aí. O tratamento da história era completamente livre de receitas fáceis e preguiçosas. O mesmo se deu em várias outras novelas. Histórias em que o autor se serviu dos clichês para embasar a originalidade do que estavam propondo. Clichê é alicerce, é estrutura.

Quando ele se torna o único recurso, a coisa fica feia.


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5 comentários:

  1. Muito boas as observações! O autor está de parabéns!

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  2. Não concordo que Walcyr tenha exagerado, não foi um bom exemplo esse de exagero maniqueísta do clichê, afinal as 4 histórias eram pequenas dentro da trama, exceto a do filho da protagonista com o mocinho da história que teve um pouco mais de destaque e em nenhum dos núcleos a pieguice tomou conta, talvez o drama da prostituta e da empregada negra tenham tido mais momentos de dramalhão, mas mesmo assim bem atenuados, da próxima vez procure um exemplo melhor de pieguice ao extremo, como em Malhação onde em 2001 o mocinho interpretado por Iran Malfitano era tão romântico que parecia viver em um conto medieval escrito por algum autor tão fantasioso quanto ele.

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  3. Gostei do texto, José, e concordo! Esse exagero nos clichês é o que tem me feito trocar as novelas pelos seriados estrangeiros, que embora também possuam seus clichês próprios, seus realizadores parecem ter mais noção de quando é oportuno utilizá-los ou evitá-los.

    Um abraço!

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  4. "É um exagero que não se justifica. Só cansa." Concordo, Zé!

    Mais uma crítica pertinente. Até a próxima!

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