Por Ana Paula Calixto
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"Uma relação como essa entre Baltazar (Alexandre Neto)
e Celeste (Dira Paes) é muito mais comum do que se pensa."
[Aguinaldo Silva]
Sim, ilustríssimo, mas retratar o espelho dessa realidade não é nada fácil! Contudo, desde já desejo-lhe muita luz para que se expanda ainda mais seu brilhantismo.
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A violência é um fenômeno que atua em contramão a toda forma de progresso de uma sociedade. Uma força contrária que existe desde que o mundo é mundo. Ela invade todas as brechas da comunidade, não podendo se definir se sua origem é do mundo externo ou do interior dos nossos lares que, por mais “perfeitos”, não se encontram imunes a tal mazela.
A mídia se constitui como o maior veículo de informação nos tempos contemporâneos: fato. Contudo, certos temas a serem abordados nos folhetins televisivos requerem uma habilidade excepcional dos autores. Um deles é o da violência, mais especificamente, da classificada violência doméstica contra mulher. Após as novelas “Mulheres Apaixonadas” e “A Favorita”, a temática da violência contra a mulher volta à tona na novela das nove, “Fina Estampa”.
Antes de avançar no desenrolar da atual trama da novela das “oito” na Globo, aproveito o ensejo desse texto para abordar o tema violência, com o intuito de esclarecer a diferença entre algumas manifestações dela.
Há dois tipos de manifestação de violência que precisam ser diferenciados e compreendidos: violência urbana e violência doméstica.
E como diferenciar uma da outra?
1. A violência urbana se caracteriza por toda forma de violência em que a vítima não possui um vínculo afetivo com o agressor. Ex.: a vítima está andando em uma rua, a caminho de casa, é abordada por um estranho e é estuprada.
2. A violência doméstica se caracteriza pela presença de vínculo afetivo pré-existente entre vítima e agressor. Ex.: um vizinho estabelece uma relação com os pais de uma criança que mora perto de sua casa, e após ganhar confiança da família e da criança a atrai e a estupra.
Portanto, entenda-se como vínculo afetivo não só uma relação estreita, ou, um relacionamento amoroso, ou um vínculo parental. Mas, toda forma de contato entre agressor e vítima onde os mesmos já estabeleceram um convívio, permitindo que entre ambos exista uma troca de informações que facilitem o acesso do agressor à vítima e sua família. Assim, tais laços englobam além do sentimento de violação em toda sua complexidade decorrentes da vitimização, mas também sentimentos relacionados à violação afetiva de ter sido traído por alguém em quem se depositava uma confiança, ela seja em que nível for.
Especificamente, a violência doméstica contra a mulher, a qual está sendo retratada em Fina Estampa, envolve todas as formas de violência contra o seio familiar, praticamente. Pois, ela atinge o primeiro objeto de amor de todo e qualquer ser humano: a mãe. A qual se apresenta enfraquecida, debilitada, mentalmente problemática, não fornecendo uma representatividade saudável da figura materna para seus filhos, muitas vezes ainda em formação/desenvolvimento psicossexual. E eles serão os futuros pais e mães em nossa sociedade. Essa mulher traz à tona um perfil psicológico de alguém que já apresenta em suas raízes algo que a colocou em sua situação de dependência emocional grave, não só financeira, de modo que ela não consegue enxergar a vida sem o algoz. Este, por sua vez, representa para ela a figura "protetora" que ela conheceu como ideal e, ela para ele, representa o objeto dominante no qual ele pode exacerbar toda a sua agressividade - a sua maior e, talvez única, forma de exercer o poder em toda sua magnitude possível.
Fina Estampa está "mexendo" em uma “casa de abelhas”! Uma vez que a violência contra mulher desperta revolta do público para os dois lados da questão: o agressor e, também, a vítima. Esta passa, depois de certo tempo, a ser vista como seu próprio algoz, revertendo erroneamente os papéis. Visão compreensível, mas errada e que não contribui em absolutamente nada para solução do problema. Sem esquecer de um fenômeno muito frequente em mulheres vítimas desse tipo de violência: a revitimização. Termo usado para conceituar não só a vivência repetida da violência sofrida pela reprodução do ato, mas também pela reprodução verbal "infinita" que a vítima se vê obrigada a fazer numa verdadeira peregrinação pela rede de atendimento, sofrendo chacotas e discriminação muitas vezes, aumentando ainda mais sua dependência emocional e seu aprisionamento mental pelo agressor.
O que se espera de Fina Estampa é que seus autor e co-autores tenham a habilidade de construir bem a evolução dos personagens envolvidos nesse tema da trama, os quais não são poucos, diga-se. Já que, faz-se necessário cativar o público para se colocar muito mais no lugar da vítima do que do agressor, levando-se a explorar profundamente o perfil psicológico da personagem central desse: a mulher vitimizada. E também, sua família e seu círculo de amizade. E se Aguinaldo Silva introduzir as opções de assistência que existem à mulher vítima de violência doméstica, estará prestando um serviço de utilidade pública de extrema importância à sociedade brasileira.
Resta desejar que tudo isso ocorra!
[É a humilde opinião de uma simples blogueira,
mulher, mãe, telespectadora e que, não por acaso,
trabalha com vítimas de crimes todos os dias há alguns anos].
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Procedimentos e rede de assistência:
· Disk 180 (denúncias que podem ser anônimas)
· Delegacia dos Crimes Contra a Mulher: ela deve se dirigir para fazer um B.O. o mais rápido e próximo da data da última agressão sofrida. Isso pode garantir que o agressor seja preso em flagrante e que se resguarde ainda mais a integridade física, moral e psicológica da mulher vítima.
· Havendo marcas físicas da agressão, a mulher deve se dirigir, após ter feito o B.O., a um IML, para se submeter aos exames necessários que são cruciais num processo criminal, pois eles apresentarão provas palpáveis do crime.
· A mulher também deve se conduzir a um Centro de Apoio Às Vítimas. Existem vários espalhados pelo país e, caso não tenha em sua cidade, a mulher pode se dirigir a um CRAS ou CREAS para ter acesso a tal assistência na rede pública de saúde de forma mais adequada. Além de outros serviços.
· Caso a mulher esteja sofrendo risco de morte, após informar isto na delegacia, ou mesmo, num CRAS ou CREAS, ou num CEAV (Centro de Apoio Às Vítimas), a mulher deve ser conduzida com seus dependentes a uma “Casa Abrigo”, na qual poderá permanecer durante cerca de 3 meses, ou, até se articular um local seguro para ela e seus familiares ficarem. Porém, é necessário prestar um B.O. para ingressar na “Casa Abrigo”.
· A assistência jurídica pode, inclusive, ser fornecida pela Defensoria Pública, que dispõe de Núcleos específicos no atendimento jurídico de mulheres vítimas de violência doméstica.
· Para o casal, quando estes apresentam o desejo de continuarem juntos, pode ser acessado o serviço de assistência psicológica para psicoterapia de casal e/ou familiar. Tais serviços psicológicos são prestados em Centros de Referência na Assistência Às Mulheres Vítimas de V.D., espalhados no país.
Dicas para acessar tais serviços, ou onde adquirir informações sobre eles: CRAS, CREAS, Delegacias, Hospitais, CAPSIS, Unidades de Saúde.