Por Eduardo Vieira
Certo, não é um remake da novela, mas sim outra leitura do livro de Jorge Amado, Gabriela Cravo e Canela. Li o livro bem depois de assistir à obra prima de Walter George Durst, no horário das 22h00min na Rede Globo. A obra escrita é mesmo um mosaico de relações entre o coronelismo e outros estratos sociais como a igreja, o bar, o cabaré, a imprensa e a família, lugares os quais notamos as diferentes atuações dos personagens de acordo com o espaço.
Na novela, a personagem título aparece aos poucos, paralelamente à trama já em andamento, enquanto no livro a personagem surge mais abruptamente, sem uma apresentação minuciosa. Na verdade, o título parece mais um símbolo, uma metonímia das chamadas “mantéudas” daquela classe eminentemente masculina. Tanto na novela como no livro, um caso é um pretexto para que a ação se desenvolva: um coronel assassina sua esposa a sangue frio, uma mulher acima de qualquer suspeita, por legítima defesa da honra, o que acarreta uma discussão sobre os velhos costumes. Ao mesmo tempo, surge um engenheiro em Ilhéus, vindo de Salvador, que enfrenta o poderio de Ramiro Bastos, o líder dos coronéis, uma espécie de padrinho e benfeitor de todos, conquanto sua vontade seja feita, obviamente.
Mundinho Falcão (José Wilker), o engenheiro, vem se opor ao modo retrógrado como o líder lida com a economia do cacau, sugerindo mudanças um tanto radicais, tornando-se o líder da oposição.
Há na novela uma clara divisão, uma primeira parte em que antes da chegada de Gabriela, quem lidera o principal papel feminino da novela é Dina Sfat com sua inesquecível Zarolha, prostituta que deseja sair na procissão junto com as chamadas senhoras de família, o que causa uma estranheza, mexendo com o falso moralismo das pessoas na cidade. Ela também é o interesse romântico de Nacib (Armando Bogus), turco, dono do bar Vesúvio. Terminado esse início, a personagem de Dina, mesmo amada pelo público, despede-se tendo o seu destino cumprido.
Quem viu várias vezes a novela, como eu: a primeira vez, os compactos, tem aquele medo “reginesco” do que pode vir de uma nova adaptação, ainda mais sendo de um autor que vem fazendo trabalhos bem mais ingênuos, o que já se pode afirmar ser uma característica dele. Falamos de Walcyr Carrasco.
Entretanto, a seu favor, há uma brilhante adaptação do livro ”Xica que manda” de Agripa Vasconcelos, transformado em uma novela que é um clássico da Rede Manchete, Xica da Silva, o que lhe confere uma certa credibilidade em tocar em temas mais sérios.
Importante dizer também que no romance, a personagem Jerusa (Nívea Maria), neta de Ramiro Bastos, um estupendo Paulo Gracindo, em um trabalho de composição, tem tanta ou mais importância que a rebelde Malvina, por se relacionar com o principal oponente de seu avô; porém, na novela, esta última, feita com perfeição pela jovem Elizabeth Savalla conquistou todos que vibravam a cada atitude voluntariosa da personagem contra o pai, o coronel Melque Tavares, como o primeiro ato que choca a cidade: Malvina comparece ao enterro de Sinhazinha, a mulher adúltera do início da história e joga uma flor no caixão.
O que eu acho muito difícil de transpor, será além do elenco perfeito da novela que contava com nomes como Armando Bogus, Paulo Gracindo, Gilberto Martinho, Eloisa Mafalda, Dina Sfat, além da perfeita Sônia Braga, atriz que se confundia com a personagem, o clima que se traduzia pela excelente trilha sonora, uma das mais belas que já se ouviu em telenovelas, com temas cantados e instrumentais.
Acredito que por ser uma trama compactada, a tal novela das onze, o autor irá centrar-se mais no romance Nacib e Gabriela, com cenas um tanto ousadas, já que à época da novela vivíamos ainda uma censura, mesmo assim com cenas bem corajosas como as do casal central, outra cena de nu com os atores Pedro Paulo Rangel e Cidinha Milan, muito bem feita por sinal, em que apenas se entrevê e imagina-se a nudez dos dois e ainda as cenas da personagem Sinhazinha com o dentista Osmundo Pimentel, respectivamente, a grande Maria Fernanda e o ator João Paulo Adour, habituée nas novelas da época, em uma das cenas-chaves da história.
Penso que o autor não vai ser o mesmo Walcyr das novelas de época, com parentesco com as comédias de costume como as do brazuca Martins Pena e do francês Moliére, de quem ele fez uma adaptação excelente de “O Doente Imaginário”, mas deve trazer um pouco daquilo que aprendeu com Walter Avancini, diretor da novela, com quem trabalhou em Xica da Silva, ou seja terá que ter uma mão mais pesada para fazer uma obra que não seja covardemente comparada à obra prima original. Quem ganha com isso, além dele, são os espectadores que têm vontade de saber um pouco desse universo de Jorge Amado. Torçamos, pois!
A Equipe de Gabriela se "inspirando"! |
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