Por Daniel Couri
Gente para me jogar
pedra é o que não vai faltar, estou ciente disso. O motivo? O fato de eu não
curtir em nada o programa Pânico
na TV, atualmente na Bandeirantes. Desde os tempos da Rede TV eu já achava aquilo um amontoado de
piadas grosseiras, invasivas, apelativas e extremamente sem graça. Nunca
consegui entender aquele "humor".
Reconheço que alguns dos
apresentadores/repórteres são ótimos artistas e poderiam estar fazendo humor de
verdade. Mas da forma como fazem no programa é algo surreal, no pior sentido.
Quase todas as "piadas" são de um machismo inacreditável. Quadros
preconceituosos, sempre exaltando a suposta estupidez das mulheres – geralmente
gostosonas com muito peito, muita bunda e pouco (ou nenhum) cérebro. E todos
parecem se orgulhar, dão risada uns dos outros numa espécie de competição para
ver quem é menos inteligente.
Os quadros foram ficando
cada vez mais constrangedores, agressivos e escatológicos. Entre os
adolescentes virou febre. Os bordões caíram na boca da meninada, que idolatra
os 'humoristas' do Pânico e imita os quadros toscos de pregar peças grosseiras
nos colegas, com direito a tombos, tapas, sujeira e desafios esdrúxulos. Um
prato cheio para quem quer aprender novas técnicas do tão repudiado – e ao
mesmo tempo reproduzido – bullying.
Ridicularizar os outros virou humor.
OK, mas isso é parte do
humor. Ridicularizar políticos, artistas e celebridades, dentro de um contexto,
pode gerar boas risadas. Principalmente se for feito de forma inteligente e sem
partir para agressões pessoais. Mas da forma como o Pânico faz é bizarro. Escolher pessoas com
deficiências físicas ou mentais e torná-las motivo de piadas e brincadeiras
canhestras, dar a elas uma falsa impressão de que são 'estrelas' por alguns
instantes é explorar demais as fragilidades humanas. E o pior é que essas
pessoas nem se dão conta de que estão sendo ridicularizadas no país todo. Uma
espécie de "freak show" do século 21.
Entre os destaques do
programa estão quadros sensacionalistas e totalmente combinados. Mas sempre
tentando passar ao telespectador uma ideia de surpresa, como se as baixarias
acontecessem bem ali ao vivo e inesperadamente, diante de todos. Por exemplo,
incentivar um homem a engordar até passar mal é humor? É um desserviço, isso
sim. E obviamente as pessoas ganham para se submeter a esses vexames, mas fazem
uma linha submissa, como se tivessem caído numa armadilha e não houvesse
escolha. Sei...
A última – que
felizmente não cheguei a ver, mas semana passada estava bombando na internet –
foi uma panicat ter a cabeça raspada ao vivo durante o programa. Manchetes do
tipo "Panicat é obrigada a raspar o cabelo ao vivo na TV" pipocaram
na rede. Canastrice pouca é bobagem. Ela ganhou destaque na mídia (eu mesmo
nunca tinha ouvido falar dela), obviamente recebeu um gordo cachê e agora
propostas lucrativas vão chover na horta da tal moça. Alguém duvida? E ela
ainda será reverenciada como celebridade
no Brasil todo! Uma grande mulher! Praticamente uma heroína. Só que não.
Para quem não sabe, panicats são aquelas moças super cultas
que desfilam em trajes sumários e exibem todo seu potencial artístico no palco do programa. E ainda se autointitulam
"artistas", "atrizes", "modelos" ou coisa assim.
Pois é. Panicat virou sinônimo de artista. Depois ainda falam que a juventude
de hoje não quer saber de nada. Estudar pra quê? Trabalhar pra quê? É muito
mais divertido ter a própria ignorância enaltecida no país todo e ser seguido
como exemplo. Enquanto isso, nas escolas, como se já não bastasse os
professores serem ridicularizados pelos próprios salários, são também
ridicularizados pelos alunos, que perderam por completo o respeito pelos verdadeiros
educadores.
Minha ideia não é fazer
nenhum discurso careta ou moralista. Adoro TV e acho que ninguém é obrigado a
assistir o que não lhe agrada. Se não curte, é só trocar de canal. Faço isso
sempre. O problema é que muita gente ainda jovem e sem uma visão crítica
totalmente formada cai nessa esparrela e acaba se viciando nesse tipo de
produto, cada vez mais consumido por crianças e adolescentes. (Infelizmente,
quanto aos adultos, não há muito o que fazer).
Charge de Clayton Rebouças para O Povo |
Como disse sabiamente
Martha Medeiros em uma de suas crônicas do ano passado, "Ao perdermos os
critérios de quem realmente merece destaque, só o que se destaca é nossa
pobreza cultural".
O Pânico poderia ser um programa divertido e
inteligente, mas prefere apelar para o mais fácil. O pior é que continua
arrebanhando uma legião de admiradores. E ainda tem gente que ataca as
inocentes telenovelas. Ah, se nossas novelas fossem assim tão ameaçadoras
quanto os Pânicos da vida...