sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Recomeçar - capítulo 15



autor: Augusto Vale

CENA 01. FACHADA DE RESTAURANTE. EXT. NOITE.

Continuação imediata da última cena. Davi acaba de rolar escada abaixo. Está desacordado no chão. Filipe em desespero, tentando reanimá-lo. Gilda nervosa.

FILIPE: - Davi!

CAM vai abrindo em dolly out. Corta para:

CENA 02. HOSPITAL. QUARTO. INT. NOITE.

Quarto de hospital particular. Vemos Davi em segundo plano, dormindo no leito, enquanto Filipe e Gilda ouvem o médico:

FILIPE: - E então, doutor, o que deu os exames?

MÉDICO: - Essa perda repentina de consciência, que chamamos de síncope, é provocada pela falta de fluxo sanguíneo no cérebro.

GILDA: - E...?

MÉDICO: - É um sintoma geralmente associado a doenças cardiovasculares, mas há uma série de causas. Muitas vezes, lamentavelmente, não é possível identificá-las.

GILDA: - Doutor, por favor, vá direto ao ponto.

DOUTOR: - Infelizmente, eletrocardiograma não apontou a etiologia da síncope do paciente.

FILIPE: - Como assim?

MÉDICO: - Como eu disse, nem sempre é possível identificar as causas desse sintoma. Mas vamos fazer uma bateria de exames amanhã logo cedo. Assim, teremos um diagnóstico preciso e completo.

FILIPE: (arqueja) - Eu posso ficar aqui? Posso passar a noite com ele?

MÉDICO: - Você é parente?

GILDA: - Namorado.

MÉDICO: - Pode sim. Mas só você.

Gilda afaga Filipe, que está abatido com tudo isso. Ele vai para perto do leito de Davi e acaricia seu rosto. Corta para:

CENA 03. CASA DE LORENZO. QUARTO. INT. NOITE.

Na cama, Lorenzo passa um algodão embebido em remédio nas costas nuas de Júlia, que ganhou alguns hematomas na surra de cinto. Ela sentada. Rosto molhado ainda de lágrimas. Lorenzo no papel de bom marido.

LORENZO: - Me perdoe, meu amor. Não tive intenção de te machucar. Prometo que não vai mais se repetir. (T) Mas você precisa entender que não pode afrontar o seu marido. Você tem que me obedecer, minha querida.

JÚLIA: - É assim que você diz que me ama? É dessa maneira que você demonstra o seu amor?

LORENZO: - O amor não é só poesia, não é apenas um sentimento que mexe com as nossas emoções... “Melhor é a repreensão franca do que o amor encoberto”, Provérbios 27:5.

JÚLIA: (levanta-se) –O que foi, virou cristão de uma hora pra outra? 

LORENZO: - No hospital, a única visita que eu recebia era a de um pastor, além da minha mãe, claro. Foi uma experiência interessante.

JÚLIA: - Você é muito cínico, Lorenzo.

LORENZO: - Você fica ainda mais bonita assim, bravinha, sabia?!

JÚLIA: - Lorenzo, por favor, em nome dessa fé que você diz que tem agora, me deixa em paz, deixa eu seguir a minha vida. O nosso casamento acabou, fracassou, você tem que entender isso. Essa sua obsessão não é normal, você precisa se tratar, procurar ajuda, um grupo de apoio, sei lá... Mas não dá mais pra gente continuar juntos.

LORENZO: - Aí você vai correr pros braços do seu amante da luz vermelha, o fotógrafo filhinho da mamãe? Sabe quando isso vai acontecer? Nunca! Você é a minha mulher e continuará sendo até que a morte nos separe.

Júlia solta um pequeno berro de ira e desespero. Deixa-se cair sentada no chão, como se não tivesse mais forças.

JÚLIA: - Eu quero o meu filho. Eu preciso vê-lo. Ou pelo menos saber pra onde você o levou. Por favor?!

LORENZO: - Amanhã. Amanhã, meu amor. Vamos dormir, já é tarde e quero acordar bem cedo. Deite aqui ao meu lado.

Júlia levanta-se do chão e deita de costas para Lorenzo, que a abraça.

LORENZO: - Boa noite, querida.

Júlia muito triste. Corta para:

CENA 04. APART. DE ABEL. QUARTO. INT. NOITE.

Abel e Leonor estão deitados na cama. Acabaram de transar, mas algo deu errado. Ele olha pro teto, ela abraçada a ele.

LEONOR: - Relaxa, meu amor, isso acontece.

ABEL: - Tem acontecido mais do que eu gostaria.

LEONOR: - Stress, cansaço, preocupação... Essa história do filme, essa chantagem ridícula da Gilda, isso tudo tem te afetado muito.

ABEL: - É, poder ser.

LEONOR: (T) – A namoradinha do Carlos Eduardo sumiu depois do acidente.

ABEL: - Sumiu? Como assim “sumiu”?

LEONOR: - Sumiu. Aliás, acidente provocado pelo marido – ou ex-marido – da fulana, o tal Lorenzo de que já te falei. Pelo menos foi isso que ouvi o Carlos comentando.

ABEL: - Então ela foi raptada pelo tal ex-marido argentino?!

LEONOR: - Um rapto bem providencial, diga-se de passagem. Espero que esse Lorenzo enjaule essa mulherzinha e jogue a chave fora. Assim eu me verei livre dessa marafona infeliz sem ter que fazer nenhum esforço.

ABEL: - Que coisa horrível de se dizer, Leonor! Será que você não pensa na felicidade do seu filho? O Kadu deve estar sofrendo muito com isso tudo.

LEONOR: - A felicidade do Carlos Eduardo é bem longe dessa mulher. Você sabia que ele ficou diferente comigo, desde que eu me opus a esse romance estapafúrdio? Não me trata mais com o carinho de antes, fala comigo com uma certa rispidez...

ABEL: - Também pudera. Você coloca um detetive no rastro da moça, levanta um verdadeiro dossiê sobre o passado dela, se coloca terminantemente contra o romance dos dois... Em que século você vive, Leonor? Francamente!

Corta para:



CENA 05. RIO DE JANEIRO. EXT. DIA.

Música: "Chega de Saudade" – Roberta Sá. Stock-shots do amanhecer no Rio. Takes clipados. Conclui na fachada da casa de praia de Lorenzo. Corta para:

CENA 06. CASA DE LORENZO. QUARTO/BANHEIRO. INT. DIA.

Júlia acorda. Abre os olhos lentamente. Olha para o lado e não vê Lorenzo na cama. Observa que há uma bandeja com café da manhã ali perto. Levanta e averigua se a porta está trancada. Está. Vai pro banheiro. 

Corta descontinuamente para o banheiro. Entra música: "Kiss Me" – Ed Sheeran. Júlia nua e pensativa debaixo da ducha. Ainda com a música, entra flashback de alguns momentos românticos dela ao lado de Kadu. Clima de saudade. Volta pra Júlia no tempo presente. Ela chora. Corta para:



CENA 07. MANSÃO DE LEONOR.QUARTO DE KADU. INT. DIA.

Segue a música. Deitado na cama, Kadu admira uma foto de Júlia no celular. Triste. Saudoso. Tempo nisso. Corta para:

CENA 08. HOSPITAL. SALA DE MÉDICO. INT. DIA.

Abre em imagens de um exame no computador. Vemos que um médico está analisando-o, dando uma última olhada. Davi e Filipe, sentados do outro lado da mesa, aguardam o médico dizer alguma coisa.

FILIPE: - Estamos esperando, doutor. Dá pra dizer o que deu nos exames?

DAVI: - Não é nada de mais, meu amor. Eu confesso: tenho me alimentado mal. Dificilmente almoço. É tanto trabalho na produtora, acabo esquecendo, deixando pra depois... Ou vai ver é coluna. Essas dores nas costas só pode ser isso/

MÉDICO (corta) – É um tumor.

DAVI: - Oi?

MÉDICO: - Não há outra maneira de dizer isso, Davi: você está com um tumor alojado na espinha dorsal. É um glioma, que está crescendo em caráter infiltrativo e destruindo os tecidos/

DAVI: (corta) - Como assim? Isso não tem cabimento! Eu sou uma pessoa saudável, pratico atividades físicas, me alimento bem... Tudo bem, não tenho me alimentado como deveria esses dias, então pode ser que eu tenha no máximo uma anemia...

FILIPE: - Calma, Davi.

DAVI: - Como “calma”? Como é que você me pede calma?

MÉDICO: - Tudo bem, essa é uma reação natural, compreensiva... Davi, nós estamos falando de um tumor maligno, isso não tem nada a ver com hábitos alimentares, atividades físicas, nada disso... Ainda vamos fazer uma biópsia, mas a partir de agora você precisa começar a lidar com o fato de que está com um câncer.

Davi sente aquele choque, como se a ficha caísse. Deixa cair uma lágrima. Estremecido, Filipe pega a mão de Davi sobre o braço da cadeira, dando força. Corta para:



CENA 09. PRAIA. EXT. DIA.

Música: "Eternity" – Robbie Williams. Sobre uma grande pedra, vemos Davi sentado, triste, olhando o mar, as águas que batem nas pedras... Filipe, lá atrás, o observa. Chora em silêncio. Tempo nisso. Corta para:

CENA 10. PRODUTORA GALVÃO. ESTÚDIO. INT. DIA.

Abre em Jojô, um tipo afetado, cheio de tiques, vestido excentricamente. Uma figura por volta dos 30 anos. Ele enxuga o suor da testa, cansado de esperar. Está no meio de uma multidão de rapazes alvoroçados. Alguns no mesmo estilo dele. Cada um com uma senha pendurada no pescoço como um crachá. Uma drag queen de peruca verde por nome Mary Shiva se aproxima:

MARY SHIVA: - Também veio pra entrevista?

JOJÔ: - Pois é.

MARY SHIVA: - Prazer, Mary Shiva.

JOJÔ: - Jojô.

Cumprimentam-se com beijo no rosto.

MARY SHIVA: - Trabalhar como assistente dessa Gilda Lazarotto não deve ser nada fácil. Soube que ela tem um gênio fortíssimo, mandona, intolerante... Eu só estou me prestando a isso porque preciso juntar uma grana pra passar uma temporada em Las Vegas. Meu show vai lacrar e conquistar a América, meu bem! ‘Mary Shiva para Maiores’!

JOJÔ: - Ô Mary Shiva do Pantanal, acho que você terá de recorrer a outros meios para conseguir os seus dólares, porque esse emprego aqui já é meu. Dá licença.

Jojô vê que chegou a sua vez de ser entrevistado. Vai até a mesa onde está Gilda Lazarotto. Alguns funcionários da produtora por perto. Movimentação. Gilda analisa o currículo dele, que acaba de sentar numa cadeira, um pouco emocionado. Ela vai lendo:

GILDA: - José Evancleison do Nascimento...

JOJÔ: - Ninguém é perfeito, não é mesmo?! Nossa, que emoção estar diante de você!

GILDA: - Formado em Artes Cênicas...

JOJÔ: - Curso à distância.

GILDA: - Já trabalhou pra Marieta Severo... Muito amor pela Marietinha!

JOJÔ: - Sim, ela é maravilhosa, minha madrinha, uma pessoa/

GILDA: (corta, alterada) – Maria Zilda?!?!

JOJÔ: - Bethlem!

GILDA: - Você trabalhou pra essa essa mulher?!

JOJÔ: - Sim, porquê?!

GILDA: - Essa lacraia de asas, essa urutu do rabo amarelo teve a audácia de roubar o meu papel em ‘Guerra dos Sexos’. Me passou a perna, jogou sujo, fez um teste melhor que o meu... Frustrou o meu sonho de fazer televisão. Você não serve pra trabalhar pra mim. Dá licença. (alto) Próximo!

JOJÔ: - Mas/

GILDA: - Dá licença!

JOJÔ: - Eu sou muito seu fã, Gilda! Você pra mim é a melhor. Deusa suprema do cinema. Já vi todos os seus filmes, tenho todas as revistas com você na capa, meu quarto é todo forrado com fotos suas... Por favor, me deixe pra trabalhar pra você, é o sonho da minha vida!

GILDA: - Hummm... é mesmo?

JOJÔ: - Juro! Olha só...

Jojô levanta e mostra uma tatuagem escrito ‘Gilda Queen’ abaixo do umbigo.

JOJÔ: - Você é tudo pra mim!

GILDA: - Nossa! (pensa rápido) Você tem uma carta de recomendação da Marieta? Se tiver, tá contratado.

Jojô vibra. Os outros candidatos revoltados ao fundo, inclusive Mary Shiva. Corta para:

CENA 11. APART. DE GILDA. SALA/COZINHA. INT. DIA.

Jojô deslumbrado por estar no lar da estrela que tanto admira. Gilda acaba de preparar dois drinks. Jojô admira um enorme quadro na parede de uma pintura belíssima de Gilda.

GILDA: - Lindo, não?

JOJÔ: - É a primeira vez que vejo a imagem de Deus!

GILDA: (ri e dá um drink a ele) – Ganhei de um fã. Achei tão fantástica que decidi colocá-la aqui, embelezando a minha humilde sala.

JOJÔ: - Eu tô tremendamente extasiado!

GILDA: - Mas vamos deixar de conversa fiada. Eu te trouxe aqui pra gente dar início imediato aos trabalhos.

JOJÔ: - Claro! Eu tô louco pra começar a lhe servir, Miss Laza.

GILDA: - Hã? Tá, tá, tudo bem... Bom, você será um assistente pau para toda obra. Será bem pago pra isso. Vai me ajudar a decorar texto, cuidar da minha agenda, me acompanhar nas gravações etc. Entendido?

JOJÔ: - Perfeitamente.

Gilda pega um caderno bastante volumoso na mesinha de centro e entrega a ele:

GILDA: - Isto é o roteiro. A sua primeira missão é decorar isso tudo.

JOJÔ: - Mas eu pensei que/

GILDA: (corta) – Você tem que estar por dentro de tudo, criatura. Tem que estar por dentro de todas as desilusões de Olívia Watterson. Vou tomar um banho e volto pra gente começar a passar o texto. Eu quero estar afiadíssima nos ensaios.

Gilda sai. Jojô fica com o roteiro nas mãos, com cara de quem segura uma batata quente. Corta para:

CENA 12. APART. DE DAVI. QUARTO. INT. DIA.

Davi deitado na cama. De lado, com o rosto virado pro criado-mudo. Triste. Filipe entra e deita. Carinhoso.

FILIPE: - Vai ficar tudo bem. Você ouviu o médico dizer: a quimioterapia vai reduzir o tumor ao máximo e depois você se livra dele de uma vez por todas numa cirurgia de nada. (T) Não fica assim, eu tô aqui contigo, a gente vai enfrentar isso juntos.

Filipe faz cafuné na cabeça de Davi, que segue na mesma posição. Corta para:



CENA 13. RIO DE JANEIRO. EXT. NOITE.

Música: "Waiting For Love" – Avicii. Imagens clipadas do entardecer para o anoitecer no Rio. Corta para:

CENA 14. MANSÃO DE LEONOR. QUARTO DE KADU. EXT. DIA/NOITE.

Abre em Kadu arremessando um vaso com tudo na parede. Ira. Horácio entra em seguida.

KADU: (berro) – Droga!

HORÁCIO: - O que tá acontecendo, Kadu?

KADU: - Liguei agora pra delegacia, pela milésima vez hoje, e eles não têm nenhuma novidade. Nada da Júlia, nada do Javier... Eu não tô mais aguentando isso!

HORÁCIO: - Caramba. E a perícia no seu carro, não deu em nada?

KADU: - Nenhum sinal. Desgraçado!

HORÁCIO: - Ele não deve ter levado a Júlia e o menino pra muito longe. É bem provável que nem tenha saído do Rio. A menina que veio da Argentina com ela, a babá, ela não sabe dizer se esse Lorenzo tem residência aqui?

KADU: - A Belita já foi à delegacia, já disse tudo que possa servir de pista... Mas ela não sabe dizer se esse infeliz tem casa aqui no Rio. (chora e abraça Horácio) Ah, pai, eu tô ficando com medo, eu tô com muito medo do fim dessa história.

HORÁCIO: - Calma, meu filho. Tudo vai se resolver.

Corta para:

CENA 15. CASA DE LORENZO. QUARTO. INT. NOITE. 

Júlia deitada no tapete. Está vestida num roupão. Triste. Lorenzo destranca a porta e entra. Traz uma sacola de loja e deixa sobre a cama.

LORENZO: - Amor?! O que você faz aí no chão? Está triste? É saudade de seu maridinho? Vamos, levante-se, me dê a mão.

Júlia levanta sem dar a mão para Lorenzo. Não olha na cara dele. Ele a abraça pelas costas.

LORENZO: - Não gosto de te ver assim, meu bem. Você não tem motivos pra isso... Você é linda, tem um marido que te ama, um filho que só te dá alegrias, dinheiro, conforto... uma vida de rainha.

JÚLIA: - Me solta. Não encosta em mim. (sai do abraço)

LORENZO: - Mas o que é isso? É assim que você me trata? É assim que você trata o homem que é louco por você, que te faz feliz, que te cobre de mimos... (pega a sacola) Olha só, comprei pra você. Mais um presente. Não vai abrir pra ver o que é?

JÚLIA: - Me deixe em paz.

Lorenzo tira um vestido branco da sacola. Longo e bonito.

LORENZO: - Veja só. Vi numa vitrine e achei a sua cara. Você gosta?

JÚLIA: (olha de lado) – É horrível.

LORENZO: - Vista. Experimenta pra eu ver.

CORTE DESCONTÍNUO. Júlia já dentro do vestido. Totalmente infeliz.

LORENZO: - Sublime! Tá vendo só como eu conheço todas as suas medidas, meu amor?! Caiu perfeitamente em você. Branco, pra combinar com a paz de espírito do nosso casamento.

Júlia pega um copo de suco de frutas vermelhas que ficou do café da manhã e entorna no vestido, manchando-o. Lorenzo se enche de ódio. Aquela pausa tensa. Ele dá um sonoro tapa no rosto de Júlia, que não se deixa humilhar.

LORENZO: - Sabe o que você merece?

JÚLIA: - O quê? Vai me espancar outra vez?

LORENZO: - Não, essa brincadeira já perdeu a graça. Vou fazer uma muito melhor.

Lorenzo tira um canivete do bolso da calça. Encosta a lâmina no rosto de Júlia. Alta tensão.

LORENZO: - Vamos fazer uma visitinha ao passado, meu amor!

De repente, com brutalidade, ele corta o vestido com o canivete na altura das coxas de Júlia. No pavor dela, efeito e corta para:

FINAL DO CAPÍTULO 15

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Recomeçar - capítulo 14


autor: Augusto Vale

CENA 01. CASA DE LORENZO. QUARTO. INT. DIA.

Continuação imediata da última cena. Júlia apavorada ao ver Lorenzo.

LORENZO: - Assustada, meu bem?!

JÚLIA: (gagueja) – Você não estava...

LORENZO: - Morto? Acho que não. Não está me vendo aqui na sua frente? Um fantasma posso te garantir que não sou.

JÚLIA: - Não pode ser.

LORENZO: (senta na cama) - Você está impressionada. Mas isso logo passa. Me dê um abraço. (abraça) Você não sabe a falta que eu senti do seu corpo todo esse tempo. Saudade desse calor, dessa pele macia, do cheiro do seu cabelo... Isso sim estava me matando aos poucos.

JÚLIA: - Que lugar é esse? Onde é que eu tô? 

LORENZO: - Na nossa casa. Na nossa nova casa! Você tinha razão, o Rio de Janeiro é uma cidade encantadora, muito bela. Um pouco quente, mas isso acaba até sendo muito favorável. (safado) Fazer amor com os corpos suados é muito mais excitante, você não acha, meu amor?!

JÚLIA: - Como eu vim parar aqui? (lembrando) Espera... eu lembro de estar/

LORENZO: (corta e completa) – Lembra de estar me traindo com o seu amante. Duas horas e dezessete minutos num quarto de motel. Mas já chegou a ficar três horas completas. Você não sabe o quanto eu sofri te vendo entrar e sair daquele motel tantas vezes. Uma dor aqui no peito, uma angústia... Por que você fez isso comigo? Você maculou o nosso amor, desrespeitou os votos que fez no altar...

JÚLIA: - Cala essa boca! O que você fez com o Kadu? Fala, Lorenzo!

LORENZO: - Kadu? O fotógrafo? O seu amante ficou lá, acho que estava respirando... Não toquei em um fio de cabelo dele, juro. Deu vontade, não vou negar, mas não fiz nada. Não quis dar uma de covarde.

JÚLIA: - Você é doente, Lorenzo. Você precisa se tratar.

LORENZO: - Eu preciso é de um trato. Um bom trato na cama. (T) Comprei roupas novas pra você. Tem uma camisola muito bonita. Quer ver?

Lorenzo pega a sacola e tira uma camisola vermelha. Pede:

LORENZO: - Vista. Coloca pra mim.

JÚLIA: - Não vou vestir isso.

LORENZO: - Por favor.

JÚLIA: - Minhas pernas estão doloridas.

LORENZO: - Eu vou sentar naquela poltrona e você vai vestir essa camisola. Apenas essa camisola. Você entendeu bem?

Lorenzo senta na poltrona, há alguns passos da cama. Júlia começa a sentir quem é que manda ali. Entra música, que fica até o final da cena: "Otra Luna" - Carlos Libedinsky.

LORENZO: - Agora levante da cama e tire a roupa. Com jeito, bem devagar.

Júlia obedece. Tira a blusa e a calça. Lorenzo não fica satisfeito:

LORENZO: - Tudo.

Júlia fica completamente nua. Lorenzo ordena:

LORENZO: - Agora a camisola.

Ela veste a camisola. Lorenzo fica fascinado. Sedutor, ele levanta da poltrona e caminha até Júlia. Mexe no cabelo dela. Depois, desliza uma mão pela coxa de Júlia, de baixo pra cima, parando em suas partes íntimas. Ela treme. Então, ele começa a chupar o pescoço de Júlia e em seguida a joga na cama. Tira sua camisa, ficando apenas com a calça.

JÚLIA: - Não! Eu não quero. Você não pode/

Lorenzo dá um tapa no rosto de Júlia, calando-a, e deita em cima dela, esfregando-se, segurando-a pelos pulsos, sugerindo que vai transar a força. Júlia chora. Tempo nisso. Corta para:



CENA 02. APART. DE TIA SOFIA. SALA. INT. DIA.

Tia Sofia e Kadu sentados no sofá. Ela muito abalada.

KADU: - Já fui à todos os lugares possíveis: hospitais, delegacias... até ao IML já fui. Nada da Júlia. Eu tô enlouquecendo. Só tem uma explicação pra isso tudo: sequestro. Bateram no meu carro pra sequestrarem a Júlia.

TIA SOFIA: (chora) – Não! A minha sobrinha na mão de bandido... Minha Nossa Senhora da Medalha Milagrosa, não permita que nada de mal aconteça a Júlia!

KADU: - Eu preciso ir, tenho que fazer um boletim de ocorrência. Não se aflija, Tia Sofia, a Júlia vai voltar pra gente. Vai ficar tudo bem.

Kadu vai saindo. Belita chega:

BELITA: - Foi o Lorenzo. O Lorenzo raptou a Júlia e o Javier.

Clima. Corta para:

CENA 03. PRODUTORA GALVÃO. SALA DE LEONOR. INT. DIA.

Gilda sem encarar Abel. Leonor surpresa com a atitude dele.

LEONOR: - O que você faz aqui, Abel? Como sabe que/

ABEL: (corta) – A Gilda me procurou ontem à noite. Me entregou o pen drive com as cópias do vídeo e disse que ia cancelar as gravações do filme.

LEONOR: - Ah, muito bem, Gilda. Na hora de me chantagear, você invade o meu quarto, o meu closet, arma um circo... Mas quando cai em si, corre pro Abel e dá uma de carmelita descalça. O que você tá querendo com isso?

ABEL: - Isso não importa, Leonor. O fato é que é uma loucura isso que a Gilda está decidida a fazer.

LEONOR: - Não entendo. O que foi? Mudou de lado de uma hora pra outra, Abel? Você era o primeiro a condenar a realização desse filme.

ABEL: - Isso foi antes, no início. Mas já que vocês duas resolveram levar essa história adiante, não existe razão pra abortá-la logo agora que as gravações do filme já vão começar. Há muita gente envolvida nisso, não é certo desistir do projeto agora. (para Gilda) Pensa bem, Gilda. Seja sensata.

GILDA: - Não sei, não sei se é uma boa ideia.

ABEL: - Pode não ser uma boa ideia, mas seria muito egoísmo de sua parte tirar o filme da produtora depois de tanto trabalho, roteiro finalizados, equipe técnica mobilizada, elenco contratado... Será que você só consegue pensar em você mesma? (para Leonor) E você, Leonor, já que não teve peito pra enfrentar as chantagens da Gilda no momento que devia, não seja louca de abrir mão do filme agora. Você sabe, a produtora só perderia com isso.

LEONOR: - Você tem razão. Já tem uma respeitável fortuna envolvida nessa loucura. E se tem uma coisa que não aceita desaforo, é dinheiro. Tá decidido: da produtora o filme não sai de jeito nenhum.

ABEL: - É assim que se fala. E você, Gilda, o que diz?

GILDA: (T) – Que seja como “o casal” quer.

Abel aliviado. Gilda contrariada. Corta para:

CENA 04. APART. DE TIA SOFIA. SALA. INT. DIA.

Belita próximo ao sofá. Kadu olhando pela janela. Vira-se para Belita, meio atônito:

KADU: - Como assim “morto”? O que você está dizendo, Belita? A Júlia me contou que pediu o divórcio desse Lorenzo e conseguiu a guarda do Javier. Nunca me falou nada de morte.

BELITA: - Ela não quis te contar por vergonha, por medo de um julgamento de sua parte, Kadu... não sei.

KADU: - A Júlia não pode ficar me escondendo as coisas. Já disse isso a ela. Relação nenhuma se sustenta sem confiança... 

BELITA: - Viemos pro Brasil pensando que o Lorenzo tinha passado dessa pra uma pior, queimando no inferno e pagando todo o mal que fez à Júlia... E veja só que grande surpresa ele nos apronta! 

Corta para:

CENA 05. CASA DE LORENZO. QUARTO. INT. DIA.

Na cama bagunçada, Júlia ainda está nua. Oprimida. Humilhada. Chora em silêncio. Vestido num roupão, Lorenzo vem do banheiro. Acaba de tomar um demorado banho.

LORENZO: - Agora sim, um novo homem!

JÚLIA: - Você não tinha o direito de fazer isso. Eu nunca vou te perdoar por isso.

LORENZO: - Se você não está lembrada, eu sou o seu marido.

JÚLIA: (engole o choro, levanta e veste a calça) - Eu quero ir pra casa. Minha tia deve estar preocupada por eu não ter aparecido até agora.

LORENZO: - A sua casa agora é essa, meu bem. A nossa casa! O nosso ninho de amor!

JÚLIA: - Você só pode estar louco. Eu vou embora daqui.

Júlia vai sair. Para ao ver na porta do quarto, que está fechada, um desenho numa folha de papel. Uma ilustração, com traços infantis, de uma família: pai, mãe e filho. Estupefata:

JÚLIA: - O que é isso?

LORENZO: - O nosso Javier tem um futuro brilhante! Claro, é só o desenho de uma criança, mas a gente já pode perceber que ele tem talento pra coisa, traços de um artista sensível... Já imaginou nós dois, daqui a alguns anos, numa grande cerimônia de premiação de artes plásticas, com o nosso filho sendo o maior homenageado da noite?! Eu não caberia em mim de tanto orgulho.

JÚLIA: - Onde está o meu filho? O que você fez com o Javier?! Fala, Lorenzo!

LORENZO: - O que é isso? Você me acha capaz de fazer algum mal ao nosso filho, Júlia? É essa imagem que você tem de mim?

JÚLIA: (chora) – O que você quer? Por que você tá fazendo isso?

LORENZO: - Não chore, meu amor. Você sabe que eu não suporto te ver chorando.

JÚLIA: - Diz pra onde você levou o Javier!

LORENZO: - Acalme-se. Ainda está tudo bem com o nosso filho.

JÚLIA: - Como assim “ainda”?

LORENZO: - Tome um banho. Um longo banho de espuma. Vai te fazer muito bem. Agora eu vou ter que dar uma saída, mas mais tarde tô de volta. Siga o meu conselho, um banho de sais revigora.

Lorenzo dá beijo rápido em Júlia e sai. Tranca a porta, sob o olhar dela. Júlia mais ciente de que está vivendo um pesadelo. Força a maçaneta da porta, sem sucesso. Vai até a sacada e analisa que lugar é aquele. Vê Lorenzo entrar e sair no carro. Observa também que há dois seguranças lá embaixo. Júlia se dá conta que está aprisionada. Corta para:



CENA 06. RIO DE JANEIRO. EXT. NOITE.

Música: "Let Me Go" – Cymcolé. Takes rápidos e clipados do anoitecer no Rio. Corta para:

CENA 07. MANSÃO DE LEONOR. QUARTO DE KADU/CORREDOR. INT. NOITE.

Horácio sentado na cama. Inquieto, Kadu anda pelo quarto.

HORÁCIO: - Raptados? A Júlia e o menino? Mas por quem?

KADU: - Pelo ex-marido. Lorenzo, um sujeito violento, truculento, um psicopata... Pra se ver livre dele, a Júlia teve que fugir da Argentina com o filho e a babá.

HORÁCIO: - Coitada dessa moça! Quer dizer então que o acidente/

KADU: (corta) – Sim, ele bateu no meu barro propositalmente. Eu perdi a consciência e o desgraçado levou a Júlia. Você não sabe como eu tô me culpando por isso, pai. Eu não podia ter batido a cabeça, não podia ter perdido os sentidos. Ele deu sorte, ele deu muita sorte.

HORÁCIO: - Calma, Kadu. Você não tem que se culpar por nada. Além do mais, pelo que você disse, esse sujeito não é flor que se cheire. Não teria sido uma atitude nada inteligente de sua parte enfrentá-lo. Gente desse tipo tem que ser combatida com outros métodos.

KADU: - O caso não é de combater, mas sim de abater. Com uma bala na testa do desgraçado. Ah, mas se ele fizer algum mal a Júlia ou ao Javier, ele será um homem morto!

Vemos agora que Leonor ouve a conversa no corredor, encostada na parede. Volta pro quarto:

HORÁCIO: - O que você vai fazer, meu filho?

KADU: - Já acionei a polícia. Tão no rastro dele. Vão fazer uma perícia no meu carro pra ver se encontram alguma pista... Eu vou esperar. Mas não por muito tempo. Se a polícia não der conta do paradeiro da Júlia e do Javier o quanto antes, eu reviro o Rio de Janeiro, reviro o mundo se for preciso, mas os encontro e mato aquele pulha.

Kadu “com sangue nos olhos”. Mostrar Leonor novamente no corredor. Corta para:

CENA 08. APART. DE TIA SOFIA. SALA. INT. NOITE.

Abre numa foto de Júlia com Javier num porta-retratos. Vemos que é Tia Sofia que está com ele nas mãos, muito triste, sentada no sofá. Belita vem chegando da cozinha e observa a cena. Tia Sofia fala sem olhar pra babá:

TIA SOFIA: - Nossa Senhora da Medalha Milagrosa não há de deixar nada de mal acontecer a eles. Eu tenho fé na minha santinha.

BELITA: - Eles vão voltar, Tia Sofia. Sãos e salvos. A senhora vai ver.

TIA SOFIA: - Eu não duvido disso, Belita. Não duvido disso. (T) Vou acender uma vela, vou orar pra que isso aconteça o mais rápido possível.

Tia Sofia levanta-se e acende uma vela no altar de sua santa ali mesmo na sala. Ora. Belita aproxima-se e faz o mesmo. Corta para:

CENA 09. CASA DE LORENZO. QUARTO. INT. NOITE.

Vestida num roupão, Júlia anda pelo quarto. Sem sossego. Roe as unhas. Ouve a porta sendo destrancada. Lorenzo entra.

LORENZO: - Está tudo bem com você, meu bem?

JÚLIA: - Estou com fome. Preciso comer alguma coisa.

LORENZO: - Oh, meu amor! Me perdoe! Te deixei aqui o dia todo sem nada pra comer. Mas não se preocupe, já providenciei o nosso jantar. Só que você não vai jantar comigo assim, né? De roupão? Tenho algo bem apropriado por aqui...

Lorenzo pega uma sacola e tira um belíssimo vestido azul. Longo. Parece vestido de festa.

LORENZO: - Vista. Você fica deslumbrante de azul, minha querida!

Júlia pega o vestido, obrigada. CORTE DESCONTÍNUO. Júlia já vestida. Está diante do espelho. Sofrida. Lorenzo coloca uma gargantilha de ouro no pescoço dela.

LORENZO: - Perfeita! (T) Espelho, espelho meu, existe mulher mais linda neste reino que a minha?! (faz a voz empostada  do espelho) Não! Nenhuma mulher neste reino é páreo para a beleza e magnitude de sua esposa, meu nobre senhor! (sua voz) É, este espelho, ao contrário de você, Júlia, é fiel e sincero ao seu dono.

Corta para:

CENA 10. CASA DE LORENZO. SALA DE JANTAR. INT. NOITE.

Numa mesa de dez lugares, Lorenzo e Júlia jantam. Ele na cabeceira e ela logo à esquerda. Tomam uma sopa de legumes. Há ainda uma garrafa de vinho branco e duas taças servidas.

LORENZO: - Essa sopa me traz boas lembranças. Me lembra você, meu amor. Quando eu estava no hospital, pedia sempre que preparassem pra mim. Sem pimenta, é claro. Minha gastrite não me permite mais. (T) Já contei que perfurei um rim? Pois é. Por pouco não perfurei o fígado também. Ah, levei vários pontos na cabeça. Quer ver? (mostra) Aqui. Daqui até aqui.

Júlia já parou de tomar a sopa. Perdeu o apetite.

LORENZO: - Além disso, fiquei sem o movimento das pernas por algum tempo. É, fiquei. Foi desesperador. Você sabe o quanto eu aprecio o meu cooper matinal. Para mim, ficar sem andar seria pior que a morte. Enfrentei fisioterapia pesada. Mas eu pensava em você, meu amor. Te reencontrar foi o meu maior estímulo/

JÚLIA: (corta) – Eu quero ver o meu filho.

LORENZO: - Criança e lua de mel não combinam, meu bem. Vamos nos curtir um pouco mais, aproveitar esse momento só nós dois... ainda não matei completamente a saudade da minha mulher.

JÚLIA: - Eu tô falando sério, Lorenzo. Eu exijo que você me leve para ver o meu filho ou o traga até aqui. Ele precisa do remédio pra asma. Ele é asmático, você se esqueceu?

LORENZO: - Vamos brindar. Vamos brindar ao nosso casamento! A esse casamento tão feliz! Vamos, erga a sua taça, minha querida.

Impaciente, Júlia pega a taça e joga o vinho no rosto de Lorenzo. Ele limpa o rosto com um guardanapo. Segue frio.

JÚLIA: - Infeliz! Casamento infeliz! Com você eu passei os piores anos da minha vida. Maldita seja a hora que te conheci, Lorenzo. Antes eu tivesse continuado na rua, na vida que eu levava... Lá pelo menos nunca encontrei nenhum sujeito tão doente e asqueroso como você.

LORENZO: - Levante-se da mesa e vá para o quarto. Agora!

JÚLIA: - Eu tenho nojo de você!

Júlia sai da mesa e caminha em direção ao quarto. Lorenzo sério. Corta para:

CENA 11. CASA DE LORENZO. QUARTO. INT. NOITE.

Deitada na cama, Júlia chora abraçada ao travesseiro. Lorenzo entra, tranca a porta e apaga a luz. Está com um cinto de couro nas mãos. Fecha a porta de vidro que dá para a sacada. A luz da lua é o que ilumina o quarto. Júlia assustada.

JÚLIA: - O que vai fazer? Vai me bater? Vai me espancar como fazia antes?

LORENZO: - Vou só te dar uma liçãozinha, pra você respeitar o seu marido.

JÚLIA: - Não faça isso, Lorenzo. Olha, eu estava nervosa, eu não queria/

LORENZO: (corta) - Cala a boca!

Lorenzo joga Júlia de bruços na cama. Rasga as costas do vestido com as mãos. E, como se estivesse possuído por algum demônio, começa a chicoteá-la. Júlia sofre. Corta para:

CENA 12. APART. DE DAVI. COZINHA/SALA. INT. NOITE.

Davi está pronto pra sair. Sente alguma dor nas nas costas. Toma um comprimido. Coloca comida pro cachorro Bicicleta e sai. Usar cortes descontínuos. Corta para: 

CENA 13. RESTAURANTE. INT. NOITE.

Restaurante distinto. CAM encontra Gilda, Davi e Filipe numa mesa. Já jantaram. Estão na sobremesa.

GILDA: - Já contei do dia que conheci a Michelle Pfeiffer? Foi numa premiação em Berlim/

FILIPE: (corta) - Já, mãe, você já contou essa história um milhão de vezes.

GILDA: - E da Rosanna Arquette? Ela foi simpaticíssima/

FILIPE: (corta) – Também.

GILDA: - Poxa vida, já gastei todo o meu repertório de histórias apoteóticas com você, Davi?! Que triste.

DAVI: - Não tem problema, Gilda. Você tem o dom de contar uma mesma história várias vezes e torná-la sempre interessante de se ouvir.

GILDA: - Own, que amor! Mas tem um episódio que tenho certeza que é inédito. Nunca contei a ninguém, nem mesmo a você, Filipe. É meio escatológico, mas já acabamos de comer, então não tem problema.

FILIPE: - Ai, lá vem!

GILDA: - Sabe a Cassandra Peterson, aquela atriz americana conhecida por aquele filme da bruxa Elvira? Clássico da Sessão da Tarde. Pois é, imaginem vocês que eu a conheci numa festa em Los Angeles – que devo ter entrado de penetra, não lembro bem - e paguei o maior mico diante dela. Mico não, um King Kong mesmo.

DAVI: - O que você fez?

FILIPE: - Agora fiquei curioso.

GILDA: - Vomitei nos peitos da mulher, acreditam? Meninos, foi um auê! Eu já tinha tomado umas e outras, comido uns canapés, meu estômago começou a embrulhar... não deu outra: botei pra fora bem em cima dos airbags da musa. Uma coisa horrível! Eu gritava: tragam um trapinho pr’eu limpar a Elvira, gente! E ela louca de ódio, querendo comer meu fígado. Aí, numa indelicadeza sem tamanho, me expulsaram da festa, me chutaram, me xingaram: tramp bitch! Foi uma coisa triste.

DAVI: - Nossa, que história! Isso merece ser contado numa biografia, Gilda.

GILDA: - Merece um capítulo inteiro, meu bem. Mas o pior nem foi isso. Eu fiquei chateada mesmo foi porque me expulsaram da festa bem no momento que o Antonio Banderas, aquele deus espanhol escândalo, estava me dando o maior mole. Isso foi o que me quebrou as pernas.

FILIPE: - Ah, isso é realmente pra cortar os pulsos.

DAVI: - É verdade.

GILDA: - Pois é. Moral da história: não fosse por uma golfada, hoje eu poderia ser a senhora Banderas. É... mas não dá pra gente querer controlar o destino – muito menos náuseas. (ri) Mas me digam: e esse namoro lindo de vocês, de vento em popa? Pergunta retórica né, porque essa cútis maravilhosa de vocês já diz tudo.

DAVI: - Estamos...

FILIPE: (completa) - Nos suportando.

Todos riem.

GILDA: - Falem sério, meninos.

DAVI: - Não, falando sério mesmo: estamos bem felizes. O seu filho foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. (faz carinho)

GILDA: - Ai, gente, que fofo!

FILIPE: - Pois é, a gente tá até pensando em dar um passo adiante.

GILDA: - Casar?!

DAVI: - Noivar.

FILIPE: - O que você acha, mãe?

GILDA: - O que eu acho?

Gilda vê que um garçom está servindo vinho numa mesa ao lado. Pega uma taça vazia e perde:

GILDA: - Garçom, me sirva aqui, por favor.

FILIPE: - O que você vai fazer?

GILDA: (alto, convocando a todos ali) – Pessoal, peço um minutinho da atenção de vocês aqui.

DAVI: (pra Filipe) – O que ela vai fazer?!

FILIPE: - Dona Gilda, para com isso!

GILDA: (segue, com a taça pro alto) – Convoco a todos para brindarmos ao amor. Para brindarmos à união dos meus queridos Davi e Filipe, esses meninos lindos que estão noivando nesta noite. Viva o amor!

Todos levantam suas taças e dizem “viva”. Davi e Filipe envergonhados. Gilda sorridente.

GILDA: - Agora só falta o beijo.

Todos pedem um beijo. Um pouco intimidados, Davi e Filipe beijam-se, para a alegria de todos ali. Corta para:

CENA 14. FACHADA DO RESTAURANTE. EXT. NOITE.

Gilda, Davi e Filipe saem do restaurante. Davi vem alguns passos atrás, pois parou para cumprimentar alguém. Vão descer alguns degraus.

FILIPE: - Dona Gilda, da próxima vez que você quiser me matar de vergonha, avisa antes, pra eu vir vestido numa burca.

GILDA: - Que bobagem, Filipe! O amor tem mais é que ser celebrado mesmo, bradado aos quatro ventos... Amor guardado numa ostra não tem a menor graça.

Vemos que Davi começa a sentir uma forte dor nas costas. Ele perde o equilíbrio, cai e rola escada abaixo. Fica desacordado. Rápidos, Filipe e Gilda o socorrem. No rosto de Davi no chão, efeito e corta para:

FINAL DO CAPÍTULO 14

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Recomeçar - capítulo 13


autor: Augusto Vale

CENA 01. AVENIDA. EXT. NOITE.

Continuação imediata da última cena. Kadu desacordado e ferido dentro do carro. Júlia geme, mas não parece totalmente consciente. Há pouco movimento na avenida. Lorenzo parado, tocando em Júlia pela janela do carro. Emocionado:

LORENZO: - Que saudades, meu amor! Você não sabe como eu esperei por esse momento.

Agora, ele chama dois seguranças que estão na picape. Eles se aproximam. Lorenzo ordena:

LORENZO: - Levem ela para o carro.

Os seguranças o obedecem. Tiram Júlia do carro de Kadu e a carregam para o interior da picape. Lorenzo com os olhos em Kadu:

SEGURANÇA: - E ele, doutor? O que a gente faz com o playboy?

LORENZO: - Deixem esse idiota aí.

Lorenzo já está voltando pra picape. Todos entram no carro e saem com tudo. CAM volta pra Kadu, ainda desacordado e ferido. Mostrar que algumas pessoas tentam socorrê-lo. Falam fora de áudio. Corta para:

CENA 02. APART. DE DAVI. QUARTO. INT. NOITE.

No chão, Davi desperta de um desmaio. Zonzo. Filipe muito aflito.

FILIPE: - Davi, o que houve? Você desmaiou... Você caiu, escorregou, bateu a cabeça? Fala alguma coisa!

DAVI: - Não, tá tudo bem. Foi só uma tontura de repente.

FILIPE: - Como assim uma tontura? Que tontura é essa? É frequente? Você tá me escondendo alguma coisa, meu amor?

DAVI: - Não, bobagem. Deve ter sido o vinho.

FILIPE: - Será? Mas a gente sempre toma vinho. Eu não gosto nada disso. E tem ainda essas dores na coluna cada vez mais constantes. Você precisa procurar um médico, Davi.

DAVI: – Já disse que não é nada. Me ajuda aqui, me ajuda a levantar.

Filipe ajuda Davi a levantar. Davi sente dores nas costas. Vai pro banheiro tomar um comprimido. Filipe intrigado. Corta para:

CENA 03. APART. DE ABEL. SALA. INT. NOITE.

Gilda parada na porta com a cesta de chá nas mãos. Abel procura ser educado:

ABEL: - Entre.

GILDA: - Obrigada. (entregando a cesta) Trouxe pra você. É uma cesta de chá. Tem de tudo aí, você vai gostar.

ABEL: - Ah, obrigado. Não precisava. (T) Você disse que veio comemorar e me agradecer pela finalização do roteiro?

GILDA: - É, pois é. Eu fiquei muito satisfeita com o seu trabalho. Brilhante mesmo.

ABEL: - Mas o roteiro tá pronto há mais de dois meses. Não faz sentido/

GILDA: (corta) - Eu sei. Mas é que toda a fase de pré-produção tá no fim, vamos começar a gravar esses dias... então achei que devia te agradecer. Na verdade, eu queria ter vindo antes, mas fiquei com receio, não sabia se você me receberia bem.

ABEL: - Você achou o quê? Que eu bateria a porta na sua cara? Isso não é do meu feitio.

GILDA: - Abel, por mais que você tente ser educado, eu sei que a minha presença aqui é indesejável. Eu devo ser a pessoa que você mais odeia nesse mundo. Pra você, eu sou uma chantagista, uma mulher amoral, sem escrúpulos... E você tá certo. Eu posso ser isso tudo mesmo, embora viva dizendo que não. (T) Toda noite, quando eu coloco a cabeça no travesseiro, é em você que eu penso, é o seu rosto que veem à minha mente, às palavras duras que você me disse... Eu acho que eu nunca vou conseguir o seu perdão, não é?

ABEL: - Gilda/

GILDA: (corta) – Eu me arrependo disso tudo. Foi a maior burrada das burradas que já cometi nessa vida.

ABEL: - Os fins nunca justificaram os meios.

GILDA: - Eu sei disso. Aprendi a marretadas essa lição. (tira um pen drive da bolsa) Toma!

ABEL: - O que é isso?

GILDA: - O vídeo. O maldito vídeo que criou isso tudo. Esse é o único arquivo que existe dele. Toma! Acabou a chantagem!

Abel surpreso. Gilda com os olhos marejados. Corta para:

CENA 04. APART. DE DAVI. QUARTO. INT. NOITE.

Davi e Filipe deitados na cama. Filipe acaba de digitar uma mensagem no celular.

DAVI: - Vai ver ela tá no banho.

FILIPE: - A dona Gilda nunca perde essa mania de desligar o celular. Deixei uma mensagem de texto avisando que vou dormir aqui com você.

DAVI: - Já disse que estou bem. Não se preocupe.

FILIPE: - Como não vou me preocupar? E se você tem outro desmaio? Sozinho aqui nesse apartamento... Não, não, eu vou ficar aqui essa noite.

DAVI: - Mas você não tem um trabalho pra concluir, Filipe? Pode ir pra sua casa, eu tô bem.

FILIPE: - Primeiro vem você, depois o trabalho. Além do mais, é só mais um freela.

DAVI: - Você e seus freelas. Tá na hora de começar a procurar um emprego fixo, um trabalho que te dê um salário X no final do mês... Você tem uma excelente formação acadêmica, é talentoso, não devia se conformar com esses bicos que não vão te levar a lugar algum.

FILIPE: (meigo) - Mô, esse assunto agora não.

DAVI: (safado) - Tem razão. Tem coisa muito melhor pra fazer agora.

FILIPE: - Tipo?

DAVI: - Isso.

Davi beija Filipe com gosto. Muita pegada. Vão transar. Música: "Running Up That Hill" - Placebo. Corta para:



CENA 05. APART. DE ABEL. SALA. INT. NOITE.

Abre no pen drive na mão de Abel. Ele está surpreso com a atitude de Gilda. Ligeiramente tocado. Gilda chorou um pouco.

ABEL: - E o filme? Você vai desistir? O roteiro tá pronto, toda a equipe já tá mobilizada pro início das gravações/

GILDA: (corta) – Eu vou tentar negociar com a Leonor. Mas se ela não quiser mais produzir, tudo bem, eu pego tudo e ofereço pra outra produtora. O projeto já tem corpo, patrocinadores certos... não vai ser difícil levá-lo adiante. Enfim, não importa... O fato é que eu estou acabando com esse circo, recolhendo a lona e colocando um ponto final nesse espetáculo patético.

Gilda vai sair. Abel se apressa e a pega pelo braço.

ABEL: - Espere, Gilda.

Os rostos ficam bem próximos. Clima. Expectativa de beijo. Gilda sai. Corta para:

CENA 06. HOSPITAL. RECEPÇÃO. INT. NOITE.

Leonor e Horácio sentados. Esperam o médico. Leonor aflita. Horácio calmo.

LEONOR: - É o cúmulo! Cadê esse médico? 40 minutos plantada aqui sem saber o estado do meu filho.

HORÁCIO: - Acalme-se, Leonor. Nós já sabemos que, felizmente, não foi um acidente grave. Os médicos devem estar fazendo alguns exames apenas.

LEONOR: - Um hospital público! Nesse lugar não deve ter nem soro fisiológico, que dirá um aparelho de raios x que funcione.

O médico chega. Leonor mais aflita.

HORÁCIO: - Olha o médico vindo aí.

LEONOR: - Ah, doutor! Como está meu filho? Carlos Eduardo Galvão.

MÉDICO: - Bom, já o submetemos a exames de raio x, tomografia e demais procedimentos. Felizmente, nada grave foi diagnosticado.

LEONOR: - Graças a Deus!

MÉDICO: - Há um corte superficial na altura da sobrancelha e alguns hematomas. Mas nada grave. Fiquem tranquilos.

HORÁCIO: - Podemos vê-lo, doutor?

MÉDICO: - Poder, podem. Mas ele está dormindo. Está sedado. Só deve acordar pela manhã.

LEONOR: - Quero vê-lo assim mesmo.

MÉDICO: - Me acompanhem.

Os três saem. Corta para:

CENA 07. CASA DE LORENZO. QUARTO. INT. NOITE.

Antes de cortar pro quarto, vemos stock-shot da casa. Uma grande casa de praia no Rio. Já no quarto, um médico aplica uma injeção no braço de Júlia, que está desacordada sobre uma enorme cama. Lorenzo por perto. Um segurança próximo à porta.

MÉDICO: - Pronto. Com isso ela vai dormir por umas doze horas.

LORENZO: - Ótimo.

MÉDICO: - Aparentemente, ela não sofreu nenhuma luxação ou coisa parecida, mas o aconselhável seria levá-la a um hospital pra se fazer alguns exames e/

LORENZO: (corta) – Não creio que seja necessário. Se está tudo bem com ela, o doutor já pode ir. Eu saberei cuidar da minha mulher.

O médico sai acompanhado pelo segurança. Lorenzo senta na cama e começa a alisar as pernas de Júlia, subindo a mão até suas coxas.

LORENZO: - Acorde logo, meu amor. Nós temos muita saudade pra matar.

Ele caminha até a porta da sacada e olha pro horizonte, sentindo que tem o domínio do jogo. Corta para:



CENA 08. RIO DE JANEIRO. EXT. DIA.

Música: "Save Room" – John Legend. Sol nascendo. Imagens clipadas de um novo dia. Encerra na fachada da casa de Lorenzo, que está saindo de carro. Corta para:

CENA 09. HOSPITAL. QUARTO. INT. DIA.

Leonor sentada próximo ao leito de Kadu. Cansada, uma vez que passou a noite inteira ali sem dormir. Kadu vai despertando. Está com um curativo na altura da sobrancelha. Leonor aproxima-se depressa.

KADU: - Mãe? O que aconteceu?

LEONOR: - Você tá no hospital, meu amor. Bateu o carro, ou bateram no seu carro, não sei ao certo. Você consegue lembrar? Tá sentindo alguma dor?

KADU: (recordando-se) – A Júlia... Onde tá a Júlia? Ela estava comigo... Onde ela tá? Ela tá aqui? Ela tá nesse hospital?

LEONOR: - Como é que eu vou saber?!

KADU: - Fala, mãe!

LEONOR: - Tá, tá, tá... Dizem que ela sumiu depois do ocorrido. Evaporou. Virou fumaça.

KADU: - Como é? Sumiu? Você tá brincando comigo?

Horácio entra no quarto. Leonor mostra-se alheia ao fato de Júlia ter sumido e afasta-se. Kadu num desespero crescente.

HORÁCIO: - Acordou, meu filho?!

KADU: - Ô pai, pelo amor de Deus, me diz: o que houve com a minha namorada, o que aconteceu com a Júlia?

HORÁCIO: - Você não contou pra ele, Leonor?

LEONOR: - Não enche, Horácio.

KADU: (exaltado) – Que porra aconteceu que vocês estão me escondendo? Falem de uma vez!

HORÁCIO: - Calma, Kadu! Procura ficar calmo. Se exaltar não vai adiantar nada.

Horácio abre a gaveta de uma mesinha ao lado da cama e tira de lá a bolsa de Júlia e entrega a Kadu.

HORÁCIO: - Só encontraram isto. Quando o socorro chegou, só você estava no carro.

KADU: - Como é que pode? Isso não é possível. Eu lembro bem... eu estava indo levar a Júlia em casa, aí, de repente, um carro atravessou a pista e bateu no meu. Foi tudo muito rápido, tudo muito/ (racional) Calma, isso é só uma grande confusão. Cadê o meu celular? Eu preciso dele, eu preciso fazer uma ligação.

HORÁCIO: (tirando do bolso) – Está aqui. Mas o que você vai fazer?

KADU: (digitando) - Ligar pro celular da Júlia, é claro.

Dentro da bolsa, o celular de Júlia chama.

KADU: - Ai que droga! Droga! (T) Talvez a Tia Sofia saiba de alguma coisa.

Kadu ligando. Corta para:

CENA 10. APART. DE TIA SOFIA. SALA. INT. DIA.

Sozinha em casa, Tia Sofia fala ao telefone com Kadu:

TIA SOFIA: - Não, meu filho, não vejo a Júlia desde ontem à noite, quando ela saiu com você.  A cama nem foi desfeita, achei que/ (objetiva) Vem cá, o que tá acontecendo, Kadu? Eu tô começando a ficar nervosa.

Tia Sofia ouve o que Kadu diz (fora de áudio). Abalada, não consegue dizer mais nada e deixa o telefone cair. Nesse momento, Belita vai chegando da rua.

BELITA: - Pronto, agora que já deixei o Javier na escola, vou/ (percebe a situação) O que aconteceu, Tia Sofia? A senhora tá branca feito uma vela. Tá passando mal? É, parece que sim.

Belita ajuda Tia Sofia a sentar no sofá. 

BELITA: - Vou pegar uma água pra senhora.

Belita vai atrás da água. Tia Sofia aluída. Corta para:



CENA 11. SHOPPING. INT. DIA.

Música: "Otra Luna" - Carlos Libedinsky. Cena costurada por cortes descontínuos. Lorenzo faz compras numa loja de roupas femininas. Conversa com vendedoras. Passa numa loja de brinquedos. Sai do shopping com algumas sacolas. Corta para:

CENA 12. ESCOLA INFANTIL. PÁTIO. INT. DIA.

Segue a música. Lorenzo observa Javier brincando com os coleguinhas. Sem preocupação em ser visto. Num dado momento, o menino o vê e, reconhecendo-o, corre até ele. Se abraçam e matam a saudade. Uma professora, desconfiada, está de olho. Lorenzo vai conversar com ela e sai da escola levando Javier. Cena com cortes descontínuos e fora de áudio. Corta para:

CENA 13. APART. DE DAVI. QUARTO/BANHEIRO. INT. DIA.

Davi dorme. Logo desperta, olha o relógio na cabeceira e levanta apressado. Filipe entra, carinhoso, já pronto pra sair.

DAVI: - Caramba! Quase 11 horas! Por que não me acordou, Filipe?

FILIPE: - Bom dia, belo adormecido! Não tive coragem. Você dormia tão profundamente.

DAVI: - Tem muito trabalho me esperando na produtora.

FILIPE: - Eu também vou indo, preciso cuidar dos “freelas” que você tanto implica.

Agora já no banheiro. Davi escovando os dentes. Filipe abraçando-o por trás.

FILIPE: - À noite vamos jantar com a minha mãe. Você tá lembrado, né?

DAVI: - Claro que tô lembrado. As reservas já estão feitas.

FILIPE: - Quer apostar quanto que ela vai contar outra vez do encontro com a Michelle Pfeiffer? 

DAVI: - Eu aposto que ela conta o da Rosanna Arquette.

FILIPE: - A dona Gilda é impossível! Bom, vou indo.

DAVI: - Não quer que eu te leve?

FILIPE: - Não, você já tá atrasado. Dá aqui um beso! (beija e vai saindo) Bom trabalho, meu amor.

DAVI: - Pra você também. Se cuida hein! O jantar é às oito e meia!

FILIPE: (off) - Já sei. Fui!

Filipe já foi. Davi sente dor na coluna. Leva as mãos como se pudesse contê-la. Toma um comprimido. Corta para:

CENA 14. PRODUTORA GALVÃO. ANTESSALA/SALA DE LEONOR. INT. DIA.

Leonor vai chegando. Flavinha sai da mesa e mostra serviço:

FLAVINHA: - Leonor, pensei que você não viesse hoje.

LEONOR: - E porque não viria? É feriado? Dia mundial da cafonice?

Vemos que Flavinha usa uma saia fora da moda. A secretaria fica sem jeito, mas já está habituada ao humor da patroa:

FLAVINHA: - Imagino então que esteja tudo bem com o Kadu. Não se fala em outra coisa aqui na produtora.

LEONOR: - Esse é o problema de vocês: falam demais e trabalham ‘de menos’. O Kadu está ótimo, não foi nada grave, até já recebeu alta. Bateu num hidrante pra lavar os paralamas do carro. Agora vai, vai trabalhar.

Flavinha vai saindo da sala e Gilda entrando.

FLAVINHA: - Dona Gilda, a senhora não pode ir entrando/

LEONOR: (corta) – Deixa, Flavinha, deixa. (para Gilda) O que foi dessa vez? Não me venha com problemas, Gilda. A minha noite foi péssima, não estou num bom dia/

GILDA: (corta) – Vim rescindir meu contrato.

LEONOR: - Como é?

GILDA: - Estou tirando o cano da minha pistola do meio da sua cara Leonor. Não tem mais chantagem, não tem mais negociação, não tem mais filme... Quero dizer, o filme eu vou oferecer pra outra produtora aí que já está interessada.

LEONOR: - O que foi? Tá voltando do exorcista ou da igreja mesmo? Cadê aquela Gilda combativa, cheia de ases nas mangas, colocando um pen drive na minha cara e dizendo o que eu devo fazer?

GILDA: - Essa Gilda não existe. Isso foi um ato de desespero. Já caí em mim. Mas confesso que me diverti muito com isso tudo. Te ver acuada não tem preço, Leonor.

LEONOR: - Quer dizer então que você não quer mais que a produtora realize o filme?! Não sei se comemoro ou lastimo.

Abel entra, açodado:

ABEL: - Lastima, claro que lastima. (para Gilda) Você não pode fazer isso, Gilda. Não pare a produção do filme.

Clima. Leonor sem entender. Corta para:

CENA 15. ESCOLA INFANTIL. PÁTIO DE SAÍDA. EXT. DIA.

Crianças saindo da escola com os pais. Belita vai chegando. Procura por Javier entre elas. Aproxima-se da professora.

BELITA: - Onde está o Javier? No banheiro?

PROFESSORA: - Não, o Javier foi pra casa mais cedo.

BELITA: - Como assim ‘foi pra casa mais cedo’? Eu estou vindo de casa, vim buscá-lo.

PROFESSORA: - O pai dele o levou. Lorenzo, né?! Ele disse que tinha acabado de chegar de viagem e queria fazer uma surpresa pra esposa.

BELITA: (em choque, consigo mesma) – Não acredito!

Corta para:

CENA 16. CASA DE LORENZO. QUARTO. INT. DIA.

Na cama, Júlia desperta. Estranha o lugar onde está. Lorenzo vem da sacada. Vento nas cortinas, gerando um efeito sobrenatural.

LORENZO: - Dormiu bem, meu amor?

Extremamente assustada, Júlia solta um grito de pavor. Nisso, efeito e corta para:

FINAL DO CAPÍTULO 13

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Recomeçar - capítulo 12


autor: Augusto Vale

CENA 01. PUB. INT. NOITE.

Continuação imediata da última cena. Filipe acaba de chegar. Davi sério. Júlia e Kadu fazem sua parte, tentando facilitar a situação para os dois.

KADU: - Boa noite, Filipe. Não quer se juntar a nós?

JÚLIA: - É, senta aqui com a gente.

Davi dá uma cutucada com o pé em Kadu, demonstrando não gostar da ideia.

FILIPE: - Tudo bem pra você, Davi?

DAVI: (T) - Senta aí.

FILIPE: - Valeu!

KADU: - Filipe, deixa eu te apresentar essa pessoa mais que especial: essa é a Júlia, minha namorada.

FILIPE: - Muito prazer, Júlia-pessoa-mais-que-especial!

JÚLIA: - Prazer, Filipe!

FILIPE: - Quer dizer que hoje o Davi tá de candelabro?

DAVI: - Lembrei de um ditado muito bom agora/

KADU: (corta) – Vamos pedir mais um rodada?

Kadu acena pro garçom. Davi de mau humor. Filipe sem graça. Corta para:

CENA 02. APART. DE GILDA. SALA. INT. NOITE.

Abel parado na porta, ainda do lado de fora. Muito sério, mas inicialmente calmo. Ele está com o cavalinho de madeira que ganhou de presente de Gilda. Gilda sorridente. Ela já imagina do que se trata.

GILDA: - Abel! Que surpresa!

ABEL: (abre a mão, mostrando a pequena câmera) – Vim te devolver isso.

GILDA: - O que é isso?

ABEL: - Me parece uma câmera. A micro câmera que você malocou no meu apartamento, Eleonora. Ou será que já posso te chamar de Gilda?

GILDA: (T) –Por que você não entra? Entre, eu te sirvo alguma coisa e a gente conversa com calma. Por favor!

ABEL: (entrando e deixando o cavalinho em algum móvel) – Dispenso a bebida ou seja lá o que for que você tenha pra me oferecer. Você já deu provas de que não é uma pessoa de confiança. A Leonor me contou o que você fez.

GILDA: - Espera aí, Abel. Tenho certeza que a Leonor contou uma versão totalmente distorcida dos fatos. Essa mulher me odeia... A Leonor é uma cobra!

ABEL: - Cobra? Mais cobra que você? Não era a Leonor que estava rastejando no meio da rua, em frente o meu prédio, fingindo ter sido assaltada e pronta pra dar o bote. Se tem alguma cobra nessa história, é você. E das mais peçonhentas!

GILDA: - Você está sendo injusto. Eu não fiz nada disso pra te atingir, Abel.

ABEL: - Ah, mas isso tá muito claro. Eu nem te conheço, ow. Até ontem, eu imaginava que seu nome fosse Eleonora. Eleonora Perón! Que grande idiota eu sou, né? Mereço o Oscar, na categoria “maior trouxa do ano”. (T) Quando foi que você instalou essa câmera no meu quarto? Só pode ter sido no dia que você chegou com esse presente, esse cavalo de madeira escroto. O cavalinho de Tróia da Gilda Lazarotto! Era o quê? Uma metáfora que o imbecil aqui não sacou?

GILDA: - Isso nem me passou pela cabeça. (T) Abel, por favor, me ouça. Eu preciso que você me ouça e entenda o meu lado. Eu posso explicar tudo!

ABEL: - Não existe explicação pro que você fez, sua chantagista!

Clima tenso. Abel já está mais alterado. Corta para:

CENA 03. PUB. INT. NOITE.

Continuação da cena 01. Abre numa pessoa cantando no karaokê. Davi segue sem dar confiança a Filipe. Do outro lado da mesa, Kadu e Júlia abraçados.

KADU: - Alguém vai enfrentar o karaokê?

JÚLIA: - Eu acho divertido.

DAVI: - Pagação de mico? Tô fora!

FILIPE: - Pois eu sou o próximo!

CORTE DESCONTÍNUO. Filipe canta “Your Song”, do Elton John. Canta olhando para Davi, como se dedicasse a ele. Aos poucos, Davi parece se emocionar com aquilo. CORTE DESCONTÍNUO. Davi canta “Take Me On”, da banda A-ha. Bem animado. A galera vibra. CORTE DESCONTÍNUO. Kadu e Júlia arrasam cantando “The Time of My Life”, de Bill Medley e Jennifer Warnes. Eles ainda ensaiam alguns passos de Patrick Swayze e Jennifer Grey no filme “Dirty Dancing”. O casal vira sensação do pub. Corta para:

CENA 04. APART. DE GILDA. SALA/CORREDOR. INT. NOITE.

Continuação da cena 02. Abel em pé. Gilda sentada no sofá, cabisbaixa, vitimizada.

GILDA: - Procurei a Leonor inúmeras vezes. Pedi ajuda. Pedi uma força. Ela nunca foi capaz de me dar uma mão. Às vezes, até inventava desculpas pra não me receber. Nunca sequer leu um projeto que lhe apresentei. Na última vez, me humilhou da maneira mais atroz possível, sem qualquer piedade. Você tinha que ver... Saí de lá aniquilada, destroçada, um farrapo... A Leonor não é gente!

ABEL: - E por causa disso você armou essa arapuca pra ela. Você acha que assim vai conseguir o que quer? Até onde você pensa que vai chegar com essa desforra sem sentido?

GILDA: - Eu só queria produzir o meu filme. Só queria voltar a trabalhar no que amo. Você acha que eu me orgulho de lançar mão desses métodos? Não me orgulho não! Me envergonho, se você quer saber.

ABEL: - Pois é o mínimo. Chantagem! Um golpe baixo, torpe... Você não tem o direito de colocar a Leonor contra a parede! Você não tem o direito de usar esse vídeo como moeda de troca. Isso é a intimidade da Leonor. É a nossa intimidade! Você me enoja. (sai)

GILDA: (vai atrás) – Tenta me entender, Abel, pelo amor de Deus!

Aqui, Abel e Gilda já estão no corredor. Ele espera o elevador. Gilda chora.

ABEL: - Não tem nada pra entender. Isso que você está fazendo com a Leonor é asqueroso!

GILDA: - Me diz, o que você quer que eu faça? Eu faço. É só você dizer. Eu me retrato. Eu te entrego o vídeo! Te entrego as cópias também. (T) Eu desisto do filme! É, eu desisto, eu abro mão, eu acabo com essa chantagem em dois tempos. É isso que você quer? Faço ainda melhor: eu peço perdão a Leonor. Mas, por favor, não me trate assim, não me vire as costas... Eu faço qualquer coisa. Eu só não quero perder a sua amizade, Abel.

ABEL: (T) – Que amizade? Eu não sou seu amigo, Gilda.

O elevador já chegou. Abel entra. Eles se entreolham até as portas fecharem. Ela segue chorando. Ele está sério, irredutível. Corta para:

CENA 05. PRAIA. EXT. NOITE.

Júlia e Kadu se divertem no mar. Se beijam e se abraçam. Davi e Filipe estão na areia, sentados lado a lado, observando o casal. Davi já baixou mais a guarda.

FILIPE: - Eles formam um casal muito bonito, né?

DAVI: - O Kadu tá muito feliz. A Júlia faz muito bem a ele.

FILIPE: - É, dá perceber. (T) Deixa eu te confessar uma coisa: não foi por acaso que eu apareci/

DAVI: (corta) – Você acha que eu sou ingênuo a esse ponto?!

FILIPE: (T) - Não fica bravo com o Kadu. A ideia foi minha. Ele só deu uma força porque eu pedi. Se bem que o karaokê foi invenção dele mesmo.

DAVI: - Você mandou bem.

FILIPE: - Ah, você também.

DAVI: - O que você pretende com isso?

FILIPE: (toca a mão de Davi na areia) – Não paro de pensar em você, Davi.

Agora eles se entreolham. Clima. Depois, Davi afasta a mão que Filipe acariciava e fica em pé. Filipe também levanta. Não se encaram.

DAVI: - Romantismo agora? Isso não combina contigo.

FILIPE: - Eu sei, eu não fui legal com você.

DAVI: - Imagina. Era um direito seu. Acho que eu é que acabei confundindo as coisas, fui exigindo demais, criando expectativas...

FILIPE: - Teria como você resgatar essas expectativas?

Entra música ao fundo: How Long Will I Love You – Ellen Goulding. Davi vira-se e olha para Filipe, que continua:

FILIPE: - Vamos começar de novo, Davi?

DAVI: - Começar?

FILIPE: - Me dê a oportunidade de corresponder às suas expectativas.

DAVI: - Eu/

FILIPE: (corta) - Lembra que você disse que eu devia acordar pra vida? Pois então... Eu quero acordar, mas quero que seja ao seu lado. Todos os dias.

Davi abraça Filipe. Do abraço, partem pro beijo. Sobe a música. Júlia e Kadu assistem de longe, felizes. CAM volta pro beijo de Davi e Filipe. Corta para:



CENA 06. APART. DE DAVI. QUARTO. INT. NOITE.

Segue a música. Davi e Filipe transam. Romantismo. Beijos. Química. Corta para:



CENA 07. RIO DE JANEIRO. EX. DIA.

Música: "Are You With Me" - Lost Frequencies. Stock-shots. Segunda-feira amanhecendo no Rio. Encerra-se na fachada da Produtora Galvão. Corta para:

CENA 08. PRODUTORA GALVÃO. SALA DE LEONOR. INT. DIA.

Leonor está acertando alguma pendência com um dos sócios da produtora. Flavinha, a secretária, entra.

FLAVINHA: - Leonor, a Gilda Lazarotto está aí e pede pra falar com você.

LEONOR: (arqueja) – Diz a ela pra esperar uns dez minutos, ainda não acabei aqui.

GILDA: (invadindo, botando banca) – Dez minutos é muito tempo, e o meu tá valendo ouro. Vai me atender agora ou eu já posso ir distribuindo a pipoca e os oclinhos 3D pra todo mundo?

LEONOR: (para o sócio) - Depois continuamos, Saramago. (para Flavinha) Pode ir também, Flavinha.

O sócio e Flavinha saem. Gilda muito séria, altiva e decidida.

LEONOR: - Você tá louca? Perdeu o juízo? Isso aqui é uma empresa séria, não é um desses botecos que você frequenta. Você precisa ter mais/

GILDA: (corta) - Cala a boca, vadia! Eu vim te informar que já contratei um advogado. Um excelente advogado. Ele vai te procurar ainda hoje pra acertar os detalhes do meu contrato com a produtora. Ele já está por dentro de todas as exigências que estou fazendo. Espero que você já tenha convencido o seu amante a roteirizar o filme. É a primeira cláusula do contrato.

LEONOR: - Você sabe que eu posso acabar com esse circo num estalar de dedos, não sabe? Isso que você está fazendo é chantagem. Você fez espionagem no apartamento do Abel. Isso é violação de intimidade, isso é crime! Você vai parar na cadeia!

GILDA: - E você vai parar onde, Leonor? Na internet, na rede mundial de computadores! Sem falar na repercussão que certamente terá nos jornais, nas revistas, na TV... De grande empresária da indústria cinematográfica, você passará a ser conhecida como a ilustre e notável piniqueira da zona norte. Leonor Chobrega Galvão!

Leonor dá um tapa em Gilda. Tensão. Gilda revida o tapa, com um capricho a mais. Leonor perde o equilíbrio e quase cai.

GILDA: - Tamanqueira! (T) Trate de apressar todas as burocracias, eu quero começar a gravar logo, já!

Leonor ainda sentindo o peso da mão de Gilda, que está implacável. Corta para:



CENA 09. COMPILAÇÃO DE CENAS

Ao som da música "Catle In The Snow" (The Avener), temos agora uma passagem de tempo de 10 MESES. Antes do letreiro surgir na tela, vemos uma compilação de cenas que ilustrem o que aconteceu nesse ínterim. As principais:

- Gilda totalmente focada na produção do filme. Dá dicas para Abel no roteiro. Apesar disso, os dois seguem distantes um do outro. Gilda confere cenários, confecção de figurinos etc.

- Júlia e Kadu seguem juntos e cada vez mais apaixonados. Mostrar ainda Júlia trabalhando no buffet e Kadu fazendo fotografias. Não deixar de incluir Javier, Tia Sofia e Belita na relação deles.

- Davi e Filipe também constroem um relacionamento sólido. Mostrar que o namoro está bastante feliz. Fazem programas com Júlia e Kadu também.

- Horácio no golfe e paquerando no clube.

- A relação de Abel e Leonor passando por uma crise. Não se entendem na cama. Ele não aceita que ela ceda às chantagens de Gilda.


10 MESES DEPOIS

CENA 10. TERRAÇO DO PRÉDIO DE TIA SOFIA.  EXT. NOITE.

Abraçados, Júlia e Kadu se beijam.

KADU: - Tá feliz?

JÚLIA: - Não poderia estar mais feliz.

KADU: - Hummm... eu acho que pode sim.

JÚLIA: - Hã? Como?

Kadu surpreende Júlia ao abrir uma caixinha de anel de noivado. Entra a música "Kiss Me" - Ed Sheeran ao fundo.

KADU: - Casando comigo. (T) Meu amor, você me aceita como seu marido?

JÚLIA: (emocionada) – É claro, é tudo que eu mais quero. Eu te amo tanto, Kadu!

KADU: - Eu te amo cada vez mais!

Eles se beijam. Sobe a música. CAM vai afastando em dolly out. Corta para:



CENA 11. MOTEL. QUARTO. INT. NOITE.

Segue a música. Na cama, Júlia e Kadu transam, comemoram o noivado e celebram o amor. Exalam paixão. Muita química. Usar fades na edição. Corta para:

CENA 12. APART. DE ABEL. SALA. INT. NOITE.

Abel está na cozinha, acabando de lavar louça. A campainha toca e ele vai atender. Depara-se com Gilda, que está com uma cesta de chá nas mãos. 

GILDA: - Vim agradecer e comemorar a finalização do roteiro.

Enquanto ele está bem sério, ela parece serena. Corta para:

CENA 13. APART. DE DAVI. SALA/QUARTO. INT. NOITE.

Davi e Filipe jantam. Há vinho e algum prato não muito sofisticado.

DAVI: - Mas me conte, a quantas anda o filme da sua mãe?

FILIPE: - Acabaram de finalizar o roteiro. Ela só vive pra isso. E temo que agora que as gravações vão começar, a tal Olívia Watterson baixe nela em definitivo.

DAVI: (ri) – Que exagero, amor! A Gilda tem uma personalidade muito forte, de cores quentes... Admiro isso nela.

FILIPE: - Eu tô brincando. A minha mãe, apesar de ter aquele jeito doidivanas, sempre foi uma grande referência pra mim. Até porque não tive pai. Já te contei que meu pai foi um hippie que ela conheceu quando inventou de morar numa comunidade alternativa?

DAVI: - Jura? Essa eu quero saber. Vou ao banheiro e volto num minuto pra ouvir essa história. (sai falando) Bem que eu desconfiava que essas suas ideias de amor livre tinham um pé no movimento hippie. Agora tá explicado: tá no sangue.

FILIPE: (ri) – Nunca vi as fuças do dito cujo. Ela não tem sequer uma foto dele, acredita?

Silêncio. Filipe ouve um barulho. Vai pro quarto, intrigado:

FILIPE: - Davi? Tá tudo bem aí? Que barulho foi esse?

Filipe encontra Davi desmaiado no chão do quarto. No susto dele, corta para: 

CENA 14. AVENIDA. EXT. NOITE.

Júlia e Kadu estão voltando do motel, de carro. Ele dirige.

KADU: - A gente precisa começar a procurar um apartamento, uma casa, um lugar legal. Meio cansado de motel. Sabe como eu me sinto?

JÚLIA: - Como?

KADU: - Um adolescente que não pode levar a namorada pra dormir na sua casa, nem pode dormir na casa dos pais dela.

JÚLIA: - Você não dorme na minha casa porque não quer, Kadu. A minha tia não vê problema. Ela é super de boa. O Javier também sabe do nosso namoro e vê tudo com naturalidade. Quer dizer, nada impede.

KADU: - Ah, não sei, não me sinto bem, não me sinto confortável... Neura minha. Mas, felizmente, logo seremos marido e mulher, teremos a nossa casinha, a nossa caminha, os nossos travesseiros... e teremos todo o sossego e comodidade do mundo.

JÚLIA: - Eu não vejo definição melhor pra felicidade.

KADU: - Já disse hoje que te amo?

JÚLIA: - Já. Mas já faz mais de meia hora.

KADU: - Oh meu Deus! Que falha gravíssima! Pois vou corrigir isso agora mesmo. Senhorita Júlia Vilela, eu, Carlos Eduardo Galvão, gostaria de lembrá-la que a amo com toda/

Nesse momento, antes que Kadu conclua a frase, uma picape preta aparece do nada e atinge o carro em que estão Júlia e Kadu. Um choque violento. Depois, vemos Kadu desacordado, com um corte na testa. Júlia mexe os olhos e geme, praticamente inconsciente. Da picape, um homem sai do passageiro e caminha até o carro de Kadu. Para próximo à porta onde está Júlia. Vemos agora que o tal homem é Lorenzo.

LORENZO: - Finalmente, meu amor!

Na felicidade doentia de Lorenzo, efeito e corta para:

FINAL DO CAPÍTULO 12

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Recomeçar - capítulo 11


autor: Augusto Vale

CENA 01. MANSÃO DE LEONOR. QUARTO/BANHEIRO DE LEONOR. INT. NOITE.

Continuação imediata da última cena. Gilda deitada na cama de Leonor, que acaba de entrar no quarto e flagrá-la. Quarto revirado, roupas e sapatos espalhados. Gilda cínica e sarcástica o tempo todo. Leonor não acredita no que vê.

LEONOR: - Você tá maluca?! O que você faz no meu quarto, na minha cama?! Que bagunça é essa?! Que zona é essa?!

GILDA: - Calma, Leozinha. Isso tudo faz parte do espetáculo.

LEONOR: - Você tá embriagada, sua infeliz?! Tá bêbada?! O whisky atrofiou o seu cérebro? Sai da minha cama!

GILDA: - Acho bom você ir se acalmando. Senta aqui, amiga. Vamos ver um filmezinho juntas.

LEONOR: (pegando no chão) - Meus sapatos, meus vestidos... Mas cadê a Zezé que não viu/

GILDA: - Aproveita e cata isso aqui também ó, amada!

Gilda dá play no controle remoto, ligando a TV. Começa a reproduzir o vídeo da transa de Leonor com Abel. CAM pega a reação de Leonor se identificando na gravação. Chocada, deixa as roupas e os sapatos que pegou do chão caírem. Leve tontura.

GILDA: - É, eu também fiquei meio tonta quando vi. E foi em tempo real, o que deu um barato extra. Esse Abel é um espetáculo de homem! De boba você não tem nada, hein fofa?!

LEONOR: - O que significa isso?!

GILDA: - Que foi?! Não se reconhece mais?! Olha, eu nunca imaginei que você tivesse tanto talento pra pornochanchada. Escondendo o jogo esse tempo todo, Leozinha?!

LEONOR: - Onde você conseguiu isso?

GILDA: - Tá na praça. Baratinho. Com R$ 2 você adquire na mão de qualquer pirateiro. Tá vendendo feito água. Tá, brincadeira. Mas pode ser só uma questão de tempo pra isso acontecer. Vai ser um escândalo sem precedentes, já pensou?! O Horácio, o Kadu... como será que eles vão reagir quando souberem que você guarda um segredinho na zona norte e um verdadeiro vulcão debaixo da saia?!

LEONOR: (toma o controle remoto) – Me dá isso aqui! (desliga a TV)

GILDA: - Ah, que droga! Poxa, Leo, justo agora que ia entrar na parte que você dá uns gemidos de loba no cio na montanha fria?! É o clímax do filme! Deixa de ser rabugenta, liga aí. Chama a Zezé, diz a ela pra trazer uma pipoca. Doce, porque sal não vai fazer bem pra sua pressão agora.

LEONOR: (ainda tonta) - Pelo amor de Deus, onde você quer chegar com isso?!

GILDA: - Antes, quero que você mate a minha curiosidade. Perguntinha de comadre pra comadre: o Abel sofre de dupla personalidade, né? No dia a dia é Abel, mas quando cai na cama é o Caim inteirinho. Rústico, bravo, selvagem, dominador, macho alfa... Ui! Olha como eu fico, me arrepio toda.

LEONOR: - É chantagem, não é? Claro que é. É bem a sua cara esse tipo de golpe baixo. Diz, o que você quer?! Fala, antes que eu te cubra de tapas!

GILDA: - Olha a violência! Vamos manter a cordialidade, o senso de humor... Vai, faz comigo, inspira e respira. Encha os pulmões e depois vá soltando devagar. (nota Leonor séria) Aff, melhora essa carranca, Leonor! Isso aqui é apenas uma grande brincadeira. Eu pensei que você fosse se divertir, juro pra você.

Leonor vai até o home teather, tira o pen drive e o despedaça com o salto do sapato.

LEONOR: - A minha paciência com você já esgotou!

GILDA: - Hummm... Essa é a hora da cena que eu falo: “tenho várias cópias disso, sua boba”. Ai, eu sempre quis dizer isso!

LEONOR: - Como você é sórdida, Gilda!

GILDA: - Hein? Você chamando alguém de sórdida?! Espera só um minutinho. (enfia a mão na bolsa e tira um espelho) Toma! Espelho, Leonor; Leonor, espelho.

LEONOR: - O que você quer?

GILDA: - Quero que você repita comigo: “eu vou produzir o seu filme com toda a pompa que você merece, amiga”. Vamos, repita!

LEONOR: - Você é ridícula!

GILDA: - Repita! A escolha é sua: ou o meu filme vai pra telona ou o seu que vai viralizar na internet. No caso da segunda opção, eu posso te garantir que não será uma exposição nada positiva pra você. Será um escândalo tão grande que até mesmo os seus ancestrais ficarão envergonhados. Mortos de vergonha. (gargalha) Entendeu a piadinha?

LEONOR: (baixo) – Tá bem.

GILDA: - Hã? Não ouvi.

LEONOR: - Eu vou produzir o filme.

GILDA: (alegre) - Com toda a pompa que eu mereço?

LEONOR: - Com pompa, com aparatos, com o diabo!

GILDA: (vibra) – Yes!!!  Agora você falou a minha língua, Leozinha do meu coração!

LEONOR: - Eu quero todas as cópias que você tem desse vídeo.

GILDA: - Você terá, não se preocupe. Mas calma aí, porque ainda me faltam dois pedidos, geniazinha. Primeiro: vou ficar com esse bracelete e esses dois anéis da sua coleção. Dei uma olhada nas suas roupas, mas não gostei de nada, você não tem o meu estilo singular. Então vou ficar só com essas joinhas mesmo. Tudo bem?

LEONOR: (arqueja) – Tá bem, pode ficar com o bracelete e os anéis.

GILDA: - Maravilha! O terceiro e último pedido também não vai lhe custar tão caro. Quero que o Abel seja roteirista do filme.

LEONOR: - O quê?!

GILDA: - Não tem negociação.

LEONOR: - Isso não depende de mim. O Abel não vai aceitar isso.

GILDA: - Tenho certeza que você tem lábia suficiente para convencê-lo.

LEONOR: - Como é que você sabe que o Abel é roteirista, trabalha pra produtora...? Como é que você sabe disso tudo?

GILDA: - Ah, Leonor, é uma looooonga história. Depois, ele mesmo te conta. Bom, deixa eu recolher meus brinquedos, porque a brincadeira já acabou. Vou indo. Segunda ou terça-feira, apareço lá na produtora pra gente acertar os detalhes do contrato, cláusulas, orçamento, essas burocracias....

LEONOR: - Não acredito que caí nessa armadilha ridícula.

GILDA: (abraçando Leonor pelas costas) – Parece que o jogo virou, não é mesmo? (vai sair) É muito bom poder contar com você, Leo. Tenho certeza que essa nossa parceria será fabulosamente próspera. Olívia Watterson vai bombar outra vez! (T) Até loguinho!

Gilda sai. Leonor fica vertendo ódio. Vai pro banheiro. Depara-se com algo escrito a batom no espelho: “o saboroso dia da caçadora”. Na ira de Leonor, corta para:

CENA 02. APART. DE GILDA. COZINHA. INT. NOITE.

Na mesa, Filipe trabalha num freela. Desenha no papel. Laptop ligado na mesa. Celular do lado. De repente, lhe vem um pensamento. Entra insert da cena 02 do capítulo 10:

DAVI: Tá na hora de você começar a lidar com o fracasso, com as decepções, com as diferenças, com os demônios debaixo da sua cama... Tá na hora de você aprender que o mundo não é uma dessas ilustrações que você faz no papel, perfeitinhas, coloridas, cheias de ilusões de ótica, do jeito que bem quer... Acorda, cara! Te orienta!

Entra música: "Hello" – Adele. Volta pra Filipe no tempo real. Pensativo. Pega o celular e busca o contato de Davi. Faz uma ligação. Corta para:



CENA 03. APART. DE DAVI. SALA. INT. NOITE.

Segue a música. Davi também trabalha, escrevendo no laptop. Celular toca. Ele olha no display: Filipe. Ignora. Deixa tocando até cair na caixa de mensagem. Corta para:

CENA 04. APART. DE GILDA. COZINHA. INT. NOITE.

Continuação da cena 02, com a mesma música. Reação de Filipe, que não teve sua ligação atendida. Não insiste. Cai mensagem de texto de um amigo: “Vai rolar festinha na casa da Cleo. Vai?”. Filipe responde: “Tô no clima não”. Filipe pensativo e voltando pra sua ilustração. Corta para:

CENA 05. TERRAÇO DO PRÉDIO DE TIA SOFIA. EXT. NOITE.

CAM abre no envelope passando da mão de Kadu para Júlia. Os dois frente a frente, em pé:

KADU: - Nem abri.

JÚLIA: - Por que você tá me entregando isso?

KADU: - Pertence a você. É o seu passado, é a sua vida, sua história... Ninguém tem o direito de julgá-la por isso. A minha mãe é uma pessoa extremamente materialista, ambiciosa, sempre deu mais valor ao dinheiro do que a qualquer outra coisa. Mas dessa vez ela foi longe demais, foi invasiva, foi amoral/

JÚLIA: (corta) – Esquece isso. Eu entendo o lado dela, é natural que mãe sempre se preocupe e queira o melhor pro filho, então/

KADU: (corta) – O melhor pra mim é você, Júlia. Simples assim. Nada vai tirar você de mim, nem a minha mãe, nem o seu passado... nada nem ninguém!

JÚLIA: - Eu te amo, Kadu!

KADU: - Meu amor!

Kadu beija Júlia com vontade, na certeza de que ela é a mulher de sua vida. Sobe "Kiss Me" - Ed Sheeran, que já estava tocando ao fundo na penúltima fala de Kadu. Corta para:



CENA 06. APART. DE ABEL. QUARTO. INT. NOITE.

Abre na micro câmera na mão de Leonor, que a mostra para Abel.

ABEL: - Isso é uma câmera? Mas como pode, como essa câmera veio parar aqui?

LEONOR: - Alguém entrou aqui e a instalou. Simples. Você não faz ideia de quem seja?

ABEL: - Não. Ninguém entrou aqui.

LEONOR: - Abel, eu estou sendo chantageada por causa dessa câmera. Nos filmaram juntos! Você tá entendendo o que estou dizendo? Uma fulana, uma desqualificada... (continua fora de áudio)

A ficha de Abel finalmente cai. Ele lembra do dia que Gilda apareceu dizendo ter sido assaltada, da desculpa que deu pra entrar em seu quarto e da última visita, onde ela disse que esperava que ele a perdoasse por sua atitude. Entram inserts disso tudo. Voltar pro tempo real. Leonor continua falando:

LEONOR: - ... ela está me fazendo mil imposições, exigindo que eu produza um filme idiota/

ABEL: (corta) - Eu lembrei. É claro! Só pode ter sido a Eleonora.

LEONOR: - Quem? Eleonora?

ABEL: - Sim. Eu a conheci há algumas semanas. Foi numa das últimas noites que você esteve aqui. Assim que você saiu, ela apareceu na rua, aqui em frente, desesperada, dizendo que havia sido assaltada. Eu fui socorrê-la, trouxe aqui, ofereci um chá...

LEONOR: (com ódio) – Maldita! Essa infeliz me seguiu até aqui naquela noite e ainda deu um jeito de entrar nesse apartamento e armar essa pra mim. Maldita! Maldita!

ABEL: - Não posso acreditar que isso seja verdade. A Eleonora/

LEONOR: (corta) – Eleonora uma pinoia! O nome dessa bisca é Gilda. Como é que você se deixou enganar desse jeito, Abel?

ABEL: - Gilda? Gilda? Você disse que ela quer que você produza um filme?

LEONOR: - É, é... é uma atriz de meia pataca, insignificante... ou ex-atriz, sei lá... Gilda Lazarotto é o nome que ela usa... Fez alguns filmes há muitos anos e por isso se acha a rainha da cocada preta. É uma frustrada, é isso que ela é!

ABEL: - Eu sabia, eu fiquei com a impressão de já tê-la visto em algum lugar...

LEONOR: - E agora, por causa do seu bom-mocismo e senso de heroísmo, eu estou nas mãos dessa lacraia. Muito obrigada, Abel. Muito obrigada.

Leonor senta na cama, irritada. Abel fica digerindo a história. Corta para:



CENA 07. RIO DE JANEIRO. EXT. DIA.

Música: "Chega de Saudade" - Roberta Sá. Stock-shots rápidos do domingo amanhecendo no Rio. Corta para:

CENA 08. APART. DE GILDA. COZINHA. INT. DIA.

Abre numa omelete que Gilda está preparando no fogão. Serve dois pratos. Café da manhã caprichado na mesa. Gilda cantarola alguma coisa, muito feliz. Filipe vem chegando, acaba de acordar. Surpreso com o que vê:

FILIPE: - Uau! A que santo eu devo agradecer por esse milagre?

GILDA: - A santa Gilda Lazarotto, também conhecida como sua adorável mãe. Eu não peço milagre, meu amor, eu mesma vou, corro atrás e os faço acontecer. Sou dessas.

FILIPE: - Eita! Mas pra você estar acordada antes das 10h, nesse pique todo, preparando café da manhã, alguma coisa muito boa deve ter acontecido. Namorado novo, dona Gilda?

GILDA: - E homem me deixa assim? (percebe o olhar intimidador de Filipe) Tá, tá, dependendo do homem, eu realmente dou uma leve pirada, me empolgo e tal. Mas não é o caso. Dessa vez, eu tô animada é por causa de uma mulher.

FILIPE: (engasga com café) – Que?

GILDA: - Uma mulher única, exuberante, deliciosa...

FILIPE: - Mãe?! Desconhecia esse seu lado.

GILDA: - Olívia Watterson, bobo. O filme vai sair!!! Não é maravilhoso?

FILIPE: - Jura?

GILDA: (mostrando o anel) – Juro, por essa nova e cintilante pedra.

FILIPE: (sacando) – Ah, não acredito! Você foi chantagear a Leonor... Mãe?!

GILDA: - Aff, Filipe, que palavra feia! Não gosto de colocar as coisas nesses termos. Digamos que eu dei uma forçadinha a mais. Você sabe que eu tenho um poder de persuasão poderoso, né?

FILIPE: - Tão poderoso que a Leonor jamais embarcou nas suas ideias... Se topou agora, é porque você atirou aquele vídeo feito uma granada na cara da infeliz.

GILDA: - Disse muito bem: infeliz! A Leonor é uma infeliz que se acha acima do bem e do mal. Ela pensava que eu ia deixar barato todos aqueles desaforos que ela despejou em cima de mim? Agora eu virei o jogo e vou mostrar pr’aquela pecaminosa dos Jardins do Éden que Gilda Lazarotto não é bagunça!

FILIPE: - Por falar em bagunça, tá bagunçado aqui ó, mãe. (colocando a mão no coração, triste)

GILDA: (faz carinho) - Ownt! Quem foi o desalmado que bagunçou o coração do meu filhote?

FILIPE: - Pior que fui eu mesmo. Acho que fiz uma besteira, uma besteira colossal.

GILDA: - Que tipo de besteira?

FILIPE: - Tava conhecendo um cara legal, gente boa... Rolou química, sabe? Química no beijo, na cama... Ideias e ideais parecidos também...

GILDA: - E onde tá o problema nisso que ainda não encontrei?

FILIPE: - O problema é que eu cortei o barato. Quando vi que ele estava se apegando, pulei fora.

GILDA: - Será mesmo que era só ele que estava se apegando? Ou você, ao notar que estava gostando do rapaz e da situação além da conta, é que ficou com medo de se amarrar e rompeu o laço?

FILIPE: - Não sei, talvez. Eu vinha pensando muito nisso. Aí nos encontramos anteontem por acaso e ele me disse umas verdades que me atingiram feito uma bala. Desde então, eu comecei a refletir ainda mais sobre essa questão de saber lidar com relações fracassadas, passos mal dados... 

GILDA: - Como é o nome desse rapaz?

FILIPE: - Davi.

GILDA: - Posso falar? Você tá marcando bobeira com o Davi. Se eu fosse você, o procuraria e falaria francamente com ele. De peito aberto mesmo. Ele deve estar chateado, o que é natural, mas duvido que se negue a te ouvir.

FILIPE: - Será?

GILDA: - Claro! Siga o meu conselho. Olha, se há duas coisas que a sua mãe conhece muito bem, são as letras das músicas da Cher e psicologia masculina. Eu sou PhD nesses dois assuntos. Procura o Davi e seja sincero com ele e honesto com seus sentimentos.

FILIPE: (decidido) – É isso mesmo que vou fazer!

Filipe pega o celular e faz uma ligação. Gilda contente. Corta para:

CENA 09. MANSÃO DE LEONOR. QUARTO DE KADU. INT. DIA.

Kadu sentado na cadeira da escrivaninha. Filipe em pé, acabou de chegar. Kadu vira-se e levanta para cumprimenta-lo. Depois, os dois vão sentar: Kadu no lugar de antes e Filipe na cama.

KADU: - E aí, Filipe, bom te ver! Tá tudo bem? Fiquei curioso pra saber que assunto sério é esse que você tem pra tratar comigo.

FILIPE: - Pois é, não dava pra falar por telefone. (T) Eu tô precisando de uma força sua. Eu sei que você e o Davi são muitos amigos, então acho que só você mesmo pode quebrar essa pra mim.

KADU: - Claro! O Davi me falou de você, sobre vocês e tal. Mas parece que você não foi muito legal com ele, né?

FILIPE: - É justamente pra consertar isso que eu tô aqui. Eu preciso encontrá-lo, eu preciso que ele me dê uma nova chance... Mas se eu for procurá-lo, se eu for bater lá no apartamento dele, ele não vai querer me ouvir. Então eu pensei em criar uma situação, um ambiente, um clima, sabe?

KADU: - Eu já sei como! Eu já sei como e onde você e o Davi vão se entender!

Filipe esboça um sorriso. Kadu com alguma ideia infalível em mente. Corta para:



CENA 10. RIO DE JANEIRO. EXT. DIA/NOITE.

Música: "Stand By Me" – Seal. Stock-shots rápidos do fim do dia e início da noite. Corta para:

CENA 11. APART. DE GILDA. SALA. INT. NOITE.

Gilda vê o filme ‘Desilusões de Olívia Watterson’ na TV. Dá pause o tempo todo. Copia falas num caderno. Filipe vem do quarto, vestido para sair.

FILIPE: - E então, mãe, como estou? (dá uma voltinha)

GILDA: - Lindo! Um arraso! Mas também, com essa genética maravilhosa, não precisa de muita produção pra você ficar irresistível. O Davi pode até tentar, mas vai acabar sucumbindo ao charme do meu filhote muso. (faz carinho de mamãe coruja)

FILIPE: - Ah, dona Gilda, para. Eu vou indo. Com esse trânsito, nunca se sabe.

GILDA: - E o beijinho da mamãe, não tem?

Os dois trocam selinhos de despedida. Filipe sai. Gilda volta pro filme. Mas logo a campainha toca e ela vai ver quem é. Antes de abrir:

GILDA: - Que foi, esqueceu a chave?

Gilda abre a porta e dá de cara com Abel. Ele está bem sério. Ela fica contente ao vê-lo. Corta para:

CENA 12. PUB. INT. NOITE.

Um pub com características tipicamente britânicas. Está relativamente cheio. CAM encontra Kadu, Júlia e Davi numa mesa.

DAVI: - Eu tô falando pra vocês: o amor gay é muito mais suscetível ao fracasso que o amor hétero.

KADU: - Não é verdade.

DAVI: - Pois eu digo por experiência própria. Os relacionamentos homossexuais são extremamente fugazes, efêmeros... No caso dos homens, duram até o momento em que apareça um carinha com a barriga mais sarada ou a bunda mais empinadinha. Os gays de hoje em dia vivem num eterno self-service, numa degustação excessivamente liberal. Vivemos num século em que o sexo tem muito mais valor que o amor, que o afeto, que a cumplicidade etc.

JÚLIA: - Eu concordo. Mas acredito também que não seja uma questão só de liberação. É que, geralmente, as relações homossexuais não encontram amparo.

KADU: - Não tem apoio familiar, por exemplo.

JÚLIA: - Pois é. E os héteros já vivem mais ou menos assim também. Já foi o tempo em que duas pessoas dividiam uma vida inteira juntos.

DAVI: - Olha aí, Kadu, o que você diz sobre isso?

KADU: - Eu digo que há controvérsias!

Kadu e Júlia trocam carinhos. Davi os observa, sorridente. Filipe chega.

FILIPE: - Boa noite!

Davi desfaz o sorriso. Filipe com bom semblante. Júlia e Kadu entreolham-se. Na expressão séria de Davi, efeito e corta para:

FINAL DO CAPÍTULO 11
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