autor: Augusto Vale
CENA 01. DESPENHADEIRO. EXT. NOITE.
Continuação da última cena do capítulo anterior. Usando um lenço na mão, Lorenzo tira a mala de Belita do banco de trás do automóvel e atira-a despenhadeiro abaixo. Entra no carro e vai embora assobiando. O corpo de Belita ali no chão. Corta para:
CENA 02. RIO DE JANEIRO. EXT. DIA.
Ao som de "Are You With Me” (Lost Frequencies), um novo dia nasce. O sol desponta no céu do Rio de Janeiro. Imagens das praias, Cristo Redentor, Pão de Açúcar e outros pontos da cidade. Finaliza na fachada do prédio de Tia Sofia. Corta para:
CENA 03. APART. DE TIA SOFIA. SALA. INT. DIA.
Vestida num camisolão, Tia Sofia vem da cozinha com uma xícara de café. Apanha o jornal debaixo da porta e senta no sofá, onde está seu gato. Liga a televisão e abre o jornal. Bota os olhos numa manchete: “Argentina é encontrada morta em despenhadeiro”. A notícia vem acompanhada com a foto do RG de Belita. Tia Sofia leva um susto.
TIA SOFIA: - Minha Nossa Senhora da Medalha Milagrosa, valei-me!
Mais que depressa, ela vai pro quarto. Num corte descontínuo, volta pra sala já pronta pra sair, puxando uma mala. Coloca o gato numa caixa de transporte e sai. Na TV que foi esquecida ligada, corta para:
CENA 04. FACHADA DO PRÉDIO DE TIA SOFIA. EXT. DIA.
Apressada, Tia Sofia entra num táxi.
TIA SOFIA: - Pro aeroporto, moço. (resmunga) O Rio de Janeiro já não é mais o mesmo.
O táxi sai. Corta para:
CENA 05. HOSPITAL. SALA DE QUIMIOTERAPIA. INT. DIA.
Música: “Emerald Legacy” - Kevin Kern. Numa sala coletiva, alguns pacientes estão sentados em poltronas, em franco processo de quimioterapia. Numa delas, está Davi, recebendo tranquilamente um medicamento na veia. Se entristece um pouco ao olhar mais adiante uma moça na mesma situação, só que já bastante debilitada, com um lenço na cabeça. Corta para:
CENA 06. ESTACIONAMENTO DO HOSPITAL. EXT. DIA.
A música continua. Filipe e Davi caminham abraçados até o carro. Filipe não economiza carinhos ao namorado, que ainda está meio tristonho e sentindo um pouco os efeitos das drogas. Entram no carro. Davi no passageiro.
FILIPE: - Tá bem mesmo?
DAVI: - Tô ótimo, meu amor.
FILIPE: - Vamos pra casa.
O carro sai. Corta para:
CENA 07. AVENIDA/PRAIA. EXT. DIA.
Mesma música. Filipe dirige o carro. Davi, com a cabeça encostada no banco, vai olhando a paisagem e tudo que lhe chama atenção pelo caminho. Melancolia. Vê as pessoas fazendo suas atividades, vivendo normalmente: pessoas na praia, um pai ensinando a filha pequena a andar de bicicleta, um casal namorando etc. Sua atenção é quebrada por Filipe, que aperta sua mão, num gesto de carinho. Trocam um sorriso, e Davi volta a olhar pela janela. Corta para:
CENA 08. PRAIA. EXT. DIA.
Segue a música. Fim de tarde. Sol despedindo-se no horizonte, deixando o mar alaranjado. Vemos Davi e Filipe abraçados, em pé, contemplando o entardecer. CORTE DESCONTÍNUO. Brincam com as ondas que chegam com pouca força na areia. Corta para:
CENA 09. COMPILAÇÃO. DIA/NOITE.
Ainda com a mesma música, agora vemos momentos diversos de Davi às voltas com o tratamento do câncer. Já sem cabelos, faz outras sessões de quimioterapia e exames. No meio da noite, acorda com náuseas e corre pro banheiro, vomitando. Filipe ao seu lado. Em outro momento, uma transa frustrada entre eles. Davi sente muitas dores nas costas. Num último insert, vemos Davi sendo levado apressadamente numa maca pelo corredor do hospital. Filipe chora encostado na parede. Lágrimas de muito sofrimento. Gilda chega correndo e abraça o filho, que continua chorando copiosamente. Corta para:
CENA 10. HOSPITAL. SALA DO MÉDICO. INT. DIA.
Davi e Filipe diante do médico, numa mesa. O médico checa alguns exames.
FILIPE: - Quanto progredimos, doutor?
MÉDICO: - O tumor não está respondendo ao tratamento. O tumor cresceu, temos de removê-lo agora ou pode haver metástase. Vamos operar.
FILIPE: - Mas já? Não é muito cedo?
DAVI: - Quais as chances de eu morrer na mesa de operação?
MÉDICO: - Sendo bem realista, uma cirurgia desse tipo é perigosa, oferece riscos. O tamanho e o local do tumor colaboram pra isso. Mas é a opção que temos.
Davi e Filipe entreolham-se. Corta para:
CENA 11. MARANHÃO. EXT. DIA.
Letreiro: Maranhão. Uma colagem de paisagens do Estado toma conta da tela, ao som de “Tambor de Crioula” (Rita Ribeiro). Vemos ainda o Centro Histórico, brincantes dançando o tambor de crioula, a culinária típica, o arroz de cuxá etc. Por fim, vemos a beleza dos Lençóis Maranhenses. Corta para:
CENA 12. LENÇOIS MARANHENSES – BARREIRINHAS. EXT. DIA.
Numa lagoa de águas cristalinas, no meio das dunas de areia branca, vemos Júlia e Kadu tomando banho. Mais apaixonados que nunca.
KADU: - Quero viver aqui pra sempre.
JÚLIA: - Quer mais nada da vida não?
KADU: - Não. Você quer?
JÚLIA: - Você. Pro resto dos meus dias. Pra todo o sempre... ao alcance dos seus braços, dos seus olhos e dos seus beijos.
KADU: - É?
JÚLIA: - Aham.
E beijam-se. Música: “Kiss Me” – Ed Sheeran. Javier aparece correndo na areia. Kadu vai pegá-lo e entra com ele na água. Os três bem felizes. Corta para:
CENA 13. CASA DE JÚLIA. QUARTO. INT. DIA.
Segue a música. Júlia e Kadu fazem amor. Quarto bonito de detalhes artesanais. Da cama é possível ver uma paisagem belíssima, com as dunas de areia ao longe. CORTE DESCONTÍNUO. Ainda na cama, o casal depois da transa. Júlia com a cabeça sobre o peito de Kadu.
JÚLIA: - Nunca imaginei que pudesse ser tão feliz.
KADU: - Pra felicidade ficar completa mesmo, só falta a gente colocar o nosso bacurizinho no mundo.
JÚLIA: - Ah não, Kadu.
KADU: - Você prometeu, amor. O ano já virou, tá na hora de cumprir.
JÚLIA: - E a loja? Quem vai cuidar da loja? Meu Deus, a loja!
Júlia dá beijinho nele e corre pro banheiro.
KADU: - Ah, volta aqui, amor! Vamos namorar mais um pouquinho, tá tão gostoso. Deixa pra abrir a loja só à tarde, vai.
Júlia volta já se arrumando pra sair.
JÚLIA: - Nada disso. E você também, preguiçoso... Não tem as fotos do catálogo pra fazer?
KADU: - Caramba! Tô mais que atrasado!
Kadu pula da cama e, apressado, entra no banheiro. Júlia sorri, enquanto penteia o cabelo em frente ao espelho. Corta para:
CENA 14. LOJA DE JÚLIA. INT/EXT. DIA.
Uma loja de artigos artesanais. Júlia atende alguns turistas interessados em souvenirs. Um sujeito - que a CAM não identifica - a observa de longe, por entre alguns tecidos pendurados. Corta para:
CENA 15. RIO. EXT. DIA.
Música: “Save Room” – John Legend. Num barco, acompanhado por colegas de trabalho, Kadu vai tirando fotos das margens do rio. Corta para:
CENA 16. COMUNIDADE RIBEIRINHA. EXT. DIA.
Segue a música. Kadu tira fotos dos moradores e de coisas peculiares da comunidade ribeirinha. Corta para:
CENA 17. RUA DA LOJA DE JÚLIA. EXT. DIA.
Final de tarde. Júlia fecha a loja e vai descendo a rua de pedras. Começa a ser seguida por um sujeito. CAM subjetiva. Tensão. Ela sente que há alguém no seu rastro. Olha pra trás, mas não vê ninguém suspeito. Júlia entra num beco e fica à espreita. De repente, ela avança no sujeito que atravessa, imobilizando-o. Vemos agora o rosto do sujeito. Um completo desconhecido.
JÚLIA: - O que você quer me seguindo? Fala!
SUJEITO: - Nada não, moça. Quer dizer, a senhorita deixou cair isso aqui. Eu só queria devolver.
Ele mostra um celular. Júlia se desarma e pega o celular. O cara sai assustado. Corta para:
CENA 18. CRECHE. EXT. DIA.
Júlia apanha Javier na creche. Cumprimenta a professora e segue pra casa. Corta para:
CENA 19. RIO DE JANEIRO. EXT. NOITE.
Música: “Super Freak” – Rick James. Anoitece na Cidade Maravilhosa. Imagens ilustrando isso. Corta para:
CENA 20. APART. DE GILDA. QUARTO. INT. NOITE
Abre direto num berro ensurdecedor e impaciente de Gilda, chamando Jojô, que surge imediatamente com uma caixinha de água de coco.
GILDA: - Jojôôôôô!
JOJÔ: - Tô aqui, Miss! Em pele, osso e carisma!
GILDA: - Cadê a água de coco que mandei você/
JOJÔ: (antecipa-se) - Tá aqui, amada.
GILDA: - De caixinha?
JOJÔ: - Alguma coisa contra?
GILDA: - Prefiro caixão. Pra te enterrar a vinte quatro palmos da terra, incompetente! Não quero mais água de coco. Me arranje um whisky. Já!
Corte descontínuo. Gilda toma o whisky. Jojô ao lado. Gilda olha-se no espelho e faz cara de choro.
GILDA: - Eu tô uma pilha de nervos, Jojô! Tô mais nervosa que mosca em pote de cola.
JOJÔ: - Calma, minha divina. É só uma pré-estreia.
GILDA: (orgulhosa) - A pré-estreia de “Desilusões de Olívia Watterson”. Sonhei tanto com esse dia. É a minha vitória, a minha volta por cima... É um recomeço, Jojô.
JOJÔ: - Ninguém segura Gilda Lazarotto!
Gilda, com o whisky, e Jojô, com a caixinha de água de coco, brindam. Corta para:
CENA 21. SALÃO DA PRÉ-ESTREIA DO FILME. INT. NOITE.
Gilda, num vestido lindíssimo, posa para fotos. Em algumas, ao lado de famosos que estão prestigiando a pré-estreia do filme. Marieta Severo, Fernanda Torres, Mariana Ximenes, Carlos Alberto Riccelli, Daniel Filho, Paulo Coelho entre outros.
Corte descontínuo. Gilda acaba de posar pra uma foto e vai saindo. Abel aproxima-se.
ABEL: - Como é voltar aos holofotes, aos flashes? Tá curtindo?
GILDA: - Te confesso que já tô cansando.
ABEL: - Tão cedo?
GILDA: - Mentira, eu tô adorando! Estou de volta pro meu aconchego.
Os dois sorriem, sob os olhares de Leonor ao longe – acompanhada de Horácio. Davi e Filipe chegam e caminham para onde estão Gilda e Abel. Cumprimentos e abraços. Jojô por ali também. Corta para:
CENA 22. SALA DE CINEMA. INT. NOITE.
Abel assiste o filme ao lado de Gilda. Neste momento, ela pega a mão dele sobre o braço da poltrona, acariciando-a. Entreolham e esboçam um sorriso. Em outro ponto da sala, Leonor, sentada com Horácio, olha ao redor, tentando localizar Abel. Finalmente consegue vê-lo ao lado de Gilda. Não gosta nada daquilo. Corta para:
CENA 23. CASA DE JÚLIA. PISCINA. EXT. NOITE.
Deitados juntinhos numa espreguiçadeira, ao lado da piscina, Júlia e Kadu namoram ao luar.
JÚLIA: - Tive pensando... Não vou mais ficar esperando a hora certa, eu quero fazer a hora certa.
KADU: - De que você tá falando?
JÚLIA: - Do nosso filho. Eu quero engravidar.
KADU: - Meu amor! Finalmente! Você não sabe como fico feliz em ouvir isso.
JÚLIA: - É, eu sei. E vai ser bom pro Javier também. Ele fica tão sozinho aqui, só tem a companhia dos amiguinhos da creche... tá na hora de ganhar um irmãozinho.
KADU: - Ou uma irmãzinha, pra herdar a beleza da mãe. A mais linda de todas!
Beijam-se. CAM subjetiva no jardim dá a entender que o casal é observado por alguém. Corta para:
CENA 24. SALA DE CINEMA. INT. NOITE.
A reprodução do filme acaba e todos aplaudem. Gilda e Abel sorridentes. Leonor não tira os olhos deles, já bastante irritada. Corta para:
CENA 25. SALÃO DA PRÉ-ESTREIA DO FILME. INT. NOITE.
Gilda, com uma taça de champanhe, é paparicada por alguns. Abel ao lado, também recebendo elogios por seu trabalho de roteirista. Filipe e Davi aproximam-se.
FILIPE: - Mãe, nós já estamos indo.
GILDA: - Ah, fiquem mais um pouco. Vamos jantar juntos, que tal?
DAVI: - Outro dia, Gilda. Hoje tô muito cansado... Essas drogas consomem todas as minhas forças.
GILDA: - Eu entendo. Fica pra outro dia então. E com receita minha, hein!
DAVI: - Tá combinado. Mais uma vez, parabéns pelo filme. É um primor! (para Abel) Parabéns, Abel! Trabalho de gênio mesmo.
ABEL: - Ah, que isso! Obrigado por vir. Espero que você se recupere o mais rápido possível e volte a trabalhar conosco na produtora.
DAVI: - Tomara. Que um anjo passe agora e diga “amém”.
Filipe e Davi se despendem deles e saem. Leonor chega junto, mordida de ciúmes.
LEONOR: - Está satisfeita com o champanhe, minha querida?
GILDA: - Olha, Leozinha, sinceramente/
LEONOR: (corta) – Se você quiser, podemos providenciar uma caipirinha, um cachaça, um rabo de galo... Bebidas que fazem mais o seu estilo.
ABEL: (repreende) - Leonor!
LEONOR: - O que foi, Abel? Virou guarda-costas da Gilda agora? Não é por nada não, mas eu esperava mais de você.
Corta rápido para:
CENA 26. BANHEIRO DO SALÃO. INT. NOITE.
Leonor retoca a maquiagem em frente ao espelho. Abel irritado.
ABEL: - Você está cada dia mais insuportável, Leonor. Qual a necessidade dessa antipatia com a Gilda?
LEONOR: - Tá encantado pela atriz mambembe? Esqueceu tudo que ela fez pra chegar até aqui/ pra conseguir realizar esse filme?
ABEL: - Não, não esqueci. Mas também não vou condená-la pro resto da vida por isso. Todo mundo erra nessa vida... você não?
LEONOR: - O meu erro é querer você ao meu lado. Isso eu nunca terei, não é? Você sempre fez o que quis, sempre decidiu por nós dois... Vá em frente, Abel.
Leonor sai. Abel fica pensativo. Corta para:
CENA 27. APART. DE DAVI. QUARTO. INT. NOITE.
Davi e Filipe deitados na cama. Abraçados. Chove lá fora.
DAVI: - Vamos brincar de “e se...”?
FILIPE: - Como é?
DAVI: - E se chover o dia todo amanhã...?
FILIPE: - A gente não sai de debaixo das cobertas, passamos o dia todo assim, bem grudadinhos.
DAVI: - Sua vez.
FILIPE: - Hummm... E se o mundo acabasse agora?
DAVI: - Já teria valido a pena por te conhecer, por tudo que já vivemos, por cada segundo que fui feliz com você.
Pausa.
DAVI: - E se.... e se eu não resistir? E se eu morrer/
FILIPE: - Não diz isso. Se agarre à vida, meu amor. Vamos acreditar sempre no melhor.
DAVI: - Não quero fazer a cirurgia. Não quero morrer numa mesa fria de hospital. Seria a minha maior derrota, depois de tanto lutar por uma salvação. Também não quero mais seguir com a quimio, é inútil
FILIPE: - Davi/
DAVI: (corta) – Me deixe decidir. Por favor, não tire isso de mim... Me permita escolher como viver o tempo que me resta.
O abraço se fortalece. CAM vai saindo em dolly out, ampliando o quarto e mostrando a chuva caindo lá fora. Música: “Fields Of Gold” - Kevin Kern. Corta para:
CENA 28. SALÃO DA PRÉ-ESTREIA. INT. NOITE.
Gilda toma uma taça de champanhe e despede-se de algumas pessoas que foram prestigiar o filme. Abel aproxima-se.
ABEL: - Já deu minha hora, Gilda. Vou pra casa.
GILDA: - É, acho que o melhor da noite já foi... Tá quase na hora da Gilderela aqui virar a gata borralheira novamente.
ABEL: - Quer uma carona?
Gilda olha pra Jojô ali perto, que lhe dá uma piscadela.
GILDA: - Claro! Vamos nessa!
Entorna o restante da bebida e deposita a taça na bandeja de um garçom que vai passando. E sai com Abel. Jojô, junto a uma turminha, comemora. Corta para:
CENA 29. ESTACIONAMENTO DO SALÃO/AVENIDA. EXT. NOITE.
O instrumental da música “I Want To Know What Love Is” (Foreigner) começa a tocar. Abel e Gilda correm na chuva até o carro estacionado. Ao chegar, Abel vê que um dos pneus está vazio.
ABEL: - Ah não! Que droga!
GILDA: - Putz! Mas pra isso é que existem os táxis. Vem comigo!
Gilda puxa Abel pela mão e os dois correm pelo estacionamento em direção à avenida. Sorriem com a situação. Param um táxi e entram. O táxi dá partida, enquanto Gilda e Abel entreolham-se. Clima. Tímidos, cada um volta-se para sua janela. Corta para:
CENA 30. FACHADA DO PRÉDIO DE GILDA. EXT. NOITE.
Segue o instrumental. Ainda chove. O táxi vai parando. Gilda despede-se de Abel com um beijo no rosto, mas sua boca acaba encostando levemente no canto dos lábios de Abel. Sem graça, ela sai do táxi. O táxi vai saindo e para bruscamente. Gilda vira-se e vê Abel saindo do carro, vindo ao seu encontro. Ele abraça-a e os dois trocam finalmente um ardente beijo, com a água da chuva caindo sob suas cabeças. O táxi vai embora. O refrão da música já subiu. Corta para:
CENA 31. CASA DE JÚLIA. QUARTO. INT. NOITE.
Júlia e Kadu dormindo na cama. Kadu desperta e levanta-se. Sai. Corta para:
CENA 32. CASA DE JÚLIA. COZINHA. INT. NOITE.
Kadu entra na cozinha escura e abre a geladeira. Toma um copo d’água. Fecha a geladeira e, no momento que vira-se, é surpreendido por um sujeito que passa o braço pelo seu pescoço, enforçando-o. Tensão. Sem conseguir se defender, Kadu desmaia e é deixado ali no chão. Corta para:
CENA 33. CASA DE JÚLIA. QUARTO DE JAVIER. INT. NOITE.
O sujeito entra no quarto e observa Javier dormindo na cama. Passa a mão nos cabelos no menino e sai. Corta para:
CENA 34. CASA DE JÚLIA. QUARTO. INT. NOITE.
Júlia desperta, mas, sonolenta, não abre os olhos, ao passo que o sujeito entra no quarto e vai aproximando-se da cama.
JÚLIA: - Amor? Sem sono?
O homem misterioso ataca Júlia, colocando um pano em seu rosto, fazendo-a inalar alguma substância tranquilizadora. Ela adormece. Corta para:
CENA 35. MAR. EXT. DIA.
Já amanheceu. Lancha parada em alto mar. Na cabine, vemos Kadu no chão, com os braços amarrados, já despertando. Júlia grita lá de fora:
JÚLIA: (off) - Não! Isso não!
Kadu em alerta. Corta pra proa da lancha, onde vemos Júlia desesperada. Fora de si, Lorenzo segura Javier e aponta um revólver na cabeça dele.
LORENZO: - Não se aproxime!
JÚLIA: - Lorenzo, não! Isso não! Não machuque o meu menino.
LORENZO: - Você fez a sua escolha. Preferiu o seu amante. Se você não me quer, também não vai ficar com nada meu – muito menos com o meu filho. Você entendeu?!
JÚLIA: - Solta ele. Solta o Javier. Ele não tem culpa de nada... Pelo amor de Deus, vamos conversar.
Corta pra cabine, onde Kadu força a corda, tentando se soltar. Corta pra proa. Lorenzo ainda mais louco. Javier chora. Júlia tenta manter o controle.
LORENZO: - Eu te dei tanto amor, te dei uma família, te dei a vida que toda mulher sonha em ter... Mas você não soube dar valor a nada disso. Nada! A minha mãe tem razão: você é uma vagabunda. Eu devia ter te deixado na sarjeta onde te encontrei.
JÚLIA: - Solta o meu filho.
LORENZO: - Meu filho! O Javier é meu filho! Você é uma ordinária, uma puta!
JÚLIA: - Me ouça, Lorenzo/
LORENZO: (corta) – Não tenho nada pra ouvir! Eu só quero que você morra de remorso sempre que se lembrar que o Javier e eu partimos por sua causa.
JÚLIA: - O que você vai fazer, Lorenzo?!
LORENZO: - Você vai ficar em paz com o seu fotógrafo de manguezais. O Javier e eu vamos pros braços de Deus.
Lorenzo, ensandecido, prestes a puxar o gatilho do revólver. Júlia se desespera. Corta pra cabine. Kadu puindo a corda rapidamente no canto de um acento. Corta pra proa. Júlia ajoelha-se, pedindo clemência. Lorenzo alucinado, chorando, ainda com a arma na cabeça do menino.
JÚLIA: - Tenha piedade, Lorenzo! Ele é só uma criança, não tem culpa de nada... Deixe ele fora disso, vamos resolver isso de outra maneira. Poupe o nosso filho.
LORENZO: - Podia ter sido diferente. Nós éramos tão felizes... Nosso casamento era perfeito.
JÚLIA: - Vem cá, me dê um abraço. Vamos continuar de onde paramos. Eu quero reatar. A gente pode retomar o nosso casamento, a nossa família...
Lorenzo vai se deixando levar pelo blefe de Júlia. Já não segura Javier com firmeza.
LORENZO: - Sério? Você tá falando sério?
JÚLIA: - Sim. Eu quero ser a esposa dócil e obediente que você sempre quis que eu fosse.
Lorenzo solta Javier e ajoelha de frente pra Júlia. Abraça-a. Chora. Corta pra cabine. Kadu finalmente consegue apartar a corda e livrar-se dela. Corta pra proa.
LORENZO: - Eu te amo! Eu te amo! A minha vida não faz o menor sentido sem você.
Agora, Kadu chega à proa. Ainda com os joelhos no chão, Lorenzo vira-se, empunha a arma e dispara dois tiros, mas sem alvo certeiro. Kadu dá um chute em Lorenzo, que cai. Ele perde o revólver, que deslizou para longe de seu alcance.
LORENZO: - Desgraçado!
Lorenzo mexe-se para recuperar a arma. Kadu não lhe dá chance. Junta Lorenzo do chão pela gola da camisa e lhe dá um violento soco no rosto. Lorenzo com a boca sangrando. Perdeu algum dente.
KADU: - Há muito tempo que eu queria te dar isso, seu verme!
Lorenzo sorri, debochando, mas logo fecha a cara e parte pra briga. Os dois começam a lutar. Júlia já levou Javier pra cabine. Lorenzo e Kadu trocam porradas. No fim, o primeiro leva a melhor. Com fúria, Lorenzo dá um soco em Kadu, que cai longe. Agora vemos Júlia, decidida, com o revólver apontado para Lorenzo, que ri outra vez com algum deboche.
LORENZO: - De novo essa cena? Será que dessa vez a sua pontaria está melhor?
JÚLIA: - Cala a boca!
LORENZO: - Atira. Mas só se a minha mulherzinha tiver alguma bala na manga, porque as duas que restavam na arma eu já disparei.
Júlia sem ação. Kadu surpreende Lorenzo com um novo golpe. Eles lutam, perdem o equilíbrio e caem na água. Júlia sem saber o que fazer. Corta para o mar. Debaixo d’água, Kadu e Lorenzo continuam em confronto, mas agora com dificuldade. Tensão altíssima. Lorenzo consegue tirar o seu canivete do bolso da calça e o enfia na barriga de Kadu. Não satisfeito, começa a esganá-lo, sufocando-o. Mas, de repente, quando a luta parece perdida para Kadu, ele arranca o canivete de sua barriga e finca a lâmina no pescoço de Lorenzo. Um golpe fatal. Lorenzo começa a afundar no oceano, já sem nenhum movimento. Corta para a superfície, onde a água já está avermelhada pelo sangue. Júlia desesperada. Ferido e sem forças, Kadu chega à superfície. Júlia cai na água para ajudá-lo a subir no barco. Corta para:
CENA 36. HOSPITAL. QUARTO. INT. DIA.
Kadu num leito. Já recebeu atendimento. Tudo sob controle. Júlia e Javier entram. Ela o abraça, emocionada, com grande alívio.
KADU: - Acabou!
O menino junta-se a eles. Família unida, sã e salva. Corta para:
Letreiro:
ALGUNS MESES DEPOIS
CENA 37. TERESÓPOLIS - RJ. EXT. DIA/NOITE.
Música: “Só Sei Dançar com Você” – Tulipa Ruiz. Algumas belas imagens de Teresópolis. Conclui numa casa charmosa à beira de um lago. Anoitece. Corta para:
CENA 39. CASA DO LAGO. SALA. INT. NOITE.
Abre na mão de Filipe dando play num aparelho de som. Começa a tocar “How Long Will I Love You” (Ellie Goulding). No meio da sala, Filipe e Davi dançam juntinhos. Nada dizem. Sentem a canção. Sentem um ao outro. Beijam-se. Tempo nisso. Corta para:
CENA 40. CASA DO LAGO. QUARTO. INT. NOITE.
Segue a música. Davi dorme. Filipe o observa com muita ternura. Deita ao lado dele, bem colado, sentindo seu calor. Corta para:
CENA 41. CASA DO LAGO. EXT. DIA.
CAM vai aproximando-se de Davi e Filipe na beira do lago, num piquenique. Davi sentado numa cadeira. Filipe na grama.
DAVI: - A beleza desse lago enche o meu coração de vida. Não há nada mais bonito que a vida.
FILIPE: - E o amor.
DAVI: - Também. Mas não há amor sem vida, sem respiração, sem tempo para fortalê-lo... (T) Me prometa uma coisa?
FILIPE: - Prometo. O que você quiser.
DAVI: - Prometa que você vai viver por mim e por você? Prometa que terá uma vida cheia de alegrias, sentindo o sabor de cada momento e buscando sempre, todos os dias, ser uma pessoa ainda melhor – se doando, fazendo alguém sorrir e sorrindo junto. Prometa que não desistirá do amor, porque você tem toda razão: o amor é o que há de mais bonito nesse mundo. Promete?
FILIPE: - Sim, eu prometo.
DAVI: - Obrigado. (T) Não foi como desejei, mas eu fiz o meu melhor.
Nesse momento, Davi solta o lenço que está em sua mão. O lenço voa leve com o vento até cair na água do lago. Filipe se agarra ao corpo de Davi, já sem vida, e chora. Tempo nisso. Música: “Sundial Dreams” – Kevin Kern. Corta para:
CENA 42. CEMITÉRIO. EXT. DIA.
Segue a música. O caixão com o corpo de Davi descendo ao túmulo. Filipe, Gilda, Abel, Leonor, Horácio, Jojô, Flavinha, Samuel e alguns figurantes presentes. Leonor observa Gilda e Abel juntos. Gilda consola o filho. Kadu e Júlia chegam apressados e abraçam Filipe, que chora. Corta para:
CENA 43. PRAIA. EXT. DIA.
Música: “Eternity” – Robbie Williams. Final de tarde. Praia vazia. Filipe olha o mar e chora, enquanto lembra os grandes momentos que viveu ao lado de Davi. Entra colagem de cenas dos dois felizes e apaixonados. Corte descontínuo. Filipe caminha pela praia. Sol poente. Corta para:
CENA 44. APART. DE DAVI. SALA. INT. NOITE.
Segue a música. Filipe entra, chegando da rua. Apartamento vazio, sem mobília. Há apenas jornais espalhados pelo chão e algumas caixas. Ele senta no chão, junto à parede. Uma das caixas chama sua atenção por estar com seu nome escrito. Abre a caixa e depara-se com uma enorme quantidade de fitas k7. Cai no choro, alternando com sorrisos. Corta para:
CENA 45. RIO DE JANEIRO. EXT. DIA/NOITE.
Música: “Waiting For Love” – Avicii. Uma sucessão de imagens de dia e noite, sugerindo alguma passagem de tempo. Corta para:
CENA 46. MANSÃO DE LEONOR. QUARTO. INT. NOITE.
Na televisão, vemos a transmissão de mais uma cerimônia do Oscar, em Los Angeles. Horácio assistindo na cama, com grande interesse. Leonor ali de lado, achando um tédio, exatamente porque agora será anunciado o prêmio de Melhor Atriz.
LEONOR: - Que grande perda de tempo e dinheiro. A Gilda está iludida, achando que vai passar uma atriz do quilate da Cate Blanchett pra trás. É muita pretensão! Aliás, todas as indicadas são melhores que a coitada, que nem sei o que faz aí.
HORÁCIO: - Merecimento, Leonor. Você não pode negar que o filme foi um sucesso e a Gilda mostrou que é boa no que faz.
LEONOR: – Merecimento? Boa no que faz? Affs! Vai ver ela usou a tática da micro câmera outra vez pra conseguir a indicação.
HORÁCIO: (boiando) – Hã?
LEONOR: - Nada, Horácio. Olha lá, chegou a hora da Gildinha cair com a cara na poeira.
As indicadas são anunciadas, e entre elas está Gilda – sentada ao lado de Abel. Uma atriz famosíssima entra no palco para anunciar a vencedora.
ATRIZ: - The Oscar goes to... Gilda Lazarotto!
Gilda faz cara de surpresa, dá um selinho em Abel, recebe cumprimentos e sobe ao palco. Na cama, Leonor e Horácio atônitos.
HORÁCIO: - Danou-se!
LEONOR: - E não é que a canastrona levou mesmo!
Gilda, emocionada, com a estatueta do Oscar na mão. Dá uma sambada, comemorando. Plateia aplaudindo de pé.
CORTE DESCONTÍNUO. Entra a música “When I Fall In Love” (Nat King Cole). Quarto escuro. Horácio dorme. Leonor lê um livro à luz do abaju. Para a leitura e fica pensativa. Abre a gaveta do criado-mudo e tira de lá uma fotografia de Abel. Olha com saudade e coloca-a dentro do livro. Levanta-se e vai até a janela. Observa a lua cheia no céu. Clima de solidão. Corta para:
CENA 47. COMPILAÇÃO
Ao som de “Cataflor” (Tiago Iorc), passeamos por uma colagem de cenas que ilustram algumas resoluções de nossa história, tais como:
:: Júlia e Kadu de casa nova no Rio de Janeiro. O casal pinta as paredes e, muito felizes, fazem bagunça junto com Javier.
:: Filipe coloca currículo em algumas agências e consegue ser contratado. Em outro momento, ele passeia pelo calçadão da praia com o cachorro Bicicleta. Num derradeiro, tomando um drink no bar da boate e trocando um breve sorriso com um rapaz, num esforço para recomeçar como Davi pediu.
:: Gilda nas gravações de um novo filme e recebendo prêmios. Em outro momento, compra uma belíssima mansão.
:: Num último momento, vemos um almoço no jardim da mansão de Gilda. Além dela, Abel, Jojô, Júlia (já grávida), Kadu, Javier e Filipe à mesa. Leonor e Horácio chegam e juntam-se a todos. Leonor brinca com Javier e acaricia a barriga de Júlia, numa indicação de que está aceitando a família do filho.
Corta para:
CENA 48. MIRANTE. EXT. DIA.
Mirante com belíssima vista do Rio de Janeiro. Júlia, com um barrigão, e Kadu sentados num banco de pedra.
JÚLIA: - Agora que a gente já sabe que é um menino, podemos pensar no nome.
KADU: - Qual você sugere?
JÚLIA: - Não sei, um nome simples, curto, mas ao mesmo tempo forte. Vitor!
KADU: - Ah não! O nosso filho não vai ter o nome do meu dentista, por favor.
JÚLIA: (ri) – Tá bem, Vitor riscado. Então...?
KADU: - Davi. Curto, forte e afetuoso. O nome de um grande homem.
JÚLIA: - Davi! (pra barriga) Agora, você já tem um nome, meu pequeno. Um belo nome!
KADU: - Que venha com saúde, pra coroar de vez a nossa felicidade.
Levantam-se e ficam ali abraçados, olhando a vista. Beijam-se.
Enquanto isso, na parte inferior da tela, em vez de um indefectível “fim”, uma máxima é escrita:
Sempre há uma outra chance,
uma outra amizade,
um outro amor,
uma nova força.
Para todo fim, um recomeço.
Antoine de Saint-Exupéry
CONFIRA A TRILHA SONORA DE 'RECOMEÇAR'
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