Por FÁBIO COSTA
É muito comum que o universo
da literatura, especialmente a brasileira clássica, origine adaptações de
grande sucesso na televisão e no cinema. Atualmente podemos atestar a validade
da afirmação de terça a sexta-feira às onze da noite, com mais uma versão de
Gabriela, Cravo e Canela, de Jorge Amado, adaptado agora por Walcyr Carrasco. A
Escrava Isaura, romance de Bernardo Guimarães, deu origem a duas telenovelas de
sucesso, sendo a primeira delas (1976/77) um fenômeno de exportações para
sempre presente no imaginário do público. O horário das 18h da Rede Globo foi
dedicado durante quase dez anos apenas a adaptações. E exemplos são muitos.
No entanto, não é com a mesma
frequência que surgem obras no caminho inverso: livros surgidos de telenovelas.
Talvez seja porque não se acredita que o leitor quererá ter nas mãos uma
história da qual já conhece o desenrolar e o desfecho após tê-la assistido na
televisão. Além, é claro, do desafio que é adaptar um número de páginas que
chega aos milhares para uma versão muito menor e sem a possibilidade de tantos
detalhes e diálogos, narrando os acontecimentos. Por outro lado, ainda que hoje
em dia existam os DVDs, os blu-rays, a internet, a história da novela contada
em livro é uma maneira a mais de perpetuá-la e, por que não, de torná-la
respeitável a uma parcela da intelectualidade que ainda hoje, passados doze anos
do século XXI, renega suas qualidades e sua importância no panorama cultural
brasileiro.
Capa da adaptação de Ídolo de Pano, de Teixeira Filho. |
Ainda na década de 1960 temos
notícia de uma novela que devido ao sucesso é adaptada para o formato de
romance literário: A Deusa Vencida (1965), de Ivani Ribeiro, originou um livro
de grande vendagem publicado pelas Edições O Cruzeiro. No início da década de
1970 a Editora Bruguera, do Rio de Janeiro, publicou algumas novelas em
romances cujos fascículos eram vendidos periodicamente nas bancas de jornal,
dentre as quais Irmãos Coragem (1970/71) e O Homem que Deve Morrer (1971/72),
ambas de Janete Clair. Nos anos 70, algumas novelas da Rede Tupi também deram
origem a livros, como foi o caso de Ídolo de Pano (Abril), em adaptação do
próprio autor Teixeira Filho, e A Viagem (Bels), de Ivani Ribeiro. Em 1980
Leonor Bassères escreveu o livro baseado nos scripts de Gilberto Braga e Manoel
Carlos para Água Viva, que se tornou best seller.
Quarta capa de um dos volumes de As Grandes Telenovelas, trazendo a coleção completa. |
Em 1985 ocorreu uma das
iniciativas mais bem-sucedidas nesse campo, senão a mais. Junto ao sabão em pó
Omo, foi lançada pela Editora Globo (através do selo Rio Gráfica e Editora) a
coleção As Grandes Telenovelas, que contava com doze livros que adaptavam para
o formato de romance novelas de sucesso da Rede Globo exibidas entre 1970 e 1983, a saber: Irmãos Coragem,
Pecado Capital e Pai Herói, de Janete Clair; Anjo Mau, Locomotivas e Marron
Glacé, de Cassiano Gabus Mendes; Dancin’ Days, Água Viva e Louco Amor, de
Gilberto Braga; Carinhoso e Escalada, de Lauro César Muniz; e O Bem-amado, de
Dias Gomes. Os livros vinham embalados junto às caixas de sabão, e era possível
escolher os que interessavam para completar a coleção.
Capa de uma versão de Água Viva em livro. |
Entre 1987 e 1988 a Editora
Globo lançou uma série de proposta semelhante nas bancas: Campeões de Audiência
– Telenovelas, que relançou alguns títulos e substituiu outros, contando também
com doze livros. Irmãos Coragem, Pecado Capital, Pai Herói, Anjo Mau,
Locomotivas, Dancin’ Days, Água Viva e Escalada foram mantidos, enquanto
Bandeira 2, Roque Santeiro, Guerra dos Sexos e Roda de Fogo substituíram O Bem-amado,
Marron Glacé, Louco Amor e Carinhoso. Junto com o primeiro volume (Roque
Santeiro) foi distribuído aos leitores um marcador de página que trazia a
novela a ser lançada em seguida (Roda de Fogo) e os títulos de outras dezoito
telenovelas que comporiam a série, no total de vinte títulos. Até hoje não
foram lançados os oito livros restantes, dentre os quais prometiam-se O
Espigão, Saramandaia e até Selva de Pedra numa “versão não censurada” (em alusão à censura sofrida por Janete Clair, que não pôde desenvolver a história como gostaria).
Quase todos os livros foram
escritos pelo jornalista Eduardo Borsato, que adaptava as tramas das novelas a
partir dos scripts originais dos capítulos cedidos pelos autores.
Compartilhando uma experiência pessoal, posso dizer que gosto muito de todas as
adaptações que pude ler e sem dúvida o trabalho de Borsato (e de outros
adaptadores como Maria Helena Muniz de Carvalho e Lafayette Galvão) me ajudou a
saber mais sobre o desenvolvimento das histórias das novelas e admirá-las ainda
mais, com maior “conhecimento de causa”, por assim dizer, embora não tenha
ainda podido (e quem sabe nem mesmo venha a poder) assisti-las.
Vale Tudo também teve lançada
uma versão literária em 1989, logo após o término de sua exibição. O livro,
mais uma adaptação feita por Eduardo Borsato, trazia além da revelação de Leila
como assassina de Odete Roitman desfechos para o mistério que mobilizou o
Brasil. Num dos finais, é Maria de Fátima quem mata Odete; noutro, o assassino
é César. Já em 1992 foi a vez de um projeto que não vingou: o Globo Novela, com
o qual a Editora Globo lançou um livro com a história de Pedra Sobre Pedra e
que veio acompanhado de uma revista com os bastidores da novela. A coleção
ficou apenas nesse título e durante mais de dez anos não se lançou nada
semelhante.
Capa do livro com a versão de Selva de Pedra feita por Mauro Alencar para a coleção Grandes Novelas. |
Até que em 2007 chegou às
livrarias o primeiro volume da coleção Grandes Novelas, da mesma Editora Globo:
Selva de Pedra, a clássica história de amor de Cristiano e Simone em meio aos desafios da vida na cidade grande, foi adaptada
por Mauro Alencar a partir do original de Janete Clair. Posteriormente foram
lançados outros quatro títulos, também escritos por Mauro: O Bem-amado, Pecado
Capital, Roque Santeiro e Vale Tudo. Os livros da coleção Grandes Novelas têm
formato de bolso e preço acessível (em média quinze reais cada), e podem ser
encontrados. Ótima chance para conhecer essas novelas, apesar de duas terem
sido recentemente reprisadas pelo Viva, ou para relembrá-las, numa plataforma
diferente da TV, mas que conserva a atemporalidade dos personagens e entrechos
dramáticos que prendem a atenção e nos fazem ansiar por finais felizes aos
mocinhos e punições aos vilões. E que sejam lançados mais livros baseados em
telenovelas. Boas histórias a contar (ou recontar) não faltam e certamente há
público para tal empreitada.
Capa do livro com a versão de Roque Santeiro feita por Mauro Alencar para a coleção Grandes Novelas. |
Belo post, Shahará!
ResponderExcluirDe fato, as adaptações das novelas para os livros é incomum, mas costuma resultar em coisas interessantes. Já li uma versão romanceada de "Irmãos Coragem", e tenho "Selva de Pedra", tornada livro pelas mãos de Mauro Alencar. É sempre uma boa pedida.
Abração, e mande notícias do mundo de lá. ;)
Se eu disser que estou lendo justamente Ídolo de Pano, baseado na novela do Teixeira Filho, vocês acreditam? rsrs. Já conheci várias novelas antigas lendo nos livros originados delas, como Locomotivas, Anjo Mau, Água Viva e Vale Tudo. O próximo livro que vou ler é o da novela Escalada, do grande Lauro César Muniz. Ótimo post! Parabéns!
ResponderExcluirMuito interessante esse caminho inverso, inclusive por possibilitar aos que não se identificam com a telenovela, o prazer de ler as tramas em versão literária. Não é meu caso, pois adoro as novelas na telinha, mas tive a honra de ganhar dois exemplares da Coleção Grandes Novelas, das mãos do Mauro Alencar.
ResponderExcluirFábio, belo post... até o próximo, brother!
Eu só leria uma versão de novela, se não tivesse visto pela TV. Ler é imaginar, é sonhar, é viajar, como fazer todas essas coisas quando a imagem já está inserida totalmente na sua mente?
ResponderExcluirconfesso que fui com sede ao pote para ler Locomotivas, comprada na banca....achei chato....talvez porque eu conhecesse a história...talvez lendo uma que eu não tenha visto eu goste mais...dá pra imaginar os atores, tal. Parabéns pela ideia e pelo texto.
ResponderExcluirparabens muito bom, gostei vc é brilhante
Excluirfabio sempre soube que vc é muito inteligente, mais lendo tudo isto digo-lhe vc me surpreende.
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