por JOSÉ VITOR RACK
A entrevista abaixo foi feita com Sílvio de Abreu em 2008, quando o projeto USINEIROS DE SONHOS ainda era o esboço de um livro. Hoje se trata de um filme em longa metragem, com lançamento previsto para o segundo semestre de 2013.
Boa leitura!
Dias Gomes dizia que só quando começou a escrever telenovelas é que se sentiu fazendo teatro popular no Brasil. Como você analisa esse fenômeno de massa?
A telenovela brasileira é o melhor produto de cultura de massa que se faz no país. É mais abrangente e melhor realizado do que o nosso cinema ou nosso teatro. Através da telenovela nossa sociedade é mostrada para uma imensidão de telespecatadores no Brasil e no mundo registrando nossa época, nossos costumes, nossas ambições, nossas falhas, nossos desejos, nossas idéias e esperanças. Tudo isso contado pelos melhores atores brasileiros que chegam diariamente nas casas milionárias ou miseráveis do Brasil, na mesma hora, totalmente de graça. É um entretenimento de qualidade comprovada no mundo todo que atende ao povo sem olhar a sua condição social. Não conheço nenhum outro produto cultural ou de entretenimento com tanto alcance.
Você fez algumas telenovelas como ator. Em quê esta experiência lhe ajudou quando chegou a hora de escrever uma?
Em tudo. Foi lendo as novelas de Ivani Ribeiro, aonde eu atuava, que entendi como era o processo narrativo. Mesmo sem ainda ter a intenção de escrever tinha enorme prazer em ler os capítulos, analisar as personagens, entender como uma cena se ligava a outra. Ter sido ator também me ajudou a respeitar e entender o que atores esperam de seus personagens e como fazer para que eles se dediquem de coração aberto ao trabalho.
Como era o ambiente de trabalho na Rede Tupi na época em que você lá trabalhou? Já havia algum indicativo de que a emissora teria o fim humilhante que teve?
Quando escrevi ÉRAMOS SEIS para a TV Tupi em 1977, a emissora já estava com muitos problemas. Para conseguir receber o salário tinha que negociar com a entrega dos capítulos, sem pagamento, não entregava os textos. Era uma situação desagradável que já prenunciava o triste fim do grande celeiro de artistas que foram as emissoras associadas.
Tive algumas informações que davam conta que, finda a adaptação de Éramos Seis, Rubens Ewald Filho e você escreveriam uma novela para a Tupi que teria como estopim uma grande tragédia. Fale-nos dessa novela, caso ela realmente tenha sido planejada.
Não foi depois de ÉRAMOS SEIS, foi antes. Fomos chamados à Tupi, Rubens e eu, para desenvolvermos uma idéia de Roberto Talma, que era o diretor artistico da emissora na época. A novela seria sobre um acidente aéreo, que transformaria completamente a vida das personagens. Rubens e eu gostamos da idéia e desenvolvemos a sinopse de uma novela que altamente inovadora, na época, porque seria contada em três planos de narrativa: antes das pessoas embarcarem no avião, durante a viagem e a conseqüência do acidente na vida dos que ficaram. Fizemos dez capítulos que foram prontamente aprovados pelo Talma, escalamos a novela e, infelizmente, Talma saiu da emissora. Henrique Martins e Carlos Zara assumiram a direção artistica e nos chamaram para dizer que a novela não era o que eles queriam fazer, achavam muito inusitada. Então oferecemos a idéia de adaptar o livro de Maria Jose Duprê.
TV conjuga imagem e texto. Como equilibrar esses dois elementos na confecção de uma telenovela?
O texto é o alicerce da televonela e nele já devem vir imaginadas pelo autor as imagens desejadas. Mas novela é um trabalho de equipe, é da junção de todos os profissionais que surge o capítulo pronto. O diretor é a cabeça comandante do processo dentro do estúdio e tem que agir em plena harmonia com todos os elementos, principalmente, com o autor. O autor deve participar de todo o processo para que saiba com que elementos vai poder contra na sua criação. Sem um bom entrosamento entre todos nada é possível.
Como você vê a relação entre autor titular/colaboradores em teledramaturgia?
Atualmente é imprescidível. Quando comecei a escrever, em 1977, uma novela tinha 14/15 páginas e durava 20/25 minutos no ar, que mais os intervalos comerciais davam um programa de 30/35 minutos. Hoje são necessárias 40 páginas para um capítulo que deve durar 50/55 minutos, mais os comerciais. O dia continua tendo 24 horas e é quase humanamente impossível escrever sozinho se o autor se preocupa em ter idéias novas, respeitar a psicologia dos personagens, seguir as pesquisas e elaborar direito o seu trabalho. Dividir tarefas com colaboradores é uma ótima solução desde que o autor principal não perca seu estilo e mantenha o desenvolvimento da história e seus personagens em absoluto controle.
Você foi o primeiro autor a fazer comédia escrachada no horário nobre, mudando um pouco o rumo com o decorrer do tempo. Que lição ficou da experiência de escrever Rainha da Sucata?
Aprendi com Rainha da Sucata que o público da novela das seis é diferente do das sete e este do das oito. São estilos criados e estabelecidos pela Rede Globo em anos e anos de convivência com os telespectadores que se ressentem quando alguma mudança acontece. Rainha da Sucata começou como uma comédia escrachada, mas teve que dar um freio e privilegiar na trama o drama de Maria do Carmo, Edu, Laurinha e outros personagens menos afeitos à comédia. Acho que minha grande sorte for ter mantido nucleos fortes de comédia como Dona Armenia e seus filhos e o professor Caio com seu romance com Adriana, a bailarina da coxa grossa e a hilária noiva Nicinha, que se transformou em ninfomaníaca. Aprendi também que drama e comédia podem muito bem sobreviver no mesmo espaço, desde que o autor saiba misturar direto as emoções.
Em 1990, você afirmou ao Jornal do Brasil: "Novela não é arte, é entretenimento". Mantém essa afirmação? Acredita que não haja nenhuma exceção?
Tudo tem exceção, nem que seja para confirmar a regra. Eu vejo e quero fazer novela como entretenimento, o cinema de Hollywood dos anos 30/40/50 também era feito como puro entretenimento e hoje é considerado arte. A chanchada brasiliera dos anos 50 era execrada pelos intelectuais e hoje também é arte. Vai se saber o que nos reserva o futuro?
Quais os principais requisitos que um aspirante a autor de telenovelas deve reunir?
Talento, disposição para o trabalho, boa imaginação e, principalmente, vocação. Escrever novela é um trabalho muito árduo e difícil. É uma técnica específica que não encontra similar em outras formas de se expressar pela linguagem escrita. Na verdade, o autor de novela deve saber que o que ele escreve só vai se comunicar com o público através da imagem e dos atores e isto muda todo o processo.
Tendo as qualificações que você cita, qual é o caminho das pedras para se chegar lá (se é que há um caminho mais ou menos padronizado...)?
Não existe nenhuma fórmula mágica, é tudo uma questão de sorte e oportunidade. É claro que para quem já trabalha em televisão e consegue fazer com que alguém influente leia seus trabalhos, facilita. Recebo diariamente sinopses e textos que por contrato não posso ler e tenho que simplesmente jogar fora. Isto me incomoda bastante, mas não posso fazer de outra maneira porque nem todos que enviam textos o fazem com boa intenção. Uma acusação de plágio é sempre um escândalo muito bem acolhido pela mídia, que primeiro acusa o autor conhecido baseado unicamente na declaração do que se diz plagiado. Infelizmente vivemos em uma época muito dificil onde a moral e a ética parece que foram esquecidas.
A TV digital deve alterar o mercado de trabalho para autores e roteiristas? Como você vislumbra nossa teledramaturgia inserida neste contexto?
Não acho que vá mudar nada para os autores. Vai, sim, dar muita dor de cabeça para a produção, para os cenógrafos, figurinistas, maquiadores, diretores e etc...
Qual a maior decepção de sua carreira na TV?
Pecado Rasgado, a primeira novela que escrevi na Globo. Nada saiu como eu havia planejado. Mas sempre alguma coisa boa sempre acontece. Cassiano Gabus Mendes assistiu à novela com atenção e foi o único que descobriu ali um autor que poderia ter futuro.
A linguagem do seriado semanal, ao estilo norte-americano, lhe atrai?
Não sou fã de seriados americanos. É claro que The Sopranos, Sex and the City e Brothers and Sisters são bem feitos e atraentes, mas acho a nossa telenovela mais emocionante. Gosto da liberdade de crição infinita que uma novela proporciona a seu autor. Destesto as sitcoms americanas com o riso montado a cada dois ou três minutos.
Seus colaboradores decolam na carreira com freqüência (Alcides Nogueira, Maria Adelaide Amaral, Carlos Lombardi, por exemplo). A que atribui esse fato?
Acho que sei escolher bem os meus colaboradores. Gosto de profissionais talentosos, que gostem do seu oficio, que não fiquem competindo comigo e tenham confiança em si. Nunca trabalho com pessoas de pouca experiência, porque acho que a as novelas, como principal produto da emissora, devem ser feitas por profissionais experientes e conscientes da responsabilidade que o trabalho exige.
A telenovela tem vida longa no Brasil?
Já existe a mais de 50 anos e tenho a impressão que ainda vai continuar por muitos e muitos anos. É por isso que acredito na formação de novos autores, para que novos caminhos possam se abrir e manter este gênero de entretenimento sempre atraente para o público. Tenho tido sorte na formação destes autores e acredito estar dando uma grande contribuição ao gênero alavancando as carreiras de João Emanuel Carneiro, Beth Jhin e Andrea Maltarolli.
Abraços,
Silvio
Queria conseguir voltar a assistir novelas... =[
ResponderExcluirENTREVISTA SUPER LEGAL COM SILVIO DE ABREU! ESSE CARA SABE FAZER NOVELA BOA COMO NINGUÉM.CURTO DEMAIS SUA CRIATIVIDADE!NÃO EXISTE MAIS TANTAS PESSOAS TÃO INTELIGENTES QUANTO ELE HOJE EM DIA.
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