Por Emerson Felipe
Hoje chega ao fim, no Canal Viva, a reprise de uma das mais criativas novelas já realizadas: Que Rei Sou Eu?, de Cassiano Gabus Mendes, folhetim de capa-e-espada sobre a luta pelo poder entre o povo e a nobreza em Avilan, um país do século XVIII marcado pela corrupção e injustiça social. Reunindo elementos de novela de época e dados da atualidade, Que Rei Sou Eu? subverteu a linguagem televisiva, virando mania nacional, sucesso de crítica e marcando uma geração.
Que Rei Sou Eu? mostrou-se uma
novela extremamente moderna, antenada com o efervescente momento
que o Brasil atravessava em 1989, fazendo do Reino de Avilan uma paródia do que aqui acontecia: caos social; instabilidade financeira; desvalorização monetária
(o ducado se transformando em duca e perdendo dígitos); escândalos financeiros (Ravengar chega a citar algo similar ao escândalo
da mandioca em Avilan); a altíssima dívida externa; a precariedade dos serviços públicos (a guilhotina de Avilan jamais funcionava nas execuções!), e a população suportando
todos os encargos. Ponto para Cassiano Gabus Mendes ao fazer de uma novela de
época algo contemporâneo, inovando o gênero.
Pichot: de mendigo a rei. |
Algumas
referências de Que Rei Sou Eu?, por estarem atreladas à específica conjuntura de
1989, inexoravelmente soam datadas, servindo mais de curiosidade, como o já supracitado Escândalo da Mandioca e o
selo que o Conselho Real ordenou colar às testas dos cavalos nas estradas de Avilan - numa clara alusão ao selo-pedágio da época - , por exemplo. A grande maioria, porém, continua assustadoramente atual: as falcatruas dos corruptos
Conselheiros Reais - que desviavam verbas públicas em licitações
fraudulentas e obras inacabadas (como a Trans Avilan!) - e o
nepotismo na máquina administrativa (Vanolli empregando o seu sobrinho no Conselho sem prévio preparo) - , por exemplo, práticas ainda usuais no Brasil contemporâneo.
O demoníaco bruxo Ravengar |
Mas não só de humor-denúncia
viveu Que Rei Sou Eu?: Cassiano Gabus Mendes teceu um charmoso novelo repleto de drama, aventura e romance ao longo
de 185 capítulos. O público foi fisgado pela emocionante luta do legítimo herdeiro
do trono de Avilan, Jean Pierre (Edson Celulari), pela coroa, dominada pelas corruptas figuras
da Rainha Valentine (Teresa Rachel) e do bruxo Ravengar (Antônio Albujamra), que tansformaram o mendigo Pichot (Tato Gabus Mendes) em rei para manter-se no poder. E, em meio à guerra entre rebeldes e tropas reais, a disputa entre duas mulheres pelo amor de Jean
Pierre: a destemida companheira de batalhas, Aline (Giulia Gam), e a frágil Suzanne (Natália do Valle),
obrigada a um casamento infeliz com o cruel Conselheiro Real Vanolli (Jorge Dória).
O herói Jean Pierre |
Que Rei
Sou Eu? manteve-se instigante do primeiro ao último capítulo com toos esses
entrechos românticos, humorísticos e dramáticos, reunidos num texto pautado por ganchos atraentes e nenhum resquício de marasmo ou barriga. A direção de Jorge Fernando, embora soe um tanto “fake” em certos aspectos,
mesmo para a época (a cenografia visivelmente artesanal e tosca em alguns ambientes), deu um certo charme ao ousado texto, conferindo um tom teatral
à novela. A maquiagem de Eric Rzepecki foi uma atração à parte, especialmente
as caracterizações do bobo da corte Corcoran (Stênio Garcia).
Aline e Jean Pierre |
O elenco de Que Rei Sou Eu?, magistralmente escalado, interpretou com vigor o excelente texto de
Cassiano. Os Conselheiros Reais, cada qual com sua personalidade, renderam
ótimos momentos: o cruel e perigoso Vanolli (Jorge Dória), que dominava o
Conselho e oprimia severamente a sofrida esposa Suzanne; o fraco Bidet (John
Herbert), sempre passado para trás pelos colegas nas negociatas escusas; o
bronco e grosseiro Gaston (Oswaldo Loureiro); o sofisticado e mulherengo Crespy (Carlos Augusto Strazzer); e Gerard (Laerte Monrrone), que se fazia
de valentão perante todos, mas não passava de um capacho da adúltera esposa Lucy (Ísis de Oliveira), incapaz de satisfazê-la sexualmente.
Álbum de figurinhas da novela |
Os corruptos Conselheiros Reais |
Antônio Albujamra, em irretocável composição, imortalizou o demoníaco Ravengar, uma
espécie de Rasputin de Avilan que exerce forte influência sobre o Reino (a sua paixão não correspondida por Madeleine gerou momentos arrepiantes, ao hipnotizá-la). Mas o grande nome de Que Rei Sou Eu? é o da escandalosa e inesquecível Rainha
Valentine: impossível não se render aos hilários trejeitos e à atuação over da veterana Teresa Rachel. Trabalho este merecidamente contemplado com o Troféu Imprensa de melhor atriz pela deliciosa caricatura que emprestou à alienada e devassa monarca.
A histriônica e divertida Rainha Valentine |
Ao unir elementos de época e crítica social numa irresistível história de capa-e-espada, Que Rei Sou Eu? quebrou paradigmas e, merecidamente, inseriu seu nome no rol de clássicos da teledramaturgia.
Agora, só nos resta deliciarmos com os últimos momentos das aventuras no Reino de Avilan e gritar com emoção "Viva o Brasil!" com Jean Pierre durante a cena final! E viva Que Rei Sou Eu?, viva Cassiano Gabus Mendes!
Elenco de Que Rei Sou Eu? |
Infelizmente, muitas das críticas continuam atuais, como foi dito no ótimo texto do Emerson. Que Rei Sou Eu? é um marco na história da teledramaturgia, um show de texto, direção, produção e interpretação. Mesmo depois de tanto tempo, seus personagens continuam na memória do público. Foi um grande acerto do Viva apresentar esse grande sucesso do excelente Cassiano Gabus Mendes. Ótimo pra quem já tinha visto e também para as novas gerações que puderam conferir o motivo de tanto sucesso.
ResponderExcluirEu não acompanhei com afinco desta vez. Vi a novela em 1989 e a tinha como a melhor novela das 7 horas de todos os tempos. Exagerei? Acho que não! Ótimo post, Felipe! ;)
ResponderExcluirAssisti em 1989 e, acompanhei todos os capitulos nessa reprise do viva, Que Rei Sou Eu é inesquecivel, Gosto muito dessa Novela, sem comentarios. Espero que o canal VIVA nos presentei com outras tramas excelentes, sei que a substituta é muito boa tambem, mas, esperava algo mais Retrô.
ResponderExcluirParabéns pelo EXCELENTE texto, meu amigo!
ResponderExcluirA novela é um primor sem fim! Elenco, trilha sonora, direção, texto... Adjetivos me faltam para essa magnânima história que conseguiu fazer uma crítica ferranha à sociedade daquela - e dessa - época sem ser chata e didática! Um classicão que valeu a pena ver de novo (não no meu caso, rs, que vejo pela primeira vez).
Reverências e mais reverências a esse épico!
Que venha RAINHA DA SUCATA para dar continuidade às "novelas de trono e coroa" do VIVA.
Eli Nunes :D
Ótimo texto,Emerson!
ResponderExcluirComo sou relativamente novo,não assisti à primeira exibição de "Que Rei Sou Eu?",mas sempre ouvi minha mãe falar dela e via cenas no Video Show. Então,eu sempre tive essa curiosidade de assistir. Dessa vez eu tive oportunidade de ver o quão genial era Cassiano Gabus Mendes. A direção de Jorge Fernando, apesar de exagerada às vezes, combinava com a atmosfera da novela. As atuações são um capítulo à parte. É difícil citar todos. Mas realmente, pensou em "Que Rei Sou Eu?", pensou em rainha Valentine. Gostaria também de lembrar a hilária participação de Dercy Gonçalves como a mãe da rainha. E "Que Rei Sou Eu?" matou dois coelhos de uma cajadada só: Fez críticas ao Brasil e nos contou uma boa história capa-e-espada. Hoje ela divide com "A Viagem" o título de melhor novela que eu já assisti
TEXTO REVISADO
ResponderExcluirNunca antes me emocionei tanto como agora ao terminar de ler este artigo. O autor relatou de uma forma tão detalhada e precisa que me senti na frente da telinha, no auge da minha adolescência assistindo a essa que foi, sem dúvida nenhuma, a melhor novela de todos os tempos, desde 1989, que foi quando comecei a me interessar por esse produto da mídia. Essa novela me suscita tantas lembranças, pois, em época, na qual me decidi por ser um escritor, e iniciando-me na carreira como professor de crianças, e desejando escrever para elas, adaptei para a sala de aula, o roteiro de Que Rei sou eu?, atividade que proporcionou a mim e às crianças, ricos momentos de dramaturgia, leitura e aprendizagem, por longos meses a fio. Obrigado, Emerson Felipe, por me trazer à tona lembranças tão agradáveis e terapêuticas. Forte abraço! www.novelaparaler.blogspot.com