quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Das ruas para o estúdio


Em meio a tantas histórias essa podia ser mais uma contada por um artista que vive a se reinventar, Adilson Dias já contou para o público deste blog sua historia de superação. Detalhes de como foi ser menino de rua e virar um diretor de teatro com a ajuda do teatrólogo Sergio Britto, o que foi conviver com as crianças chacinadas na Igreja da candelária e montar uma polêmica paixão de Cristo na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro.
Hoje Adilson Dias se revela um poeta das artes e em suas muitas facetas, a descoberta da música. Intuitivo e autodidata, ele passou a vestir seus versos com música e partiu para as ruas com seu violão. Dessa vez sem pés descalços, sem canivete ou gargalho de garrafa, mas como artista que é hoje. O poeta vem cantando e encantando nos trens da Super via e nas praças por onde passa.

Em suas andanças o seu som acabou parando em um estúdio musical. Com a ajuda do produtor Guilherme Gê, que percebeu o talento do ‘Poeta de Rua’ e decidiu produzir suas canções.  Gê que já produziu grandes nomes da musica brasileira como Sergio Brito dos Titãs, Luis Melodia e Roberto Menescal, vem investindo na descoberta de novos talentos da MBP e Adilson Dias é um deles. Confira o bate-papo com Adilson Dias:

Como aconteceu seu encontro com o Guilherme Gê?

Eu assistia ao programa Dando as Letras, do canal Music Box Brasil da TV por assinatura. Um programa apresentado por Guilherme Gê, Alan Dias e Marcos Suzano. Decidi procurar o Guilherme no Facebook e ficamos amigos, trocamos algumas ideias e lhe enviei o áudio de minha canção, gravado no celular mesmo. Ainda muito receoso de receber um não, mas ele gostou do que ouviu e me chamou para gravar. Eu dei pulos de alegria e não acreditei no que estava acontecendo. Tomei coragem e fui.

Você me disse que nunca havia entrado num estúdio de música profissional. Fala do processo de gravação...

Ainda estou na gravação da primeira canção que foi feita no Estúdio Hanói, em Botafogo (RJ). Quando eu cheguei ao estúdio foi um baque. O lugar é maravilhoso, parece uma nave espacial. Tocar e cantar em um estúdio num silêncio total é muito diferente de fazer isso numa rua com muita poluição sonora. Era como se eu estivesse patinando no gelo depois de ralar muito os meus pés e minha garganta no chão grosso.

A música em sua vida é algo recente...

Foi no ano de 2012, quando voltei de Cuba e percebi certa musicalidade em meus versos. Então comprei um violão em um brechó e comecei a bater tentando tocar. Aprendi algumas notas em uma revistinha de música e hoje faço acordes que não sei o nome. Ando pelo braço do violão como se fosse a extensão do meu próprio braço, ouço minhas palavras vestidas com som e tenho muito prazer em fazer isso. Não me considero um cantor, mas gosto de cantar e poder dizer o que penso em minhas canções. 

Fale sobre as canções que comporão seu primeiro CD independente. A propósito, alguém está o financiando? Existe mercado musical para o seu trabalho? 

São canções autorais mais politizadas e também coisas que falam de amor e outros universos. O titulo vai ao encontro com o que vivo no cotidiano de tocar e cantar pelas ruas da cidade, minha poesia sempre bem-vinda nas margens urbanas. Não penso em expor meu trabalho atrelado a um Rio de Janeiro de uma mídia alienada que vende a cidade como uma referência internacional de arte e cultura, mas que fecha as portas para o fluxo cultural existente na mesma. Pra mim, o Rio que vivo está aberto. Aberto para as artes do gueto em suas ruas, favelas e periferias. Quando não há palco e nem foco de luz, tem sempre uma calçada e uma gambiarra pra eu fazer um show. 

Às vezes penso que seria muito mais comercial se eu fosse só “uma linda história de superação”, mas eu penso e falo o que penso. E isso não é legal para esse sistema alienador. Um suposto ‘mercado musical’ alucinante sofrendo de amor e agressão. Por isso, na dúvida: “Se dou na cara dela ou bato em você” eu não pago cinquenta reais! (risos)...

Estou estudando a possibilidade do financiamento coletivo para terminar de fazer o CD. Quero entregar um bom trabalho ao publico que estou conquistando. Venho estudando, buscando e me esforçando para isso. Uma qualidade sonora que vista com sinceridade os meus versos.

Um caminho alternativo no atual cenário de produção industrial...

O caminho para mim é fazendo shows em espaços mais alternativos, coisa que já faço. Procurar um selo que se interesse na comercialização do meu trabalho e divulgar. Não dá para ralar tanto, fazer um CD e colocar na gaveta. Eu tenho plena consciência da crise fonográfica existente em nosso país, mas o que mais me preocupa é a crise auditiva. Às vezes parece que todos estão com o ouvido no mesmo lugar, querendo ouvir repetidas vezes as mesmas coisas. Caindo no feitiço dos jabás financiados pelos fazendeiros universitários que não se formam nunca. Não me preocupo com o que está na moda, faço o que acredito e o que me faz bem. Ter discernimento sobre o que eu ouço é o que me inspira e me faz feliz.

Você ouve...

Não vou cair no clichê de dizer que ouço de tudo um pouco, porque estarei mentindo. Ouço Beatles, Caetano Veloso, João Gilberto, Nina Simone, Lenine e por ai vai. Querendo ou não, pra mim o que ouço influencia diretamente na minha musicalidade, por isso preciso ter critérios no que estou ouvindo e também ter um pensamento critico sobre o mundo que estou vivendo.

Margens Urbanas é o título do seu CD. Qual é a proposta desse trabalho?

Eu espero conseguir comunicar, tocar nas pessoas. Acho que pra fazer algum sentido. Não quero ser genial, quero só fazer música e ser feliz.

Que venha Margens Urbanas... Sucesso e obrigado!   
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