terça-feira, 26 de março de 2013

O país estacionado às margens da Avenida Brasil





 E. Felipe

O Brasil é, por excelência, o país da telenovelas: durante meses um folhetim repercute e vira o assunto do dia, até que o próximo estreie e reinicie o ciclo. Há, porém, novelas que ultrapassam a condição de entretenimento descartável e se transformam em fenômeno paradigmático: Irmãos Coragem, Selva de Pedra, Dancin' Days, Roque Santeiro, Vale Tudo e A Próxima Vítima são alguns exemplos clássicos. A recente e aclamada Avenida Brasil, grandioso sucesso de João Emanuel Carneiro, apresenta potenciais requisitos para que, futuramente, integre esse seleto time.

Após relevantes sucessos no horário das 7 (Da Cor do Pecado e Cobras e Lagartos), em 2008 fez sucesso no horário nobre com a sombria e psicológica A Favorita. E há exatamente um ano, com sua segunda incursão na faixa, João Emanuel Carneiro novamente subverteu o gênero ao unir elementos de telenovela, seriado e cinema em um contexto socioeconômico representativo do Brasil atual.


Avenida Brasil apresentou como trama central o clássico tema da vingança: a implacável Nina (Débora Falabella) retorna para fazer justiça, vingando-se da inescrupulosa Carminha (Adriana Esteves) que, além de provocar a ruína do seu pai, a abandonou num lixão quando criança. Com um texto repleto de reviravoltas e ganchos de tirar o fôlego, João Emanuel Carneiro injetou sangue novo a um tema já exaustivamente narrado. Todos os capítulos apresentavam um conflito-chave que logo se solucionava e encadeava outro, num ritmo ágil típico das séries de TV, aguçando diariamente a curiosidade do telespectador.

A criativa direção - sob comando de Ricardo Waddington, Amora Mautner e José Luiz Villamarin - foi atração à parte em Avenida Brasil, ao lhe conferir uma convidativa estética cinematográfica. Se, nos anos 90, Luiz Fernando Carvalho já manipulava linguagem de cinema em Renascer, em Avenida Brasil esta tendência se consolidou: da fotografia à edição, passando por acurados controles de foco, de profundidade de campo e adequadas trilhas incidentais. Incríveis sequências, como Carminha enterrando Nina viva ao descobrir sua verdadeira identidade (em alusão ao filme Kill Bill) e a violenta morte de Max (Marcello Novaes), digna de filme de terror, já ficaram gravadas na memória coletiva.



Outro diferencial foi a inserção da trama no atual contexto de ascensão da nova classe média. O fictício Divino, bairro do subúrbio carioca, foi o palco dos grandes acontecimentos de Avenida Brasil, enquanto à nobre zona sul atribuiu-se a função de núcleo periférico. Sem falar no importante núcleo do lixão, onde residiam os segredos-chave da trama. O discurso acerca da mobilidade social foi bem roteirizado, indo da crítica irônica de costumes à retratação realista deste fenômeno. De um lado, o preconceito da decadente elite, destilado nas pérolas da dondoca Verônica (Débora Bloch) - "A classe C ascendeu à minha cobertura", "Essa gente que mistura caviar com ovo". De outro, o orgulho das origens humildes estampado nos discursos dos personagens do Divino - basta lembrar do desdém de Carminha pelos pratos sofisticados de Nina.

A quebra de paradigmas do perfil de mocinha e de vilã foi outro acerto: não houve maniqueísmo, mas personagens humanizadas. O ódio, a dissimulação e o receio mútuo entre as arqui-inimigas Nina e Carminha renderam momentos tensos e impactantes. Débora Falabella interpretou com garra a obsessiva e sombria Nina, mocinha com ares de vilã capaz de enganar, manipular, torturar e até de abrir mão do seu amor de infância em prol de vingança. Adriana Esteves, com uma interpretação riquíssima, eternizou Carminha no imaginário popular, com carisma, maldade e tragédia. Mais que uma vilã, Carminha foi uma complexa personagem, dotada dos mais variados sentimentos: ódio, crueldade, interesse, dissimulação e arrogância, mas também de um genuíno amor, que sentia pelo filho Jorginho (Cauã Reymond). 



Apesar do abusiva vigilância por parte do politicamente correto, Avenida Brasil conseguiu alfinetar certas convenções sociais e exibir polêmicos maneirismos. Novos modelos de família e relacionamentos foram exibidos: Cadinho (Alexandre Borges) e suas três mulheres; o maduro casal Leleco (Marcos Caruso) e Muricy (Eliane Giardini), que se separam para viver com parceiros bem mais jovens - Tessália (Débora Nascimento) e Adauto (Juliano Cazarré), respectivamente; e a periguete Suellen (Ísis Valverde), sexualmente livre, que se casa com dois homens.

Avenida Brasil significou, ainda, o amadurecimento da dramaturgia de João Emanuel Carneiro. Se em A Favorita a ação cingiu-se ao embate entre as protagonistas Flora e Donatela (ignorando quase que por completo os núcleo secundários), em Avenida Brasil se visualizou um conjunto mais harmônico e uma melhor interação entre a trama central e as histórias paralelas. Todos tiveram seu momento de destaque, experientes (Marcello Novaes, José de Abreu e Vera Holtz) e novatos (Mel Maia, a intérprete de Nina na primeira fase; e Cacau Protásio, intérprete de Zezé, a empregada e fiel escudeira de Carminha).




Ainda que marcada pelo sucesso, gritantes furos no roteiro e situações inverossímeis não passaram despercebidos aos olhos do público. O núcleo de Cadinho, por vezes, mais irritou do que divertiu. O fato de Nina não ter salvado em meio digital fotos comprometedoras de Carminha virou motivo de piada e descrédito nas redes sociais. Ademais, a hesitação da vingadora em entregar tais fotos a Tufão para desmascarar a rival soou incoerente e forçado. Se o plano dela de retaliação foi mais forte que o amor por Jorginho, pela lógica, não poderia ser minimizado pelo carinho que sentia por Tufão. 




Mesmo assim, o conjunto de Avenida Brasil se apresentou robusto e atraente, fisgando um público que seguiu fiel até os últimos quilômetros de sua trajetória. Causou frisson e seu derradeiro capítulo parou o País como há muito tempo não se via. Além das rodas de conversa, Avenida Brasil foi uma febre nas redes sociais, a ponto de ganhar vida própria no ciberespaço: diariamente entrava nos trending topics do twitter (com contagem dos capítulos, do #OiOiOi100 ao #OiOiOi179), avatares imitavam o efeito de final de capítulo ("congelar no cinza") e os mais criativos memes proliferavam na rede. Frases de efeito como "Me serve vadia!" e "É tudo culpa da Rita!" caíram na boca do povo. A audiência chegou a preocupar o sistema elétrico nacional (que teve de ser reforçado para evitar queda de luz, em razão do enorme número de aparelhos ligados) e a repercussão da novela chegou a adiar compromissos políticos de grandes autoridades (como a presidente Dilma Rousseff) . Avenida Brasil também cruzou fronteiras: a comoção em torno dos capítulos finais virou notícia internacional (Forbes e BBC) e a novela se tornou a obra mais vendida para o exterior.


Avenida Brasil, clássico em potencial, gerou uma verdadeira catarse coletiva digna das grandes novelas do passado. Um feito louvável numa época em que a audiência da TV aberta encontra-se pulverizada e outras formas de entretenimento estão mais acessíveis: é a prova do poder das novelas enquanto aspecto cultural do povo brasileiro. Entre erros imperdoáveis e grandes acertos, furos de amador e catarses de gênio, Avenida Brasil é um grande exemplo da magia e do fascínio que a telenovela ainda é capaz de exercer sobre a coletividade. 

8 comentários:

  1. Que texto maravilhoso! Eu acompanhei, mas não como a novela merecia...
    Lucas - www.cascudeando.zip.net

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  2. Uau, lendo o texto, bate aquela saudade do Oioioi de cada dia, de Carminha e sua turma, das congeladas no final de cada capítulo. O texto retrata muito bem tudo o que Avenida Brasil foi. Um fenômeno revolucionário, que aliou um texto incrível, a uma direção inspirada e inteligente, a um elenco em estado de graça e totalmente entregue. Pontuou as falhas da novela, mas sem tirar a grandeza da novela. Avenida Brasil marcou muito, e merece ser reverenciada sempre, um novelão clássico.

    Abraços

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  3. Que texto excelente. Muito bem escrito. Análise coerente. Parabéns, Emerson.

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  4. Parabéns pelo texto, Emerson! Apesar de discordar em muitos pontos.

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  5. Que texto!!! Saudades do #OiOiOi, saudades do Twitter e toda aquela turma maravilhosa que vibrava com Carminha e companhia, mas nem por isso deixava passar batidos os furos.
    Abração Lipe! <3

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  6. Avenida Brasil não figura entre as minhas novelas favoritas, mas gostei da novela de modo geral e o seu sucesso é incontestável e merecido. O João Emanuel Carneiro é um autor que sabe despertar o interesse do público, pela inovação, ousadia com que escreve.

    Bela postagem, Lip. Até a próxima!

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  7. A verdade Tenho recomendado ver novlea mas devido ao tempo de não ter prestado atenção Eu preciso entender 100%. O que eu posso ver é uma série fins de semana e em 24 de maio vai ver um chamado Magnificent 70 da HBO . Foi gravado no Rio de Janeiro.

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