Por Fábio Costa
No início de 1983, a Rede Globo foi pega
de surpresa pela morte do ator Jardel Filho, então no ar interpretando um dos
principais papéis da novela das oito, Sol
de Verão, de Manoel Carlos. Jardel sofrera um infarto fulminante em
fevereiro, entristecendo colegas e público e criando o problema de como
prosseguir com a novela, já que seu personagem, o mecânico Heitor, era
essencial ao desenvolvimento da narrativa como planejado pelo autor.
Impossibilitado, Manoel Carlos abandonou o texto e foi substituído por Lauro
César Muniz, que teve como auxiliares Gianfrancesco Guarnieri e Paulo
Figueiredo, integrantes do elenco. A solução para a ausência de Jardel Filho
foi o encurtamento da novela, que terminou dezessete capítulos depois da última
aparição do ator.
A novela substituta seria Sangue Leve, de Gilberto Braga, cuja
entrada no ar era prevista apenas para o fim de abril, começos de maio. Sem
condições de antecipar a estreia da história, que receberia o título definitivo
de Louco Amor, a emissora foi
obrigada a preencher o horário com uma reprise providencial de O Casarão, de Lauro César Muniz, exibida
originalmente em 1976 e aqui compactada em trinta capítulos, que nas cinco
semanas em que estariam no ar dariam o tempo necessário para a preparação
mínima da novela de Gilberto para que pudesse estrear.
Foi o momento ideal para a Rede
Bandeirantes atacar no horário com uma produção inédita, utilizando-se de um
slogan audacioso: “A novela das oito mudou de canal”. Era o chamamento para o
público assistir a Sabor de Mel, novela
do dramaturgo Jorge Andrade, a partir de 4 de abril.
Sabor de Mel tinha como protagonista a bela e excêntrica milionária Laura (Sandra Bréa), que coloca um anúncio no jornal e oferece a altíssima quantia de vinte milhões de cruzeiros àquele que consiga decifrar um enigma criado por ela. A partir do anúncio passa a conviver com um grupo de pessoas as mais diferentes, atraídas pelo desejo de decifrar o enigma e embolsar o dinheiro para resolver seus problemas pessoais.
Entre os interessados na recompensa,
estão Pedrão (Gianfrancesco Guarnieri), operário de muitas lutas pelos direitos
da classe e já aposentado, enfrenta a própria família para juntar-se ao grupo e
termina apaixonado por Laura; Albertina (Karin Rodrigues), que está divorciada
de seu marido português e pretende com o dinheiro ir a Portugal e sequestrar a
filha que ficou com o pai; a viúva Marta (Eva Todor) e sua mãe Jojô (Carmem
Silva), uma senhora de 70 anos que se entende muito bem com os jovens; Sérgio
(Carlo Briani), William (Taumaturgo Ferreira) e Paulo (Giuseppe Oristânio),
três universitários que desejam fazer pós-graduação no exterior; Humberto (Luiz
Serra), técnico em computação que pretende desvendar o enigma com a ajuda das
máquinas. Ainda, Laura lida com o diretor de suas empresas, Alberto (Raul
Cortez), apaixonado por ela e que em razão da história do enigma dá a ela o
apelido espirituoso de “esfinge do Morumbi”. Além de Pedrão, Alberto tem como
rival Guilherme (Flávio Galvão), filho de Pedrão e também operário.
Embora se passasse na época atual (no
caso, o começo da década de 1980), a novela trazia uma temática comum da obra
de Jorge Andrade: a discussão em torno das famílias tradicionais, sobretudo as
paulistas, e suas excentricidades, hipocrisias e atitudes paradoxais em busca
da felicidade e do desejo de poder. Mas a bela produção, o elenco escalado
cuidadosamente (que trazia ainda Célia Helena, Mila Moreira, Françoise Forton,
Zaíra Bueno, Mayara Magri, Júlia Lemmertz, Cláudia Alencar, Jardel Mello,
Ileana Kwasinski, Odilon Wagner, Roberto Orosco, Renato Borghi, Elias Gleizer e até Clodovil Hernandes,
entre outros), a direção do global Roberto Talma e toda a campanha publicitária
da Rede Bandeirantes não foram suficientes para manter nas semanas seguintes à
estreia o sucesso dos primeiros capítulos. Já na segunda semana de exibição
teve de enfrentar a concorrência de Louco
Amor, que estreou no dia 11 e mostrou que a Rede Globo estava disposta a
recuperar o tempo perdido e não deixar a audiência mudar de canal.
Jorge Andrade se desentendeu com o
diretor e abandonou a novela por volta do capítulo 54, sendo substituído por
Lafayette Galvão. Outro fator que levou ao afastamento de Andrade foi o pedido
que lhe fizeram para, segundo declarou em entrevistas, “baixar o nível” (e
claro, com isso abandonar em parte ou totalmente seu plano para a trama) em
prol do aumento da audiência.
A trama pulou da ficção para a vida real
graças a uma promoção da Rede Bandeirantes que convidava o público a também se
lançar na busca pela resposta do enigma de Laura, com direito à própria Sandra
Bréa sorteando as cartas enviadas pelos telespectadores. Ao longo da novela
alguns capítulos trouxeram dicas para a resolução do mistério, sinalizadas pelo
aparecimento do logotipo da emissora num canto da tela. Após a exibição do
último capítulo o vencedor foi sorteado pelo diretor Roberto Talma e enfim
morta a charada. “Não existia, mas aprisionou e torturou, envenenou e
corrompeu, atormentou, levando à ignorância e ao medo. Suplício do qual o
homem, cumprindo seu destino, libertou-se e transcendeu. Dragão maligno que os
jovens de hoje venceram com a espada da esperança.” Acertou quem respondeu “o
pecado”.
O personagem Pedrão, que ficou com
Gianfrancesco Guarnieri, foi inicialmente destinado a Paulo Autran, cujo nome
chegou inclusive a constar das primeiras chamadas de Sabor de Mel; o ator recuou e aceitou o convite para estrelar a
primeira versão de Guerra dos Sexos
na Globo. Uma curiosidade era o nome de Françoise Forton, na época já conhecida
do público, vir creditado na abertura com a legenda “apresentando”; explica-se:
além de ser seu primeiro trabalho na Bandeirantes, Françoise voltava a atuar
após ausência dos vídeos por alguns anos. O tema de abertura era “Tantas
Palavras”, de Chico Buarque, em interpretação do próprio.
Dos 120 capítulos previstos, Sabor de Mel terminou com 95, em 30 de
julho de 1983. Foi a última novela escrita pelo dramaturgo paulista, que
faleceu no ano seguinte. A emissora reprisou a história à tarde em 1989, às
16h30, de 17 de julho a 15 de setembro, numa versão compacta em meio a uma
série de reprises das produções do setor de teledramaturgia que exibiu também A Deusa Vencida (1980), Cavalo Amarelo (1980), Um Homem Muito Especial (1980/81) e O Meu Pé de Laranja-lima (1980/81). Mas
essa já é outra história...
Belo texto. Quanto ao afastamento do Jorge Andrade, a história parece ser bem mais complicada que isto. Parabéns por relembrar o maior dramaturgo paulista!
ResponderExcluirQue elenco reunido pela Band, hein? A emissora tinha essa característica, uma dramaturgia instigante, "sem" maiores pretensões. Tinha o seu jeitinho de fazer teledramaturgia. Aliás, bem poderia voltar a fazer tais produções.
ResponderExcluirDelícia de texto, Fábio. Parabéns!
Muito bom o texto caro Fábio. Uma das grandes produções da Bandeirantes na sua curta carreira em teledramaturgia. E também um dos últimos trabalhos da grande atriz Karin Rodrigues em novelas. Uma pena porque Karin sempre foi uma agradável presença nas novelas.
ResponderExcluirQue bela lembrança desta novela!!!!!!
ResponderExcluirEu adoraria ter assistido SABOR DE MEL. Primeiramente por que é Jorge Andrade, que para mim foi um dos autores mais desprezados pela tv. Seu estilo teatral devia ser um charme na tv. E esta trama em particular tem uma história que me chama muito a atenção, sem falar numa protagonista feita pela saudosa Sandra Bréa!!!!!!!!
Parabéns pelo texto, Fábio Costa!!!!!