quinta-feira, 4 de julho de 2013

Lado Oposto - Folhetim de André Cavalini [último capítulo]


CAPÍTULO 5

Eulália fica extremamente chocada com a presença e com as palavras da avó no tribunal. Nota-se que seu semblante apresenta uma espécie de medo.

EULÁLIA - Vovó? A senhora aqui?... Mas o que está acontecendo, senhor juiz? Que tipo de julgamento é esse onde aparecem pessoas do nada invadindo o tribunal?
MARGOT - Não tema, minha filha. Deixe a verdade vir a tona, deixe-nos ajudá-la.

CORTA PARA:

Cena 42. Fórum de Água Negra. Sala do Juiz. Dia

FLASHBACK

A cena é uma continuação da cena 25, onde Dr. Henrique conversa com Juiz Machado e Dr. Maurício. Contudo agora, Vivian e Margot estão na sala junto a eles.

JUIZ MACHADO - Vocês têm certeza do que estão falando? Em absoluto? Isso é um fato inédito na história deste tribunal e não quero ser lembrado como o juiz que caiu no conto do vigário de uma senhora que pode ser cúmplice da acusada.
VIVIAN - Pode ser o primeiro caso neste tribunal, mas não é o primeiro do mundo, excelência. Já houve outros casos de que se tem relato e em alguns deles, essa foi a maneira encontrada de se chegar a solução. Isso eu posso garantir.
DR. HENRIQUE - E sobre a autenticidade desses documentos, eu lhe asseguro de que são verdadeiros. Eu, com a ajuda do delegado Terry, averiguamos isso.
MARGOT - E quanto a mim, senhor juiz, não se preocupe. Uma velha toda queimada, já no final da vida não teria o que fazer com tanto dinheiro, caso eu fosse cúmplice de Eulália. Mas o senhor pode constatar se quiser. Dou total liberdade para checar minhas ligações de celular e vasculhar minha vida como quiser. Seria até melhor, porque assim, confirmaria a história de que só estou aqui para ajudar minha menina.
DR. HENRIQUE - Pode ser que dê tudo errado, excelência. Não há como garantir o sucesso da ação. Corremos riscos sim, mas se existe uma possibilidade, uma chance, ainda que remota, não seria atrás dessa chance que deveríamos ir? Não seria essa nossa atitude o que chamamos de justiça? Então excelência, quem poderia nos condenar por estarmos lutando por justiça?

FIM DO FLASHBACK

CORTA PARA

CENA 43.

CONTINUAÇÃO DA CENA 41, no fórum, com a chegada de Margot , Terry e Vivian ao tribunal.

Juiz Machado olha para Henrique e Maurício, e então prossegue.

JUIZ MACHADO - Senhora Eulália. Vejo-me na obrigação de não considerar o seu pedido. Ele fere a constituição que dá direito a todas as pessoas se defenderem. Pelo que nos foi informado, a senhora já desistiu de vários recursos que lhe cabiam, como o pedido de habeas corpus, por ser ré primária e não ter antecedentes criminais. Não sei se estou certo, mas já há muitos anos nesta profissão, aprendi a desenvolver um sexto sentido, se é que ele existe, para cada caso que presido. E sem medo de influenciar o júri que aqui está, devo dizer que este sexto-sentido me diz que existe um motivo que ainda não sabemos para a senhora desejar tanto ser condenada e abnegar do seu direito a liberdade.
DR. MAURICIO (pasmo) - Excelência, com o perdão da palavra, mas desse jeito está influenciando o júri, ou no mínimo confundindo-os.
JUIZ MACHADO - Não promotor. Eu estou tentando fazer justiça, é só isso. (Consigo) Deus queira que eu não esteja errado, e isso nós descobriremos hoje.

Juiz Machado encara Henrique, Vivian e Margot.

CORTA PARA

Cena 44. Interior. Fazenda dos Sabatini. Sala de TV. Dia

Joaquim e Sueli ainda assistem a TV, esperando por notícias.

JOAQUIM - Essa bandida deve ter arrumado um jeitim de manipular todo mundo. Onde já se viu? Fecharem as portas de um julgamento assim. Não deixarem a gente presenciar a mardita ser condenada. Ai tem coisa! Escreve o que eu to te falando. Ai tem e não é pouco fubá não. Esse angu tá grosso, muié... tá grosso.
SUELI - Se aquieta Joaquim. Você sabe que se a Diana ouvir você falando da mãe, vai ficar chateada. Ela já toda sentida porque foi dispensada de comparecer pra dar o depoimento. Tadinha, tava toda empolgada achando que ia salvar a mãe.

CAM mostra Diana passando sorrateiramente no corredor atrás dos avós, e saindo sem ser percebida. FOCO nela.

DIANA - bom que eu vou ficar aqui esperando enquanto minha mãe lá sendo maltratada. Eu vou contar pra todo mundo o que eu vi, e também como de verdade eu achei aquela foto. Eu vou te salvar mamãe.

Ela sai da casa com cuidado pra não ser vista pelos empregados e corre em direção à estrada.

CORTA PARA

CENA 45

CONTINUAÇÃO da cena 43, quando o juiz nega o pedido de Eulália para ficar sem advogado.

Eulália demonstra certa irritação com as palavras do juiz. Vivian percebe e cutuca Terry.

VIVIAN - Estamos no caminho certo.

CAM foca no advogado de defesa e na ré.

DR. HENRIQUE - Desculpe Eulália, mas estamos fazendo o que é certo. (Ao juiz). Excelência, eu gostaria de chamar a minha cliente para depor.

EULÁLIA - Mas eu já dei meu depoimento, não tenho mais nada pra falar.
JUIZ MACHADO - Pedido aceito. Gostaríamos de ouvir a senhora novamente.

Dr Mauricio está inquieto. Juiz Machado também, eles trocam olhares com temor. Eulália é levada até o banco das testemunhas e Dr Henrique se dirige até sua frente. Ele olha para Margot e ela lhe faz sinal de ok.

DR HENRIQUE - Senhora Eulália, poderia nos contar sobre sua infância.
EULÁLIA - Não vejo o que minha infância pode ajudar neste caso. Por favor senhor juiz, sejamos breve. Vamos acabar com isso logo.

Margot se levanta de onde está.

MARGOT - Sua infância tem tudo a ver com isso, minha querida.
EULÁLIA - Vó, o que a senhora está fazendo?
MARGOT - Ajudando a te salvar.
EULÁLIA – A senhora não sabe o que está fazendo, por favor!
MARGOT -  Pelo contrário, Eulália. Eu sei sim. E embora o preço seja alto pra você, já passou da hora de ser pago. Apenas acredite em nós. Vai dar tudo certo.

Dr Mauricio está inconformado com o que está acontecendo. Ele fala baixinho com o juiz sobre o absurdo da cena. O juiz o manda esperar.

EULÁLIA - Por favor, não!

Margot a olha com piedade, mas depois se torna fria e prossegue.

MARGOT - Não tem mais como voltar atrás.
DR HENRIQUE - Senhora Eulália, já que se nega a nos contar sobre sua infância, vou relembrá-la sobre alguns fatos que serão conhecidos somente agora por todos. Começamos por esta foto...

Ele mostra ao júri a foto de Eulália com a irmã.

DR HENRIQUE - Uma foto tirada há alguns anos atrás que mostra a senhora com sua irmã gêmea no quintal da casa de sua avó, que por acaso é essa senhora que aqui está a convite da defesa...

Ele se vira para o promotor e dirá baixinho, só para Dr Mauricio ouvir.

DR HENRIQUE - E com o conscentimento da promotoria...
Volta para o discurso.
DR HENRIQUE (continua) - Com certeza a senhora deve se lembrar de quando esta foto foi tirada, mas se não se lembra, eu te lembrarei...
EULÁLIA - Por favor, não...
DR HENRIQUE (continua) - Esta foto, senhores e senhoras, foi tirada dias antes do acidente de carro que matou os pais de minha cliente. Um acidente horrível, com certeza, que a deixou sob os cuidados da avó.

Eulália começa a ter flashes de visões. Conforme o advogado vai falando, ela vai vendo as cenas. A primeira cena que vê, assim que Henrique fala essas últimas palavras, é do caixão lacrado dos pais, no velório.

DR HENRIQUE (continua) - Mas saibam que este não foi o único acidente da vida de minha cliente...

Eulália vê cenas de fogo. Algo pegando fogo, muito fogo, mas ainda não sabemos o que é.

DR HENRIQUE (continua) - Houve um acidente tão grave quanto esse, onde nossa menininha esteve presente...

EULÁLIA (cabisbaixa) - Não... vocês não sabem o que estão fazendo...

CAM EM VIVIAN.

VIVIAN - Isso, muito bem doutor, é esse o caminho.

VOLTA para o advogado.

DR. HENRIQUE (continua) - Um acidente que deixou esta senhora, por favor, dona Margot, se aproxime...

Margot vai até Henrique e começa a tirar o casaco e o turbante que lhe cobre a cabeça e parte da face. Eulália ainda vê o fogo e agora  a imagem vai ficando mais nítida.
É  a casa da avó que está incendiando. O júri se surpreende com as marcas de Margot.

DR. HENRIQUE (continua) -... com o corpo e a vida marcados para sempre, não é mesmo Eulália?

Eulália está chorando com a cabeça baixa.

DR. HENRIQUE (continua) - E vocês podem se perguntar o que tudo isso tem a ver com o nosso caso, e eu só vos peço paciência, pois chegaremos lá.

Vivian está inquieta. Juiz Machado apreensivo e Dr. Mauricio não acreditando em nada.

DR. HENRIQUE (continua) - Pode nos falar alguma coisa sobre esse acidente, Eulália?

Ela não esboça nenhuma reação, está parada feito uma estátua, com a cabeça baixa.

DR. HENRIQUE (aumentando o tom de voz) - Ou talvez possa nos falar sobre a sua irmãzinha. A danada da vadia da sua irmã que você tanto amou, mas que foi responsável por tanta desgraça na sua vida, incluindo o acidente de seus pais, o incêndio da casa de sua avó e a morte da sua filha...

Eulália ainda está sem reação. Nota-se que seu choro vai diminuindo até ela ficar completamente em silêncio, com a cabeça baixa ainda.

DR. HENRIQUE (sendo bem rude) - Sabemos onde sua irmã está. Sabemos onde essa desgraçada está e tudo que ela tem feito a você. Pare de protegê-la, Eulália, deixe que ela arque com as conseqüências. Só ela pagará pelo que fez. Você é inocente, pura, delicada e um exemplo de pessoa, por isso sempre foi invejada. E não é justo que pague pelos crimes de uma sem vergonha sem qualificação...

Eulália vai levantar a cabeça e soltar um grito que surpreenderá a todos.

EULÁLIA (violenta) - Vá se danar, seu advogadozinho de merda. Cala a sua boca, seu bosta!

Henrique olha para Vivian e lê em seus lábios ela dizer:

VIVIAN - B I N G O!

Henrique aproxima-se de Eulália.

DR. HENRIQUE (continua) - Seja bem vinda, Elvira?

Os guardas a seguram, e então já percebemos outra postura, outro jeito de olhar, e outros trejeitos tendo a certeza de que é Elvira quem está ali. Ela se acalma, mas não perde a pose.

ELVIRA - Vocês são bons. (Para Margot) Você conseguiu Malévola. Você conseguiu fazer com que sua Bela adormecida acordasse do sono profundo pra todo mundo ver. Mas eu te pergunto, bruxa desgraçada. Ajudará isso a salvar a sua Cachinhos de Ouro?

Tensão. Close em todos, ESPANTADOS e sem entenderem nada.

CORTA PARA

Cena 46. Interior. Fazenda dos Sabatini. Dia.

Martim entra em casa. Ele estava cuidando do gado e está um pouco sujo. Procura pela filha em todos os cantos. Vai até a sala de TV e pergunta pela menina aos pais, que se preocupam e ajudam a procurá-la. Perguntam a vários empregados, mas ninguém a viu.

MARTIM - Ela não aqui. Danada de menina!
SUELI - Minha Santa Rita de Cássia! Onde é que nossa menina está? Já perdemos uma, não pode acontecer nada com a outra.
JOAQUIM - Para de falar bobeira, muié. Não aconteceu nada a ela não, a única coisa é que a gente não deixou ela ir ao julgamento da mãe, então se ela não aqui, a gente sabe bem pra onde foi. Tinhosa essa danada! Puxou a mim.

Martim pega o chapéu, entra na caminhonete e sai disparado rumo à cidade.

CORTA PARA

CENA 47

CONTINUAÇÃO DA CENA 45, quando foi revelada Elvira ao tribunal.

ELVIRA - Você, velha babona, sempre atrapalhando os meus planos. Sabe que eu desejei tanto te ver queimando naquele incêndio. Quer dizer, te ver queimando eu vi, só queria ter visto mais. Queria ter visto você virar pó, cinza... pra eu poder jogar o que sobrou de você na privada e dar descarga.
JUIZ MACHADO - Com licença, dona Eulália, mas a senhora poderia nos explicar o que está acontecendo?
ELVIRA - Explicar o que, ô Shereck? O que é que vossa majestade ainda não entendeu? Está tudo tão claro, mas se a idade afetou a sua capacidade de raciocinar, a múmia ambulante ali, pode te esclarecer. Fala pra eles vovó. Fala o que você já deve ter contado pra esse bando de povo marrom. Pra essa plebe porca feita você.

Margot se veste, cobrindo o corpo que havia mostrado e então começa a falar. Conforme for falando, cenas são mostradas e sua voz ao fundo.

MARGOT - O acidente que matou minha filha e meu genro não teve como vitima somente os dois. Elvira também estava no carro, e também foi vitima...

CENA 48: Na mesma cena do velório dos pais, que se viu anteriormente nas lembranças de Eulália, vê-se agora sob o caixão da irmã, chorando.

Volta para tribunal.

MARGOT (continua) - Elvira sempre foi uma criança invejosa, que achava que a irmã só a atrapalhava, e por isso vivia aprontando pra ela. Já Eulália nunca foi capaz de levantar um dedo contra a irmã, sempre foi sensível...
ELVIRA - Ah, mas que coisa linda e comovente. A bruxa aqui é você, velha nojenta. Não tenta passar a vassoura pra mim não, porque eu sou realeza. E pelo visto tão tentando santificar a minha irmãzinha, né? Coloca logo um par de asas e uma auréola na cabeça dela.
JUIZ MACHADO (sério) - Senhora Eulál... Elvira, por favor.
MARGOT (continua) - E mesmo com todas as maldades da irmã, Eulália a venerava, a tinha como uma deusa. Com sua morte, ela se tornou uma criança triste, sem alegria no olhar. Perder os pais foi difícil, mas perder a irmã foi insuportável pra ela...

CENA 49: Eulália criança no meio das coisas da irmã. Vestidos, brinquedos, cadernos. Abraçada a uma foto da irmã. Uma criança triste em meio a lembranças dolorosas.

Volta para o tribunal.

MARGOT (continua) – Mas tudo começou quando ela descobriu, junto a mim, que o carro dos pais havia sido sabotado no dia do acidente. E ela viu a irmã mexendo no motor naquele dia. Achamos uma carta de Elvira dizendo que ela havia achado uma maneira de ficar com os pais só pra ela. A carta está no meio desses papéis que lhes foram entregues, onde consta também a certidão de nascimento das meninas e os atestados de óbito de meu filho, minha nora e de Elvira. Isso mexeu com Eulália, mexeu muito até que começou a ter atitudes estranhas...
DR. HENRIQUE - Estranhas como, dona Margot?
MARGOT - Como se fosse a irmã. O mesmo olhar, o mesmo tom de superioridade ao falar. O gosto por contos de fadas, e as pequenas maldades, no começo com animais, depois com os colegas de escola... até (Margot se emociona)
ELVIRA - Até eu tacar fogo naquela casa velha com essa bruxa dentro. João e Maria fizeram algo parecido com a bruxa má que queria comer os dois. Se eles fizeram, porque eu não podia fazer?

Reação do júri.

MARGOT - Eu não sabia o que acontecia com minha menina. Do nada, ela tinha atitudes como as da irmã, e no momento seguinte já era ela de novo. Cheguei até mesmo a procurar alguns centros espíritas achando que pudesse ser a danada da menina que tivesse atormentando minha Lalinha. Mas não, não era. Aconselharam-me a procurar um médico de cabeça, mas o incêndio aconteceu antes de eu conseguir levar ela na consulta.
ELVIRA - Claro, ou você acha que eu ia deixar você me ferrar, velha nariguda? Era isso que você sempre fazia, e continua fazendo, como todos podem ver. Ferrei você antes de me descobrir e ferrei Eulália antes dela me revelar pra todo mundo. (Se fazendo de coitadinha) Vocês acreditam que essa piranha de porta de taberna ameaçou de fazer isso?
JUIZ MACHADO - Por favor, senhora, tenha modos.
MARGOT - Mas quando eu estava no hospital, me recuperando, conversei com os médicos, com psiquiatras, psicólogos, expliquei o que acontecia e eles me esclareceram o que podia ser. Quando finalmente encontrei minha Lalinha, já nessa situação, contei a história pro delegado e pra Dra. Vivian, e ela então sugeriu que fizéssemos isso que foi feito hoje aqui, pra poder provar essa teoria. E a prova está ai. Achamos Elvira. Ela mora dentro da cabeça de minha Eulália. Foi ela quem matou Elizabeth.
DR. HENRIQUE - Vossa Excelência, senhores e senhoras do júri, Promotor. O que essa avó em desespero e aflita está tentando dizer é que a neta sofre de um transtorno dissociativo de identidade, mais conhecido como transtorno de múltiplas personalidades ou dupla personalidade. Algo que pode ser mais bem explicado pela psicóloga, doutorada, Vivian de Melo.

Ao chamado do advogado, Vivian se aproxima.

ELVIRA (zombando) - Lá vem a fada madrinha tentando salvar a Cinderela. Vai precisar muito mais do que uma varinha de condão, hein queridinha?!
VIVIAN - Esse transtorno é uma condição mental onde um único indivíduo demonstra características de duas ou mais personalidades ou diferentes identidades, cada uma com sua maneira de perceber e interagir com o meio. Acreditamos que ao menos duas personalidades podem rotineiramente tomar o controle do comportamento do indivíduo, como acabamos de ver, e como tem acontecido durante tanto tempo, conforme a história de dona Margot.
DR. MAURÍCIO - Mas doutora, isso tudo não pode ser uma encenação? Um golpe que a acusada pode estar tentando dar na gente?
VIVIAN - Com certeza pode, embora eu acredite que dificilmente alguém consegue mentir tão bem assim. Óbvio que precisa serem feitos vários exames para o diagnóstico final. Mas, achamos válido e necessário levantarmos essa hipótese, porque se realmente essa for a verdade da situação, e eu não tenho dúvidas de que seja, a cadeia não é o lugar apropriado para mandarem a acusada.
JUIZ MACHADO - E porque a senhora tem tanta certeza disso?
VIVIAN - Veja bem excelência, o histórico de vida de Eulália já apresenta uma das condições de pessoas que desenvolvem o transtorno. O que aconteceu em sua infância, a falta de proteção frente a situações limite e também a falta de compreensão ao enfrentar essas situações são causas muito potenciais para desenvolver outra personalidade. A idolatria pela irmã e a perda repentina dessa, seguida da frustração que teve ao descobrir que Elvira não era a deusa que ela imaginava,podem tê-la feito criar a própria irmã dentro de sua cabeça. De uma maneira que essa personalidade tenha suas próprias atitudes. Foi muita coisa junta, muita emoção. E algo que deve ficar claro, a todos, é uma vez constatado o distúrbio de dupla personalidade, uma não pode ser acusada do que a outra fez, porque embora seja o mesmo corpo, quem o controla são personalidades diferentes. Uma se anula enquanto a outra está no comando.
ELVIRA - E agora eu dancei de vez, né? Vão mandar a boazinha pro castelo e a  malvada pra masmorra! Mundo injusto! Muito injusto. Deviam sumir é com a outra, com a santa. Uma diaba tem muito mais valor hoje em dia. Ainda mais uma diaba milionária como eu seria, se não fosse essa corja de anões imundos e fedorentos tentando salvar a doce princesa que mordeu a maçã envenenada. (Eufórica) Eu disse que um dia voe morderia, Cachinhos de Ouro. (Triste) Tava tudo tão certo, tão pronto...

Conforme Elvira fala, vê-se cenas que descrevem sua fala. Sua voz ficara ao fundo.

CENA 50.

Volta-se no tempo, na cena do incêndio da casa de Margot. Eulália olhando a casa pegando fogo e desesperada. Elvira ao seu lado. Eulália suja, como quem escapou do incêndio, mas Elvira bem limpa e arrumada.As duas discutem.

ELVIRA (voz ao fundo) - ... depois que coloquei fogo naquela casa de doce azedo onde essa velha morava e nos prendia, Eulália ficou muito sentida. Ela disse que não deixaria mais que eu viesse, ou aparecesse. Fazia pouco tempo que eu estava com ela e ela já queria se livrar de mim? Óbvio que eu não deixaria isso acontecer...

CENA 51. CLIPE

A vida de Eulália é mostrada. Seguindo a narração de Elvira.

ELVIRA - (voz ao fundo - continua) ... Boba como era minha Cachinhos de ouro teria sido pega pelos caçadores malvados da polícia ou de qualquer outra entidade se continuasse ali. Ajudei-a fugir, a inventar uma história. Andamos na beira das rodovias até chegarmos numa fazenda duma vovozinha muito simpática; não, ela não tinha um lobo mau rondando por ali, mas tinha doces maravilhosos. Instalamos-nos, a velha acreditou na nossa história e como era lá nos Cafundó do Judas, ninguém nem foi atrás de saber de nada sobre a gente. Eulália se mostrou cada vez mais determinada a me eliminar, e conforme o tempo foi passando, ela foi conseguindo...

CENA 52: Eulália e Elvira caminham no meio do mato, sempre seguindo a rodovia em paralelo. Elas comem frutas e se alojam em cima de árvores. Passam-se alguns dias, até que suja e desnutrida ela é encontrada por uma senhora moradora de uma simples casa no campo. Ela dá-lhe banho, comida. Elas conversam e ali Eulália vai ficando. Elvira observa a tudo.

ELVIRA - (voz ao fundo - continua)... A velha se encheu de amores pela menina, cuidou e tratou como a uma filha, e isso me causou problemas, porque banhada de sentimentalismos, minha irmã não se perdoava por ter matado a nojenta da vó no incêndio. Na verdade também ela não me perdoava por ter causado a morte de nossos pais, mas eu nem ligava pra esses detalhes. Só que fui perdendo o controle aos poucos. O amor da sonsa pela velha estava sendo maior do que minha vontade de ficar. Então a doce vovozinha deu um jeito de registrar a menina como sua neta. Os tempos eram outros, e a velha conhecia todo mundo da cidade. Inventou uma história e as autoridades acreditaram. Em pouco tempo tinha a sua chapeuzinho debaixo de seu capuz vermelho.

CENA 53: A senhora enche Eulália de carinhos. A menina a ajuda em todos os serviços na casa. Elas vão junto à delegacia, a senhora conversa com o delegado, depois com o juiz. Assina os papéis que lhe garantem a guarda da menina. O tempo vai passando, Eulália crescendo e permitindo cada vez menos a presença de Elvira.

ELVIRA - (voz ao fundo - continua)... Aí veio escola, depois faculdade. A velha morreu e deixou uma merreca de terra pra minha irmã. Ela já tava apaixonada pelo caipira, vendeu tudo e se casou com ele, vindo parar nesse reino tão, tão distante e sempre tomando cuidado pra que ninguém soubesse de seu passado, e claro de mim, que ela conseguiu segurar até pouco tempo atrás, quando descobri que as duas princesinhas diabinhas valiam uma fortuna. Resolvi voltar, assumir meu lugar e viver rica para sempre.

CENA 54: Eulália vai para a escola da cidade onde morava, depois completa os estudos e vai pra faculdade. Pouco tempo depois recebe a notícia de que a senhora que a criou morreu e que ela herdou uma pequena quantidade de terra. Na faculdade, conhece Martim e se apaixona. Ele a pede em casamento. Ela vende, sem ele saber as terras e se casa com ele, indo morar em Água Negra assim que concluem a faculdade.

Volta para o tribunal.

ELVIRA - E a partir dai eis o meu retorno triunfante. Feito uma Cinderela no baile em que ela encanta o príncipe. Ou vocês acham que sabendo da possibilidade de ficar milionária, eu ia continuar vivendo dentro da abóbora da cabeça dessa minha irmã chata e sem sal? Planejei tudo, e o meu retorno foi como diria alguém que não é dos contos de fada, mas que vi em algum lugar... "FELOMENAL"!

CORTA PARA

Cena 55. Exterior. Estrada de Terra. Dia.

Diana caminha apressada, pois quer chegar logo ao julgamento da mãe. Vê-se a caminhonete de Martim se aproximando. Ele está desesperado a procura da filha. Quando avista a menina, ele acelera, até alcançá-la. Freia a caminhonete, desce e a abraça emocionado.

MARTIM - Ô minha filha, porque você fez isso? Pelo amor de Deus, fiquei com tanto medo de te perder. Não sei o que seria da minha vida se isso acontecesse.
DIANA - Eu só preciso chegar lá no fórum, pai. Eu ia direitinho pela estrada, nada ia me acontecer.
MARTIM - Perdi sua irmã, estou perdendo sua mãe, você é tudo que me resta, Diana. Não faz mais isso. Não some mais, não sai mais de perto de mim.
DIANA - Então me leva lá, pai. Eu preciso falar pra todo mundo que aquela mulher teve lá em casa, e falou comigo.
MARTIM - Que mulher? Tá falando de quem, filha?
DIANA - Da irmã da mamãe. Ela teve lá em casa, e disse que se eu contasse pra alguém que a vi, ela me matava. E foi ela quem disse, numa outra vez, que quando eu não entendesse nada do que tivesse acontecendo, era pra procurar aquela caixa, lá no sótão do galpão.
MARTIM - Sua tia... ela esteve em casa??
DIANA - Parecia a mamãe, eu até confundi. Tava até com as roupas da mamãe, mas quando abriu a boca pra falar, eu vi que era outra pessoa.
MARTIM - Isso pode mudar tudo. O Terry e o Henrique me disseram que hoje Eulália sairia de lá absolvida. Não me contaram porque, fizeram mistério e só pediram pra que eu confiasse neles. Mas essa sua informação pode ajudar, e muito. Vamos pra lá filha, entra ai e vamos correr pra lá.

CORTA PARA:

Cena 56. Interior. Fórum de Água Negra. Tribunal do Júri. Dia

Continua a tensão pelo depoimento de Elvira.

DR. MAURICIO - Senhora Eulália/
ELVIRA - Elvira, querido. Corpo de uma, personalidade da outra. Parece mágica, mas é a realidade. E pra quem pensa que isso é macumba, eu digo que é ciência, queridinhos.
DR. MAURICIO - Senhora... Elvira, quer dizer então que tudo foi planejado pela senhora?
ELVIRA - Não era pra vocês ficarem sabendo. Na verdade, vocês nunca descobririam. Tava tudo acontecendo conforme eu planejei, mas agora eu to aqui, desmascarada feito a madrasta má depois de se passar pela velhinha da maçã, sei que vão me pressionar até saberem de toda a verdade...
DR. MAURICIO - E porque resolveu falar? Aparecer? Assumir a culpa? Não seria muito melhor continuar desaparecida? Seu plano poderia dar certo. Eulália seria presa...
ELVIRA - Vocês não entendem como isso funciona. (Ao Dr. Henrique) Esse grilo falante começou a defender Eulália, a me xingar... quando vi, já tava aqui, na frente de vocês, desmascarada. Então...
JUIZ MACHADO - Já que resolveu cooperar então, nos conte como pretendia ficar com o dinheiro do seguro e ainda deixar sua irmã livre, já que para assumir o corpo de e gastar o dinheiro, você precisaria estar em liberdade.
ELVIRA - Como vocês são sem imaginação. É fácil. No dia do crime deixei elementos que mesmo discretamente, ligavam a presença de outra pessoa à cena do crime. O salto que a sonsa da minha irmã nunca usava, por exemplo, ou o tiro certeiro na testa da pirralha. Até mesmo a bala do segundo tiro que nunca foi encontrada. Eulália mal sabia segurar numa arma, jamais acertaria o alvo como eu. E a cartada final, o golpe de mestre, o beijo que desperta a princesa do sono profundo... a foto que mandei a outra pirralha, a que sobreviveu, entregar pra qualquer um de vocês, numa das vezes que visitei a fazenda, disfarçando a personalidade que dominava esse corpo, claro.
DR HENRIQUE - A senhora esteve então, na fazenda?
ELVIRA - Claro! Feito aquela personagem da Glória Pires em Mulheres de Areia. A gêmea má se passando pela boa (risadas). Por lá e por muitos outros lugares. Com o corpo de Eulália eu andava fácil por aí, e o melhor, sem levantar suspeitas. E numa dessas vezes mandei que a menina procurasse pela foto, dizendo a ela onde estava. Eu sabia que quando a foto chegasse as mãos de vocês, surgiria a dúvida de que essa irmã estava na cena do crime, e de que a besta da Cachinhos de Ouro assumiria a culpa para não deixar ninguém saber da existência da irmã gêmea e mais bela. Claro que vocês procurariam até se cansar por essa irmã, mas nunca a encontrariam. Mas ainda havia algo melhor e esclarecedor:  o depoimento da pirralha sobrevivente, sobre a conversa que tivemos certa vez, onde eu assumi minha identidade e a ameacei. Quando ela dissesse isso no tribunal, todos teriam certeza de que Eulália era inocente e a tal irmã, no caso eu, culpada. Com o tempo eu iria deixar pistas aparecem, para brotar na cabeça de vocês a sensação de que a irmã estava perto. Eulália seria inocentada, a polícia iria procurar por Elvira o resto da vida e jamais saberiam que ela estava bem ali, no nariz de cada um de vocês. Não demoraria muito para que o seguro fosse pago, e seria fácil dar um golpe na família de caipira e sumir com todo o dinheiro deles, quando finalmente eu sairia da torre  onde me aprisionaram, cortaria as tranças que me ligam a essa irmã insuportável e viveria rica, linda e feliz para sempre. Não era pra ser naquela noite, mas Eulália estava ameaçando me revelar pra todo mundo, então antecipei o plano.
JUIZ MACHADO - O que aconteceu na noite do crime? Como você matou a menina Elizabeth?
ELVIRA - O que eu ganho se contar?
JUIZ MACHADO - Talvez tenha a chance de ter um final feliz.

A acusada o olha com ternura e naquele momento o juiz tem a certeza de que é Eulália quem o observa. Mas não demora para o olhar mudar e o juiz então sabe que Elvira resolveu falar. Conforme ela fala, é mostrada a cena da noite do assassinato.

ELVIRA - Eu sabia que os velhos não estariam em casa naquela noite, assim como sabia que Martim ficaria vacinando o gado até tarde da noite. Dei uma ordem para que os empregados tirassem folga, como vocês sabem, porque todos já disseram isso aqui no tribunal. Eulália estava no escritório lendo, então comecei a perturbá-la. Ela já estava irritada porque ultimamente eu não a deixava em paz, e não foi difícil fazer com que a cabeça da Cachinhos de Ouro, naquela noite entrasse em parafuso.Assim, intercalando entre ela e eu, começamos a brigar. Peguei o revólver de Martim que eu sabia onde ficava. Eulália não queria segurá-lo, mas ali eu me mantive firme. Do escritório não conseguiria chamar a atenção das meninas, mas da sala sim, então fui pra lá, onde começamos a brigar.

CENA 57: Volta-se para a cena 5, que só foi mostrada pelo ponto de vista de Elisabeth. Agora a cena é mostrada do ponto de vista esclarecedor.

EULÁLIA (nervosa) - Eu já falei pra você sumir! Não aguento mais! Eu não aguento mais! Deixa-me em paz... Esquece o que passou! Esses anos todos eu já sofri tanto com a culpa sobre as minhas costas...

Elisabeth vê a mãe discutindo sozinha. Uma hora age como Eulália, e em outra hora age como Elvira.

ELVIRA - E você acha que eu ia facilitar pra você, Cachinhos de ouro? Simplesmente assim? Sumir pra deixar você ter a vidinha boa, e besta que sempre teve? Já fiquei longe todo esse tempo, mas agora que voltei, eu também quero desfrutar do tesouro que você conseguiu. O príncipe pode ficar todinho pra você, mas o palácio e a riqueza que tem dentro dele, desses não abro mão.
EULÁLIA - Você não tem esse direito! Não pode simplesmente aparecer assim e transformar minha vida num inferno.
ELVIRA - Oh! Que peninha, Cachinhos de Ouro. Só me perdoe por eu não derramar nenhuma lágrima de emoção, é que tenho agora que cuidar de duas princesas trancadas na torre do castelo... duas princesas que valem muito... mortas!

Eulália começa uma briga corporal com ela mesma. Até que tropeça e um de seus sapatos sai do pé. Elisabeth  tropeça e cai, chamando a atenção pra sua presença ali. Elvira a percebe.

ELIZABETH - Mamãe, o que está acontecendo? A senhora enlouqueceu?
ELVIRA - Talvez, pequena Wendy. Mas não era pra você saber disso. Agora vou ter que te mandar pra uma terra distante... TIC, TAC, TIC TAC, TIC TAC...

Elvira pega de dentro da bolsa um revólver e mira em Elizabeth.

ELVIRA - ... Uma terra onde as crianças chatas e bisbilhoteiras são cuidadas por um capitão que não tem uma mão, sabia? TIC, TAC, TIC TAC... Você vai pra Terra do Nunca, pirralha, e de lá não vai voltar mais! E sabe o que é melhor? Você vai e eu fico rica! R I C A! TIC, TAC!

Na tentativa de salvar a filha, Eulália dá um grito como que pedindo pra Elvira parar e tenta dominar o corpo. Uma briga de Eulália com ela mesma acontece, onde ela mesma se unha, puxa os cabelos e se machuca. Eulália está numa briga com Elvira, no entanto Elizabeth vê apenas a mãe brigando com ela mesma. Nessa circunstância o primeiro tiro é dado pra fora da casa. Elvira volta a dominar a situação e atira certeiramente em Elizabeth, que permaneceu estática por estar em choque com o que viu. A menina cai morta no chão com um tiro no meio da testa. Eulália, ao perceber  o que houve, solta um grito de desespero e corre para socorrer a filha, deixando a arma cair no chão. Elvira assume o comando e corre para o setor de lixo da fazenda, onde tem um triturador de lixo. Ela joga o outro sapato que restou no pé ali, volta, procura a bala do primeiro tiro na grama do jardim e a encontra. Engole a bala e permite então que Eulália retome o controle. Eulália chega praticamente junto com Martim, que se abala ao ver a filha morta no chão. Ao ver o marido, Eulália chora sem parar repetindo as palavras:

EULÁLIA (abalada) - O que foi que eu fiz?  Que foi que eu fiz?
VOLTA PARA TRIBUNAL.
ELVIRA - Claro que a sonsa da minha irmã preferiu assumir a culpa a contar essa história absurda sobre outra personalidade dentro da sua cabecinha. E eu já sabia que ela faria isso, até porque, sendo presa, seria uma maneira de me prender também, mas como já falei, tenho minhas artimanhas, e já tinha deixado tudo programado pra que Eulália fosse liberta e eu finalmente reinasse absoluta e poderosa. Ou vocês nunca estranham a obsessão dessa Branca de neve do sertão em ser condenada?
DR. HENRIQUE - Nós já sabemos o que aconteceu após a chegada de Martim na casa, pois ele já nos contou, no dia que prestou depoimento aqui e os sinais, podemos ver ainda em você.

Conforme Dr. Henrique fala, são mostradas as cenas acontecerem de acordo com sua narração.

DR. HENRIQUE - Ele tentou conversar com você... com Eulália para saber o que tinha acontecido, mas como ela estava fora de si, chamou logo Terry, que não demorou a chegar na fazenda e tratar da investigação. Logo o senhor Joaquim e a senhora Sueli também chegaram, avisados pelo filho do que aconteceu. Você... Eulália, pegou o carro e saiu em disparada, jogando-o numa ribanceira, e machucando-se, conforme podemos ver. Todos acharam que foi uma atitude na tentativa de se matar, após matar a filha, hoje sabemos quem ela estava tentando eliminar...

CENA 58: Martim tenta conversar com a esposa que está desorientada. Ele liga pra Terry que logo chega à fazenda. Nesse tempo ele fala com Diana pra ela não sair do quarto. Procura pelos empregados e não acha ninguém. Liga para os pais que logo chegam. Terry faz suas investigações quando todos escutam Eulália sair em disparada com o carro. Martim a segue.

EULÁLIA - Chega. Você não vai mais fazer mal a ninguém. Se o único jeito de te parar é abrir mão da minha vida, então vamos as duas para o inferno.

Logo depois Martim vê Eulália jogar o carro de um penhasco na estrada.

Volta para tribunal.

ELVIRA - Ela sobreviveu, e adivinhem? Eu também. E claro que iria continuar com meu plano. Saindo do hospital Cachinhos de ouro foi direto pra delegacia, o caso já tinha se repercutido, o julgamento se iniciou em tempo recorde, enfim... É aí que você, Gato de Botas entra na história. Esperto, meticuloso, enganou o Gigante, no caso eu, e ganhou a parada. Você me passou a perna, Dr. Bonitão. Devo admitir que passou. Você e o seu bando de anões asquerosos venceram a madrasta má. Só resta saber se o veneno da minha maçã vai sair do corpo dessa princesa. Eu não apostaria nisso.
JUIZ MACHADO - Do que a senhora está falando? Poderia ser mais clara?
ELVIRA - Eulália está fadada a viver comigo pro resto da vida dentro de sua cabeça. E não há beijo no mundo, seja de príncipe ou sapo, que dê jeito nisso.
JUIZ MACHADO - Pra mim já é o suficiente. Eu acredito que todos aqui já vimos o bastante para chegarmos a uma conclusão. Gostaria de saber se os senhores do Júri tem alguma pergunta a fazer.

Um dos membros do júri, senhor de cabelos prateados, pele boa apesar dos sessenta e poucos anos, óculos de grau de grife e cachecol no pescoço se levanta.

AGUINALDO - Oxente, my God! O júri gostaria apenas de se reunir, senhor juiz, pois também acreditamos ser o suficiente o que foi visto e dito aqui hoje. Well!
ELVIRA - Vai lá, bando de porquinhos medrosos. E depois se escondam bem, senão eu vou aparecer na porta da casa de cada um de vocês e soprar, soprar e soprar até ir tudo pelos ares.

Juiz Machado suspende a sessão para que o júri se reúna. Margot, Dr. Henrique, Terry e Vivian acreditam que conseguiram convencer a todos. De longe, Dr. Henrique agradece ao promotor e ao juiz. Até que entra um policial chamando por Terry.

POLICIAL - Senhor delegado, desculpe interromper, mas o marido da acusada e a filha deles estão ali fora insistindo em entrar. Ele disse que tem uma informação importante, que pode salvar a mulher e que se não permitirem sua entrada, ele irá invadir o tribunal.

CORTA PARA:

Cena 59. Interior. Fórum de Água Negra. Sala Particular. Dia

Terry e Vivian conversam com Martim tendo contado a ele tudo o que aconteceu. Ele está atônito, no entanto, se recorda de alguns fatos.

MARTIM - Mas isso então explica muita coisa. O fato dela nunca querer falar no passado, na família. O jeito estranho que tava agindo nos últimos tempos. Eu te disse que havia achado estranho ela dar folga pros empregados no dia do assassinato. Pra alguns ela praticamente obrigou a tirarem a folga. Muitos percebam a mudança dela em alguns momentos. E na noite do crime, quando ela jogou o carro no penhasco, ela não tava tentando se matar, mas sim, tentando matar a irmã que existia na cabeça dela.

Vê-se seqüência de cenas que já foi passada, onde Eulália e Elvira estão juntas, e onde o telespectador viu uma contracenando com a outra.

As cenas serão as mesmas apresentadas anteriormente, no entanto, veremos a realidade do que aconteceu, pois Elvira NUNCA esteve PRESENTE em nenhuma delas, era apenas Eulália que a via. 

CENA 2: Eulália está no carro sozinha. Ela conversa consigo, hora como Eulália e hora como Elvira.

CENA 23: Incêndio da casa de Margot. Eulália observa sozinha a casa pegar fogo e também conversa com ela mesma, hora como Eulália e hora como Elvira.

CENA 29: Cooper na praia. A mesma coisa acontece, não há presença de Elvira. Eulália age hora como ela e hora como a irmã.

CENA 30: No quarto com Martim. Na verdade o celular não toca (por isso Martim não expressa reação quando Eulália atende). E quando ela olha pela janela, não há ninguém do lado de fora.

CENA 35: Bar de Devaneiro. A garçonete estranha Eulália pedir água com açúcar e logo em seguida, com outro tom, pedir cerveja. E estranha uma mulher que conversa sozinha na mesa do bar estando sóbria.

Cena 52: Fuga pelo mato. Eulália está sozinha, agindo mais uma vez hora como ela e hora como Elvira.

Entende-se então que somente nos momentos em que dominava o corpo é que Elvira existia.  Portanto, nos momentos em que Eulália estava no comando, Elvira era apenas um personagem que somente Eulália via.

CAM revela Diana escutando toda a conversa atrás da porta.

CORTA PARA

Cena 59. Interior. Sanatório de Devaneiro. Sala de Espera. Dia

Martim está ali com a mãe e a filha. Num canto, ele conversa com a mãe, enquanto Diana observa alguns quadros na parede. Diana está agora mais moça.

SUELI - Tem certeza de que ela está pronta pra receber a filha?
MARTIM - Os médicos disseram que sim, que já é a hora. Já faz três anos, mãe. E Eulália também se sente pronta.
SUELI - Não sei se, ser sentenciada a viver num sanatório foi tão melhor do que viver na cadeia. Lá pelo menos, com um bom comportamento, ela poderia sair logo.
MARTIM - Do que adiantaria sair se continuasse com o problema na cabeça mãe? Aqui ela vai passar um tempo maior, mas com a chance de sair curada, e é nisso que a gente tem que se apegar. Valeu muito conseguirem provar que ela tava doente mesmo. O júri foi unânime em sua escolha. Quiseram dar uma nova chance a Eulália, desde que ela se submetesse a se tratar, para não machucar mais ninguém.
SUELI - É, eu sei filho, mas me dói ver ela nessa situação. E ver você esperando a cada dia pelo dia em que ela sairá daqui.
MARTIM - Eu a amo, mãe, e vou esperar por ela o tempo que for.
SUELI - Eu te entendo, meu bem. Seu pai não gosta nada da idéia, não acreditou em nada disso, mas você sabe como é. Nem mesmo Margot conseguiu convencê-lo
MARTIM - Papai é cabeça dura.
SUELI – É, vamos acreditar então que aconteceu o melhor. O que tinha que acontecer, afinal...

Conforme Sueli fala, são mostradas cenas correspondentes a sua fala.

SUELI - Terry ganhou afinal o reconhecimento que sempre quis, e teve seus 15 minutos de fama.

CENA 61: Terry é capa de jornais e revistas como o policial que acreditou numa culpada e provou sua inocência, e dá entrevista no Fantástico.

SUELI - Vivian, Juiz Machado e o promotor também tiveram seus nomes reconhecidos pelo inusitado esquema que levou a solução do caso. Vivian inclusive foi convidada pela universidade de Harvard a fazer um pós doutorado... Óbvio que aceitou.

CENA 62: Juiz Machado e Dr. Mauricio também dão entrevistas e Vivian embarca para os EUA, onde começa uma grande carreira como psicóloga de destaque.

SUELI - Doutor Henrique também foi convidado por um importante escritório de advocacia de São Paulo e pra lá se mudou. Casou-se e sua esposa está grávida de gêmeos.

CENA 63: Henrique numa sala chique de escritório, ao telefone com a esposa que passa  mão no barrigão que carrega dois bebês.

SUELI - E Margot mudou-se para Água Negra, onde vive até hoje a espera da neta que tanto ama.

CENA 64: Margot tricota numa cadeira de balanço, em frente a uma pequena e simples casa.
Volta para cena 60, no sanatório.

MARTIM - E nós continuamos aqui, com essa saudade sem fim da Betinha, mas com nossa Didi pra nos lembrar a cada minuto de sua irmã querida.

Os dois olham para Diana que ainda observa os quadros na parede. Eles estão a certa distância e vêem quando uma enfermeira chega para conversar com a menina.

ENFERMEIRA - Você já pode ver sua mãe, querida. (Pausa) Gosta dos quadros? Quer ser artista, pintora?

Diana encara a enfermeira.

DIANA - Não. Quero ser policial.

Ela sai e vai em direção ao pai e a avó, segura nas mãos deles e todos se dirigem para o quarto de Eulália.

Diana olha pra trás e sorri para a enfermeira, apenas com um canto da boca, exatamente como a irmã Elizabeth fazia.

CAM CONGELA.

CORTA PARA:


FIM

confira o capítulo 4 aqui.

4 comentários:

  1. Nossa, capítulo final espetacular! Surpreendente, coerente e emocionante. Excelente essa questão da dupla personalidade, Elvira um personagem espetacular, uma vilã com V. E a última cena, indicando que Diana terá o mesmo problema que a mãe, foi genial. Está de parabéns André, Lado Oposto é uma excelente história, foi muito bom acompanhá-la. Volte com mais histórias.

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  2. Valeu Rafael!

    Eu que agradeço a você e a todos que acompanharam e me prestigiaram nesse primeiro trabalho.
    Fico feliz que tenha gostado.
    Com certeza outras histórias virão.

    Um grande abraço

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  3. Droga, errei o final! Havia apostado que a Eulália tinha matado com tanta coisa na "defensiva" e errei. Quer dizer, acertei! Ou melhor... sei lá! Mas vamos combinar: tu arrasaste na solução do problema, André. Parabéns!

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  4. Super desfecho, pois, com destreza, o autor nos levou a acreditar ora numa hipótese, ora em noutra, principalmente com a dualidade de sentimentos da protagonista, Eulália, mas nunca nos fez aventar uma terceira versão....Falo isso quanto a leitor, "expectador", que acompanhou a trama ansiando ser surpreendido, e isso aconteceu! Parabéns, André!!!

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