RAIO LASER
NOVELA DE DAVI VALLERIO E ALEX SPINOLA
ESCRITA POR ALEX SPINOLA
CAPÍTULO
03
CENA 01. FACHADA DA PREFEITURA.
ESCADARIA. EXT. DIA NEGRO
Continuação imediata da última cena
do capítulo anterior. O
dia continua negro.
Lauro a encarar Eva, pronto para explodir toda a verdade. Ela, compenetrada no
olhar ameaçador dele, não percebe que Sidney acordou de seu desmaio.
CORTA
PARA:
CENA 02. RUA DA PREFEITURA.
EXTERIOR. DIA NEGRO
Sebastião
por ali, acompanhando o desenrolar dos acontecimentos, assim como a corja de
curiosos, que já conta com um número bem menor de integrantes. João do Facão,
tendo nas mãos o objeto que lhe serve de alcunha, não hesita: avança feito um
celerado na direção de Lauro. Lídia, desesperada, tenta escapulir da
caminhonete preta.
JOÃO DO FACÃO: Eu te mato, seu maldito! E o
desgraçado do seu pai também!
CORTA
PARA:
CENA 03. FACHADA DA PREFEITURA.
ESCADARIA. EXT. DIA NEGRO
João
do Facão avança pela escadaria, vai degolar Lauro. Sidney se atraca com o facínora.
Eva em estado de choque, não consegue reagir. Lauro vai à defesa do amigo.
CORTA
PARA:
CENA 04. RUA DA PREFEITURA.
EXTERIOR. NOITE
Embate
físico de Sidney e João do Facão. A corja de curiosos se afasta. Sebastião vai
intervir, mas hesita. Lauro vai interferir. Não há tempo. João empunha alto seu
facão. Sidney se agarra nele. A tormenta se acirra. Descargas elétricas
fortíssimas. Na caminhonete preta, Lídia encontra um machado sob uma lona. Não
pensa em mais nada: arrebenta a porta traseira do veículo e foge. Uma formação poderosa de raios precipita-se
do céu, e atinge, em cheio, o facão de João. Os corpos de Sidney e João são
arremessados para longe, completamente carbonizados. Uma pesada massa de água
começa a cair e, aliada à forte ventania, torna o dia mais negro do que já
estava, a ponto de ninguém mais conseguir enxergar um palmo diante o nariz.
GRITOS e VOZES são abafados pelo som da tormenta.
CORTA
PARA:
CENA 05. CIDADE DE TORRENTES.
EXTERIOR. DIA NEGRO. NOITE
Um
dilúvio de proporções bíblicas desaba sobre a cidade. Assim como o dia negro, a
tormenta se encontra com a noite, perdurando até a madrugada.
CORTA
BRUSCO PARA:
CENA 06. FAZENDA DOS JUAREZ. CASA.
VARANDA. EXT. AMANHECER
No
horizonte, o sol avermelhado desponta, iluminando a paisagem encharcada. Lídia,
que acabou de desabar num dos bancos da varanda, chora. Sequer teve forças para
tirar o vestido do dia anterior. Suas lágrimas rolam como gotejar residual da
chuva, que despenca do telhado da varanda. Amanda se aproxima da amiga, carinhosa.
AMANDA: Vem, amiga, trocar de roupa. Seu
Sebastião e Dona Eva já foram pra cidade, pra cuidar do enterro.
CORTA
PARA:
CENA 07. CEMITÉRIO DA CIDADE.
EXTERIOR. DIA
Tristeza.
População da cidade comparece em peso. Lídia amparada por Amanda. Padre Manoel
diz algumas palavras. Eva, desesperada e tomada pela culpa, se atira sobre o
caixão de Sidney, à medida que os COVEIROS e Beto o baixam na sepultura. Neco e
Sebastião por ali, observam a comoção dos moradores. Astuto, Sebastião comenta
com Neco:
SEBASTIÃO: Meu filho morreu como um mártir!
Um mártir!
Neco
concorda. Um sorriso tímido brota de seus lábios, pois entendeu o oportunismo
das palavras de Sebastião. Tempo na dor de todos. Beto faz sinal para Amanda,
que se afasta. Discretamente, ele entrega um pequeno pedaço de papel a ela.
Neco percebe.
BETO: Pra Lídia, é do Lauro. Não entrega
agora.
AMANDA: (curiosa) E cadê o Laurinho?
BETO: Ele tá escondido. Coitado do meu
amigo, nem pode ir ao enterro do pai, senão acabam com a raça dele.
CORTA
PARA:
CENA 08. PREFEITURA. SALÃO.
INTERIOR. DIA
Velório
de Orlando Vianna. Dona Sofia chega toda
esbaforida. Olha a meia dúzia de gatos pingados ao redor do caixão, a grande
maioria composta por funcionários públicos, morador da cidade mesmo, só um ou
outro. Ela se aproxima de uma MULHER SOFRIDA, que está atracada com um pratinho
repleto de salgados.
SOFIA: Tô chegando agora da igreja. Tava
preparando tudo pra missa urgente que o Padre Manoel vai fazer. Menina, mas
isso aqui tá de dar dó! Só isso de gente?
MULHER SOFRIDA: Ora, tá todo mundo lá no enterro
do Sidney, coitado! Eu tô aqui só por causa da comida. Olha (aponta) minhas
crianças tão tirando a barriga da miséria!
Sofia
vê um bando de CRIANÇAS maltrapilhas se acotovelando diante uma mesa repleta de
quitutes. Ela faz uma cara de engulho para a mulher sofrida e sai.
CORTA
PARA:
CENA 09. PREFEITURA. BANHEIRO.
INTERIOR. DIA
Sofia
entra e tranca a porta. Abre a torneira da pia e molha o rosto. Tira da bolsa
um lenço bem dobrado, ele guarda algo. Sofia mira-se no espelho, ergue uma das
mãos, que trás na ponta dos dedos, como quem segura com nojo, uma das
reluzentes e barulhentas pulseiras de Eva.
SOFIA: (para o espelho) Você tá nas minhas
mãos, Eva Juarez!
CORTA
PARA:
CENA 09. FAZENDA DOS JUAREZ. CASA.
SALA. INTERIOR. TARDE
Amanda
serve café para Sebastião e Neco. Oferece para Eva, que recusa, está
mortificada.
NECO: (para Sebastião) Maldito Lauro
Vianna!
SEBASTIÃO:
É, meu Sidney se tornou um mártir!
EVA: (pensa) “Seu desgraçado! Você
deixou meu Sidney morrer! Você podia ter impedido, mas não impediu!”.
NECO: Sei que não é hora pra tocar no
assunto, mas sua candidatura a prefeito é coisa certa. O povo tá só falando
nisso!
SEBASTIÃO: (sonso) Não tenho nem cabeça pra
isso, Neco.
NECO: Eu sei, mas o senhor pode contar
comigo. Ando meio mal das pernas, mas meu sobrenome ainda vale muito por essas
bandas. Brandão ainda é tradição nessa cidade.
Sebastião
assente com a cabeça. Neco continua com sua prosa cheia de segundas intenções.
NECO: O senhor e a dona Eva também sabem
que eu sempre guardei um sentimento pela Lídia, e a menina não pode ficar mal
falada, não é?
Amanda,
de antena ligada, fingi que não ouviu nada e vai saindo de fininho. Eva percebe
e chama por ela.
EVA: Vamos pra cozinha. Vou te ensinar
a fazer uma canja que preste. A Lídia tá muito abatida.
CORTA
PARA:
CENA 10. CASA DOS JUAREZ. QUARTO DE
LÍDIA. INT. TARDE
Amanda,
um tantinho estranha, serve a canja para Lídia.
AMANDA: Você ouviu o que eles conversaram
lá na sala?
LÍDIA: Ouvi. Querem me casar com o
nojento do Neco Brandão. Já esperava isso do Sebastião. Eu cresci no meio
dessas cobras. Minha mãe é outra.
AMANDA: (murmura) E como é.
LÍDIA: Mas eles não perdem por esperar!
Meu Deus, e o Lauro? Ninguém me deixa sair daqui! Você ouviu alguma coisa?
EVA: (do lado de fora) Amanda!
Amanda
retira o bilhete do decote do vestido, joga no colo de Lídia e sai correndo.
CORTA
PARA:
CENA 10. CIDADE DE TORRENTES.
EXTERIOR. ANOITECER. NOITE
Passagem de tempo tocando "SAPATO VELHO" de
Roupa Nova. Durante o anoitecer, ouve-se o som do sino da Igreja da
Salvação. Os fiéis rumam para a missa do Padre Manoel. Sofia Emerenciana está
entre eles, disfarça certa ansiedade. Cai a noite. Alguns moradores a espiar o
buraco feito pelo raio na rua defronte ao prédio da prefeitura. Aos poucos eles
debandam. As ruas da cidade ficam vazias com o passar das horas. A madrugada
chega.
CORTA
PARA:
CENA 11. CEMITÉRIO. MADRUGADA
Um
cavalo parado entre os túmulos. Lauro chora compulsivamente diante a sepultura
de seu pai. Beto está por ali, dando apoio moral ao amigo. Não há o que dizer.
CORTA
PARA:
CENA 12. CASA DOS JUAREZ. QUARTO DE
LÍDIA. INT. MADRUGADA
Lídia
abre a janela, com cuidado, e pula.
CORTA
PARA:
CENA 13. CASA DOS JUAREZ. VARANDA.
EXTERIOR. MADRUGADA
Lídia
sai. Desaparece na escuridão.
CENA 14. CASA DOS JUAREZ. QUARTO DE
AMANDA. INT. MADRUGADA
Amanda
chora. Eva, armada com seu revólver, olha pela janela.
EVA: O Neco me passou o serviço, e se
você não tivesse me deixado ler aquele maldito bilhete, você sabe não estaria
viva agora, não sabe?
AMANDA: Sei sim, senhora.
EVA: E você só continua trabalhando
nessa casa, porque eu tenho dó de gente que foi enjeitada pela mãe! Eu te dei
um teto, nunca me obrigue a ter que cavar a sua cova. E nem pense em contar
nada pra ninguém.
AMANDA: O que senhora vai fazer com o
Laurinho?
EVA: (debochada) Eu? Nada! Quem vai
fazer vai ser você!
CORTA
PARA:
CENA 15. CEMITÉRIO. INTERIOR.
MADRUGADA
Lauro
ainda diante a sepultura do pai. Beto consulta seu relógio de pulso.
BETO: Tô indo, Lauro! Vou buscar a Lídia
no lugar combinado.
Eles
se abraçam. Beto monta em seu cavalo e sai em disparada.
CORTA
PARA:
CENA 16. MATAGAL. TRILHA. EXTERIOR.
MADRUGADA
Lídia
chega arfante no lugar combinado. Ela está apreensiva, mas confiante.
CORTA
PARA:
CENA 17. FAZENDA DOS JUAREZ. PASTO.
EXT. MADRUGADA
Eva
pisa firme no mato encharcado, com suas botas de fazendeira. Amanda vem
patinando na lama. Elas se aproximam da caminhonete preta de Sebastião.
EVA: Anda logo, sua lesma! Não sei até
quando aquele porco do Sebastião vai dormir com o suco batizado que você levou
pra ele! A Lídia já deve estar na tal trilha do bilhete! Nós vamos pela estrada
fora da fazenda! Corre!
Elas
entram na caminhonete. Eva dá partida e sai a toda velocidade.
CORTA
PARA:
CENA 18. MATAGAL. TRILHA. EXTERIOR.
MADRUGADA
A
cavalo, Beto segue pela trilha, dando sinais breves com uma lanterna de mão.
CORTA
PARA:
CENA 19. CEMITÉRIO. INTERIOR.
MADRUGADA
Amanda
aproxima-se. Com a escuridão, Lauro a confunde com Lídia. Ele sorri, mas essa
alegria se desfaz quando ele entende o engano.
LAURO: Amanda? O que você tá fazendo
aqui? Pensei que fosse a Lídia!
AMANDA: (arfante, nervosa) Ela não vem
Lauro!
LAURO: O quê?!
AMANDA: Ela rasgou o bilhete, disse que
você acabou com a vida dela, com a vida do Sidney, ela não quer te ver nunca
mais!
LAURO: (desesperado) Não! Isso não é
verdade!
AMANDA: É sim! Nem era pra eu ter vindo te
avisar, ela me proibiu! Só vim porque escutei uma conversa dos peões lá da
fazenda, dizendo que iam te caçar, que iam acabar com a sua raça, porque você
não presta! A cidade inteira tá contra você!
LAURO: Não, eu não acredito! Eu vou lá na
fazenda! Ela vai ter que dizer tudo isso na minha cara!
AMANDA: Não! Tá tudo cercado! Foge, Lauro!
Eu sei que você tá com os seus documentos, que o Beto te emprestou dinheiro!
Foge, pelo amor de Deus!
LAURO: Não!!!
AMANDA: Vai!!! Corre, nem olha pra trás,
nem conta nada pra ninguém, senão eles me matam se ficarem sabendo que eu te
contei! Que eu te protegi!
Tempo.
Ele hesita. Lágrimas rolando.
AMANDA: (desesperada) Vai, Lauro!!!
Lauro
foge. Corre. Amanda cai de joelhos, crise histérica, sente-se mal, vomita.
CORTA
PARA:
CENA 20. AVENIDA DESERTA DA CIDADE.
EXTERIOR. MADRUGADA
Lauro
em fuga alucinada aproxima-se do trevo de saída da cidade.
CORTA
BRUSCO PARA:
CENA 21. TREVO DE SAÍDA DE
TORRENTES. EXT. MADRUGADA
Nome
da cidade num LETREIRO de alvenaria. Lauro se aproxima da rodovia que corta
Torrentes. Vai atravessar. Uma caminhonete preta avança, freia brusco e o
atinge.
CORTA
PARA:
CENA 22. CASA DOS JUAREZ. QUARTO DE
LÍDIA. INT. MANHÃ
Lídia
inconsolável. Amanda por perto.
LÍDIA: E eu lá, naquele cemitério,
esperando feito uma idiota! O Beto viu, ele me enganou, me iludiu com aquele
bilhete! Pra quê, Amanda?
AMANDA: (destruída, culpada) Não sei
amiga. Vai ver aconteceu alguma coisa...
LÍDIA: Aconteceu o quê?! Ninguém sabe
dele na cidade, nem o Beto!
AMANDA: Eu não sei, amiga, eu não sei.
LÍDIA: (secando as lágrimas) Mas eu não
vou ficar parada aqui, esperando que me empurrem pro bronco do Neco! Homem
nenhum mais vai se enfiar na minha vida! Ninguém vai querer se casar com uma
louca!
AMANDA: Hein?
CORTA
PARA:
CENA 23. FAZENDA DOS JUAREZ. PASTO.
EXT. MANHÃ
Amanda
e Lídia colhendo cogumelos fresquinhos.
AMANDA: Lídia, o que você vai fazer com
esses trecos?
LÍDIA: Ficar louca pra sempre!
AMANDA:
Mas pega bem o da bosta da vaca?
LÍDIA: São esses que deixam a gente
doidona, você vai ver. Falando em doidona, cadê Dona Eva?
AMANDA: Foi com o Bastião pra uma tal
de... (procura a palavra, não lembra) ah, sei lá, alguma coisa de política, mas
os capangas da fazenda tão todos aí, de butuca!
LÍDIA: Nem eles vão conseguir me segurar!
CORTA
PARA:
CENA 24. FACHADA DA SEDE DO PARTIDO
POLÍTICO. EXT. DIA
Sebastião
e Neco recebendo felicitações dos correligionários. Eva afastada, Sofia à sua
frente, balançando as pulseiras reluzentes e barulhentas.
SOFIA: São suas sim! Eu sei que são! Eu
vi você passando em cima daquele cavalo, possuída pelo demônio, uma noite antes
de acontecer tudo aquilo com o Lauro! Sei da sua fama, só juntei os pontos! A
campanha do seu marido começou de vento em poupa, veio até deputado. Você vai
deixar tudo isso escorrer pelo ralo? Claro que não!
Sofia
monta em sua mobilete e sai. Eva ali, a morder os lábios e rogar pragas na
velha chantagista.
CORTA
PARA:
CENA 25. CIDADE DE TORRENTES.
EXTERIOR. DIA. NOITE
Passagem de tempo. Dias e noites a marcar a rotina da
cidade.
CORTA
PARA:
CENA 26. QUARTO EM LOCAL IGNORADO.
INTERIOR. DIA
Lauro
estirado sobre uma cama. Começa a despertar de um sono profundo. Ele olha ao
redor. Visão turva. Ele vê ALGUÉM sentado numa poltrona diante à cama. Lauro esfrega
os olhos, seu ponto de vista nos mostra os pés dessa pessoa, calçados por botas
estilo cowboy, cano alto com salto carrapeta. Num pulo, Lauro põe-se sentado na
cama, com uma expressão de puro pavor.
CORTA
PARA:
FIM DO CAPÍTULO 03
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Oh God, quem será que está com Lauro???? E a Lidia, tadinha, quanto sofrimento!
ResponderExcluirMais um dia de muita curiosidade, esperando ansiosamente pelo capítulo de amanhã! <3
Grandes surpresas para o nosso casal de pombinhos, Luciana!
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