quarta-feira, 5 de outubro de 2011

De Cigana à Pombagira - Merimée por Glória Perez

Por Brunno Duprat

Depois de iniciar com Aguinaldo Silva e concluir sozinha a novela 'Partido Alto' (1984), Gloria Perez apresenta no ano seguinte uma sinopse considerada altamente ousada e futurista, que simplesmente inexistia naquela época tal realidade. Anos mais tarde essa mesma sinopse tornaria-se um dos grandes sucessos da TV Globo e da própria autora sob o título de 'Barriga de Aluguel'. Com a rejeição sofrida e sem nenhum outro projeto à vista, Gloria aceita o convite de Jose Wilker, então diretor da Rede Manchete para trocar de emissora a fim de realizar  um projeto audacioso. Nascia assim a novela 'Carmem'.
O conto de Merimée, que  narra a saga de uma bela cigana infiel morta por seu amante, foi transformado por Gloria para melhor adaptação à novela. A cigana étnica do escritor francês se traduziu em Pombagira Cigana (figura recorrente no candomblé), no texto da novelista brasileira. Foi o ponto de partida, o fio condutor deste sedutor folhetim repleto de cenas impactantes e com enredo inédito até então...


Coube  a atriz Lucélia Santos viver o papel título: uma mulher comum, moradora do subúrbio carioca que faz um pacto de sangue com Pombagira entregando a sua alma afim de destruir a vida de Ciro (Paulo Betti)Com o pacto, Carmem conquista o poder de seduzir a todos os homens, mas sob a maldição de nunca poder se envolver verdadeiramente com nenhum deles. 


Seu arrependimento vem ao conhecer Camilo (Jose Wilker), um cara íntegro por quem se apaixona de forma avassaladora. Começa assim, o seu grande dilema. Carmem tenta, mas não consegue viver em paz com seu amado, uma vez que de acordo com o pacto,  qualquer homem ficaria louco por ela mesmo contra vontade dele e contra a própria vontade dela. Na ânsia de viver este amor, Carmem vai ao terreiro, procura Pombagira, querendo desfazer o pacto, mas não consegue. Por fim, depois de tantos desencontros e feitiços Carmem é morta a facadas por José (Paulo Gorgulho), deixando sua família em desespero.


Grande desempenho de Lucélia Santos, que fora motivo de insegurança da produção por não ter a exuberância que a personagem pedia. Mas com todo seu talento fez valer a escolha e teve um grande êxito.


Quem também brilhou em cena e roubou os holofotes foi a maravilhosa Neusa Borges, intérprete da entidade Pombagira. Neusa fez um trabalho de composição impecável, fazendo com que os telespectadores realmente acreditassem que ela estava possuída. Era um domínio perfeito de trejeitos e olhares. Tom de voz acentuado, envolventemente assustador! Tendo em mãos algo tão complexo, Neusa fez uma apresentação sensacional, encontrando o tom exato e com a maestria da grande atriz que verdadeiramente é. Uma entrega total à personagem!


Embora causasse estranheza, as fortes cenas de rituais no terreiro de candomblé foram aderidas pelo público sem maiores problemas. Dentre as mais marcantes estão as do fatídico pacto de sangue:












Já em sua primeira novela solo, Gloria apresenta ao público duas de suas mais marcantes características: temas polêmicos e merchandising social. Foi pioneiro para época (1987) se falar em AIDS e homossexualidade com realismo e naturalidade, sendo que o mesmo não acontecia num folhetim e muito menos na sociedade em si.


Fugindo do preconceito do senso comum Gloria fez de uma 'senhora digna' (dentro da moral e dos bons costumes), boa mãe, excelente dona de casa e querida pelos vizinhos, a portadora do vírus HIV. Rosimar (Thereza Amayo) contraíra o vírus através de uma transfusão de sangue e ao se descobrir soropositiva viu seus amigos se afastarem, evitarem contatos físicos e até mesmo pararem de falar com ela por medo de contágio. Tudo motivado pela ausência de esclarecimentos.  Embora fosse novela, era algo bem comum na época, onde a falta de informação era predominante e o preconceito muito forte. Nos anos 1980 a AIDS era vista como uma doença exclusiva de homossexuais e/ou pessoas promíscuas. Também foi uma maneira de homenagear o sociólogo Betinho, que participara da novela como ele mesmo.


Para falar da homossexualidade, foi escolhido um personagem casado e íntegro, o Sr. Junot (Maurice Vaneau). A abordagem foi bastante sutil, ganhando a simpatia da comunidade gay, pois fugia das afetações e das colocações pejorativas muito presentes no momento.


O público sabia que existia um segredo na vida do personagem, mas ninguém imaginou se tratar de algo parecido. Devido a forma como foi conduzida a temática, não houve a rejeição por parte dos expectadores e assim fluiu com naturalidade um tema tão mascarado em nossa Tv. Pena que, mesmo se passado tantos anos, a homossexualidade ainda seja tabu tanto numa novela quanto na louca vida real.


Outro fato curioso é participação de Beatriz Segall, dando vida a mãe da protagonista. Sua personagem, a Dona Alzira, era uma senhora simpática, pobre e amiga. Uma suburbana muito bacana e de bem com a vida. Extremamente solidária com o próximo e sem nenhuma ambição. Completamente oposta às personagens anteriores, sempre ricas, classudas e frias. E altamente antagônica à sua próxima personagem, a 
I N E S Q U E C Í V E L Odete Almeida Roitman.


Nessa novela Beatriz pôde fugir do esterótipo que a consagrara na TV, mas que tanto a perseguia. Foi uma trabalho muito sensível, mostrando toda a capacidade de criação. Uma atriz competente que soube cativar como 'boazinha' da mesma maneira que nos faz odiar suas pérfidas e arrogantes peruas aristocráticas!!!


Carmem é considerada o maior sucesso da Rede Manchete pois foi a primeira novela da emissora a atingir níveis de audiência antes nunca conquistados. Sua repercussão chegou a incomodar a alta cúpula da rede Globo,  que logo depois trouxe Gloria Perez de volta ao seu casting. No seu elenco figuram grandes talentos da dramaturgia nacional, hoje esquecidos na memória do telespectador, como Bia Sion, Darlene Gloria, Guilherme Karan entre outros...


Abertura:



23 comentários:

  1. Não vi essa novela, mas deve ter sido ótima!
    Adorei a sinopse, super envolvente e curiosa.
    Parabéns Bruno, muito bom saber curiosidades da teledramaturgia que a gente desconhece!

    Abs

    Fábio
    www.ocabidefala.com

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  2. Maior sucesso da Manchete?Será?Acho mais sucesso "Pantanal".Até hoje todo mundo lembra.

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    1. Pantanal foi o maior sucesso de audiência, mas o que ele quis dizer que a novela provou na época que a globo podia ser desbancada pela primeira vez.

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  3. Ótima análise, fiquei ainda mais curioso por essa intrigante sinopse de Carmem, de uma Glória Perez bem diferente do que conhecemos.
    Quanto a Carmem ser o maior sucesso da Manchete, mesmo à época, tenho minhas dúvidas: Dona Beija, em 1986, já era considerada um marco da teledramaturgia da emissora com uma audiência nunca vista anteriormente, sendo citada inclusive no exterior, onde Maitê Proença chegou a estampar capa de revistas. E Pantanal então, que fez a Globo mexer na sua programação noturna, até mesmo reativando o horário de novelas pós 20 horas com Araponga.

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  4. belíssimo post... gostaria de assistir inteiramente essa novela, perceber uma Glória bem diferente da atual, "acomodada" sobre mais do mesmo!

    apenas faço também a observação quanto a ser este o maior sucesso da manchete... como bem disse o Lip, entrariam aí Dona Beija e Pantanal!

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  5. Assisti a pouquíssimas cenas dessa novela. Era criança na época e o que assisti me foi mostrado por meu amigo Aladim, fã nº 0 de Lucélia. Mas o pouco que vi, pude constatar que foi uma novela ousadíssima e Lucélia em visceral atuação.

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  6. Dificilmente essa novela iria ao ar na Globo. Gloria conseguiu usar todo o seu despudor. É uma grande autora, que não tem vergonha de contar uma história, mesmo que ela tenha seus exageros.

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    1. As novelas da manchete tinham um q diferente das exibidas até hoje pela globo, ousadia não faltava, nenhuma delas estariam na globo, mesmo xica da silva, um grande sucesso.

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  7. AMEI! Perfeito! Gostei muito dessa trama!

    Beijos.

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  8. Parabéns pelo texto, Brunno, mas realmente ficou meio confusa (rs) a parte em que a novela é citada como o maior sucesso da Manchete, já que como lembrado antes outras novelas como Dona Beija e Pantanal, além de Kananga do Japão e Xica da Silva, também tiveram audiência bastante expressiva e são lembradas como sucessos, até mais que Carmem, que merece mesmo ser resgatada. Conheço a novela de seu compacto para o mercado internacional e é de fato bastante interessante, embora tenha talvez durado mais que o necessário, como tantas outras.

    No campo da interpretação merecem grande destaque as atrizes Juliana Carneiro da Cunha, Nélia Paula e Liana Duval, além de uma Júlia Lemmertz muito bonita e expressiva em cena como a apaixonada Micaela.

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  9. Agradeço a todos pelos comentários. Quanto a questão de ser o grande sucesso isso é muito pessoal e basicamente no 'achômetro', pois ninguém tem as bases do ibope na época.

    Quanto aos outros personagem, Micaela foi um trabalho legal de Julia Lemmertz, mas a minha proposta era focar no principal. E Micaela neste sentido foi secundaria e não foi nem de longe o ponto forte da trama!

    Beijos até a próxima!!!

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  10. Queria muito saber quanto deu o ibope dessa novela e se ela realmente incomodou a globo pois vejo opiniões diversas soobre esse fato. Pra mim, essa foi a novela mais ousada da Gloria Perez por ser uma trama muito diferente e que mexia com magia negra e o candoblé que ainda hoje sofre muito preconceito pela sociedade,essa novela ou poderia fazer um grande sucesso pela inovação ou então ter sido rejeitada pelos temas fortes e a Gloria Perez resolveu arriscar e ver como o publico iria responder. vejam como foram fortes as cenas do pacto, a Globo nunca passaria uma cena dessa, pois o folhetim ainda é visto com um produto pra familia brasileira assistir e que não pode ter cenas muito fortes.

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  11. Otimo Texto Adorei Mas tem UM ERRO as cenas era Gravadas No Terreiro De Umbanda Não de Candoblê

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  12. Era terreiro de candomblé e não de ubanda, em terreiro de ubanda não se sacrificam animais e a pombagira saccrificava galinhas na novela.

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    1. Em alguns terreiros de Umbanda sacrificam-se animais sim! eu já frequentei uma casa onde faziam isso e em dias alternados havia roda de Candomblé também. Ja conversei com entidades iguais á da novela, eles fazem o que voce pedir se a oferenda for Boa quer seja para o bem ou para o mal, mas quem paga é quem pede, que fique avisado!

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    2. Umbanda não sacrifica, se sacrifica não é umbanda, é candomblé misturado com umbanda.

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    3. Umbanda não sacrifica, se sacrifica não é umbanda, é candomblé misturado com umbanda.

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  13. acho q o sbt tem os direitos mais ate hj nao foi exibida nao sei pq. foi uma novela ousada e bem impactante destaco a abertura achei legal.merece ser reprisada para q esse novo publico venha a conhecer esta obra e saber q um dia houve novelas tao boas ou melhores q as da rede globo.com certeza daria audiencia como dona beija pantanal e xica da silva todas reprisadas pelo mesmo canal

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  14. Me lembro que quando o sbt resolveu reprisar pantanal, ele fizeram uma chamada com uma enquete nas ruas perguntando qual novela as pessoas gostariam de ver, algumas disseram pantanal, outras disseram dona beija, ana raio e ze trovao(todas ja reprisadas pelo canal), outras citaram novelas da globo e umas 3 falaram em carmem, o que é uma surpresa pois, cá pra nós, a novela nao é uma das mais lembradas das novelas da manchete, por isso acho que provavelmente essa novela esta no acervo do sbt.

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  15. Quem sabe para o horário das 23h, ela poderia ser reescrita. A temática é ousada, e quem sabe, poderia fazer sucesso...

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  16. Quem sabe para o horário das 23h, ela poderia ser reescrita. A temática é ousada, e quem sabe, poderia fazer sucesso...

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