Dia das Crianças. Pensei em alguém que pudesse escrever sobre uma fase mágica de todos nós, "oitentistas", o ápice das apresentadoras infantis. Quem melhor que o Dan Vícola [ele mantém um blog focado no universo infantil, o Alfarrábio do Meu Coração], para fazê-lo? Fã absoluto da Xuxa, sugeri que falasse do encantamento da apresentadora sobre as crianças, seus eternos baixinhos. Fiz o convite e ele topou. Mas foi além, fugiu dos clichês. Mais que uma simples homenagem, construiu uma análise. Fico muito contente, grato em postá-la. Confiram!
Falar sobre uma figura, uma personalidade do
gabarito de Xuxa não é, sob nenhum
aspecto, tarefa simples.
A princípio, precisei pensar muito sobre o foco que utilizaria para escrever este
texto. A visão do fã correria o risco de maximizar a musa, paixão antiga; a do
telespectador dos programas infantis dos anos 80 e 90 seria igualmente
tendenciosa, porque, para mim, Xuxa sempre foi a estrela maior da constelação
e, justamente por isso, imbatível e incomparável. Queria, honestamente, fugir
dos clichês... Não posso garantir, contudo, logo de cara, que lograrei sucesso
em meu intento, mas prometo que irei me empenhar em tornar essa pequena viagem
no Túnel do Tempo o mais
interessante e agradável possível para todos nós, leitores do blog do querido
Isaac.
Queria, para princípio de conversa, propor
uma reflexão muito simples: quantas pessoas vocês conhecem, com algum talento
excepcional, que não conseguiram construir uma carreira de sucesso e
reconhecimento? Pessoas de talento inquestionável, cuja arte encanta e fascina
pela maestria com que é executada?
Pois bem. Você certamente terá se lembrado de
alguns rostos, alguns artistas queridos, algumas pessoas que falam de bem perto
à sua sensibilidade e ao seu coração e que nem por isso conseguiram fixar sua
estrelinha na calçada da fama brasileira.
E isso, minha gente, é, no mínimo, intrigante!
Mas daí coloco a segunda reflexão, atrelada à primeira: Se quem tem um talento
notável encontra dificuldades homéricas em construir uma carreira sólida, de
sucesso – e, mais do que construir, mantê-la!
– imaginem quais seriam as chances, então, para alguém que, à primeira vista,
nada tinha além de sua bela figura e juventude a oferecer.
Em recente ensaio com Luíza Brunet, "revivendo" os anos 80. |
Claro que, no contexto atual, se pensarmos
nas supermodelos, veremos que as chances nem são tão poucas assim. Mas a
situação era bem outra nos anos 80 e, no início, foi esta mesma a carreira
almejada pela adolescente Maria da Graça: modelo fotográfica. Mas a carreira de
modelo é de curta duração e não conseguiria, como é o caso de Xuxa, sustentar
por três décadas um império, construir um mito, cristalizar um ícone.
Um rosto bonito? Sim, ela era uma das modelos
mais fotografadas dos anos 80, formando com a amiga, Luíza Brunet, a dupla de
queridinhas da década. Um corpo escultural? Necessidade para manter-se firme na
carreira almejada! Mas... O que mais?
Xuxa era, desde o primeiro momento, uma impossibilidade. Acho mesmo difícil
olhar para aquela jovem modelo e enxergar nela o fenômeno que se tornaria anos
mais tarde.
O que tinha a gaúcha de Santa Rosa “a mais”
que as outras moças bonitas de sua geração? Será que uma outra qualquer, de
mesmos atributos, não teria alcançado o mesmo sucesso daquela que viria a
sagrar-se “Rainha dos Baixinhos”?
Analisemos os fatos.
Xuxa, mesmo não sendo cantora (e ela, para
além da opinião pública, sempre fez questão de deixar isso claro), vendeu milhões de discos. Mesmo não sendo atriz
(e ela também sempre frisou esse fato), levou milhares de espectadores aos cinemas. Mesmo não sendo uma
comunicadora nata, conquistou o país, a América Latina, a América do Norte e
países da Europa com seus programas infantis.
Como explicar isso tudo? Eu só vejo uma razão:
carisma! Gostem ou não da pessoa
Xuxa, não há como negar que ela tem com a câmera uma relação de extrema
intimidade. Basta lembrar, por exemplo, das molecagens da Rainha dos Baixinhos
no comando do diário “Xou da Xuxa”, programa responsável não apenas pela instauração
de seu reinado, mas pela própria criação de todo um filão de programas infantis
que, a partir de então, se tornariam comuns em todas as redes abertas de
televisão do país. Depois de Xuxa, várias “genéricas” pipocaram nos demais
canais: houve Angélica, na Manchete; Mara Maravilha, Mariane e Eliana, no SBT e
isso só para ficarmos entre as mais conhecidas. Todas batendo na tecla da
“diferença” mas, no fundo, seguindo à risca os passos da pioneira: Xuxa ditava
a moda e elas pouco acrescentavam àquele padrão consagrado de programa infantil,
concebido e consagrado pela dupla dinâmica
Xuxa e Marlene Mattos.
Entre as apresentadoras Angélica e Mara Maravilha. |
Aproveitando a deixa, falemos sobre a
“mentora” do fenômeno Xuxa: Marlene chegou a ser intitulada, pela revista
Playboy, em entrevista, como “A dona da Xuxa”. E a designação, claro, fazia
todo o sentido, já que Marlene Mattos, no entendimento de muitos, é a grande
responsável por arquitetar o império “X”. Diretora competente, exigente,
perfeccionista, empreendedora, Marlene colocou a jovem Xuxa nos eixos e mostrou
a ela o quão necessários eram o aperfeiçoamento em cena e a disciplina.
Sendo dirigida pela Marlene Matos |
Eu
realmente acho difícil que Xuxa tivesse ido tão longe sem a figura castradora e
disciplinadora de Marlene para lhe guiar com segurança os passos. Aliás, essa é
uma mácula real na brilhante trajetória da apresentadora: o descaso e o
esquecimento da responsável pelo seu grande sucesso. Por mais que as relações,
em algum momento, tenham sido rompidas, acredito que, no mínimo, o respeito e a
gratidão à Marlene deveriam ser constantes e evidentes na vida e no discurso de
Xuxa.
Mas como cada um sabe onde lhe apertam os
calos, paro por aqui a minha crítica e sucumbo ao mistério: o desentendimento
entre as duas, acredito, permanecerá como mais um daqueles segredos de
bastidores sem explicação nem desfecho feliz.
A história de sucesso de Xuxa teve seu auge,
como sabemos, nos domínios do “Xou”, atração diária que ocupou as manhãs da
Globo de 1986 a 1992, chegando a inacreditáveis picos de audiência de 25
pontos, algo simplesmente impensável para os padrões dos dias de hoje, em que
atrações infantis raramente atingem os 9 pontos. Fato é que, encerrados os anos
90, pouco sobrou em termos de programação infantil nos canais abertos da
televisão brasileira e absolutamente nada do que houve no período pós-Xou pôde
ser comparado com o fenômeno Xuxa.
É curioso pensar que, hoje, 2012, uma atração
feita nos moldes do Xou da Xuxa, ainda que com elementos modernizados,
dificilmente atrairia a atenção do público infantil. A própria Rainha, nos anos
2000, retomou os programas diários sem conseguir restabelecer o sucesso dos anos
80. Xuxa, embora tenha tentado exaustivamente, não conseguiu encontrar uma fórmula
para cativar o novo público infanto-juvenil.
Se ela obteve algum êxito junto às
crianças atuais, foi com a premiada série de DVDs Só para Baixinhos mas, ainda
assim, com um trabalho voltado para uma faixa etária que vai dos 0 aos 5 anos
de idade. É como se o público infantil dos nossos dias tivesse decretado o fim
da era das apresentadoras loiras, infantilizadas, vestidas de forma peculiar,
rodeadas de assistentes de palco que reproduziam as características mais
marcantes e seres fantasiosos como ursos de pelúcia, mosquitos gigantes,
tartarugas, bananas e duendes.
Tudo isso nos leva a concluir que a
dobradinha Xuxa/Marlene Mattos resultou num sucesso estrondoso porque aconteceu
na época certa, para o público certo. Os anos 80, de fato,
foram espalhafatosos, multicoloridos, alienantes. Comportavam tudo aquilo que
os programas de Xuxa e suas genéricas traziam: disputas entre meninos e
meninas, cantoria e histeria desenfreadas, desenhos animados aos montes,
atrações musicais bem ao gosto do público, tudo regado a muita cafonalha, muito
exagero, mas também muita alegria e autenticidade.
E Xuxa era isso tudo: alguém sem medo de
“soltar a franga” e se divertir junto à garotada! Quem não se lembra das
ombreiras fartas, das roupas multicoloridas, dos shortinhos curtos, das botas
de cano alto e das famosas “xuquinhas”, tão copiadas e amadas pelas meninas?
Também é embasbacador comparar o desempenho
de Xuxa ao longo, por exemplo, do primeiro e do último ano do Xou – aconselho
que recorram ao YouTube para comprovar o que lhes digo. A apresentadora, em
1992, já tinha uma postura infinitamente melhorada, possuía um controle de cena
tremendo, sabia como dialogar com naturalidade e tranquilidade com a câmera,
diferente da postura hiperativa e meio perdida dos primeiros tempos.
O Xou fez história porque Marlene soube,
inclusive, tirar proveito da espontaneidade e do carisma de sua estrela à
exaustão. Foram várias as vezes em que, valendo-se de episódios da vida pessoal
de Xuxa, Marlene ofereceu ao público momentos memoráveis: o encontro com Senna,
num especial de Natal; com Pelé, no programa número mil; a criação da Fundação
Xuxa Meneghel e o polêmico reencontro da Rainha com o pai, na última edição do
programa.
Nós, o público, delirávamos a cada novo
evento e alimentávamos a grande máquina do império “X”. Ajudamos a construir um
mito que jamais será apagado da história da televisão brasileira.
Os fãs fomentaram rivalidades, arranjaram
amores e idolatraram a musa ao extremo, endeusando-a. Os opositores a
difamaram, caluniaram e criaram até mesmo lendas urbanas protagonizadas pela
boneca da Xuxa. Coisas que só acontecem quando uma figura está suficientemente arraigada
no imaginário popular: virou lenda!
E, como mito, Xuxa revelou-se figura de
proporções colossais: nenhum artista brasileiro vendeu tanto jornal ou revista
como a apresentadora. Nenhuma celebridade estampou mais capas de revistas, como
a CARAS, do que Xuxa. Fenômeno midiático de valor incomensurável. Marca de
sucesso capaz de promover vendas astronômicas e personalidade pública com poder
ímpar de angariar ajuda para as mais diferentes causas.
Essa, em síntese, é Xuxa: uma complexa
mistura de beleza, carisma, infantilidade, nobreza, egocentrismo, gênio forte,
sinceridade, força, coragem, sensualidade, polêmica, amor às crianças, à
natureza e aos animais.
Como todo grande mito do meio artístico, a
figura de Xuxa é ambivalente e produz muito facilmente o ódio ou o amor nas
pessoas. Num caso ou em outro, cada um há de, certamente, elencar suas razões e
seus motivos para simpatizar ou antipatizar com ela. Unanimidade, bem sabemos,
as pessoas só se tornam depois da morte, que a todos coroa com a benevolência
hipócrita da beatificação.
Com todas as suas humanas falhas e
limitações, agradeço à Xuxa pelos anos mais divertidos da minha infância e
acredito que esse sentimento seja compartilhado por muitos “baixinhos e
baixinhas” que tiveram o prazer de viver aquela época mágica, de sonhos, brincadeiras
e fantasias transformados em programa de televisão. E se é verdade que “o que a
memória amou, torna-se eterno”, Xuxa restará intacta em minhas mais queridas
lembranças, para o resto dos meus dias, como um tesouro de valor inestimável;
como, talvez, a minha mais antiga amiga.
Feliz dia das crianças a todos aqueles que
conservam vivas e intactas as melhores recordações da época mais fascinante de
nossas vidas!
Grande abraço e muito obrigado, Isaac, pelo
carinho e pelo espaço!
Dan Vícola é professor, formado pela
Universidade Estadual Paulista.
Sou testemunha da relação dos dois, do carinho nutrido e dos pontos positivos amplamente levantados pelo admirador, e que fazem bastante sentido, de verdade.
ResponderExcluirGrande texto, como não poderia deixar de ser!
A postagem divulgada no facebook rendeu comentários interessantes e divertidos... resolvi transcrevê-los aqui:
ResponderExcluirWillian Bressan - Vou dizer que eu sempre preferi a Eliana na infância! rs. Xuxa nunca fez a minha cabeça.
Isaac Abda - Eu curtia também a Xuxa, Angélica, mas a minha preferida sempre foi a Mara Maravilha. Aliás, tou retado com o Sr. Dan Vícola pelo "apresentadoras genéricas" no texto, rs.
Dan Vícola - Rs. Mas pense: elas ERAM subprodutos de Xuxa! Só existiram porque, antes, tava a tia Xu lá, fazendo escola!
Willian Bressan - Ah, mas nesse caso não acho que a matriz seja melhor, hahah. Pelo menos sentimentalmente, não.
Dan Vícola - Aí entramos no mérito do vínculo afetivo, que é pessoal e intransferível. Não dá pra discutir. Xuxa, pra mim, é a primeira e única.
Isaac Abda - Digamos que a Mara tenha sido orientada pelo Silvio Santos a seguir a linha 'Xuxa" no SBT, mas a minha favorita já desempenhava brilhantemente tais funções aqui na Bahia. Apresentava, portanto, enquanto a Xuxa apenas modelava. [Quer briga? Pois terá! Hihihi]
Willian Bressan - Podem me bater, mas eu achava a Xuxa muito plástica, muito construção de personagem da Marlene Mattos. As outras apresentadoras me pareciam mais humanas, mais táteis hahahaha
Dan Vícola - Eu não! Hahaha. Cada um com seu cada qual. Mas o tempo mostrou quem trabalhava com verdade para o público infantil. Eu até via as outras, mas nunca achei que tivessem o carisma de Xuxa. Mas gosto é gosto, né?
Isaac Abda - Isso, meu caro Willian Bressan, exatamente isso, a Mara Maravilha sempre me pareceu mais "ela mesma".
Dan Vícola - Bom, se é pra honrar a linda Bahia, fico com a imagem de uma LINDA e realmente TALENTOSA baiana: Rita Batista, Isaac Abda! Dessa sim, eu gosto!
ResponderExcluirIsaac Abda - Mas afora o tom bem humorado das nossas observações aqui, o fato é que eu estou muito contente pelo texto primoroso que acabo de postar no blog. Obrigado, Dan Vícola. Que venham outros!
Willian Bressan - Eu acho muito subjetivo julgar "carisma". Eu posso conhecer o Isaac Abda e dizer que ele é uma pessoa carismática, mas você pode conhecê-lo e dizer que pra, você, ele não é. Para os anos 80, Xuxa foi a rainha, sem dúvida, porque só existia ela. Mas para a geração dos anos 1990, que cresceu com Xuxa, Eliana, Mara Maravilha, Angélica, Jack Joy, ela não é unanimidade.
Dan Vícola - Isaac Abda, valeu pelo convite! Amei!
Dan Vícola - PS: Jack Joy era a personagem de Juliana Paes em Celebridade. Acredito que o rapaz acima se referisse à Jackeline Petkovic, ex-apresentadora do Bom Dia & Cia - e talvez uma das piores cópias de Xuxa! Rs.
Isaac Abda - ahahahaha foi proposital, Willian Bressan? A Petkovic pegou uma fase ingrata da telinha, em que as apresentadoras infantis já não marcavam tanto.
Dan Vícola - Fala sério, Jackeline era o que havia de pior! Kkkkkkkk.
Willian Bressan - Ela tinha um apelido de Jacky alguma coisa no programa (eu assisti um pedaço depois que a Eliana foi para a Record). Na minha memória ficou Jacky Joy, embora eu saiba, sim, como todo noveleiro, que esse também é o nome da personagem da Juliana Paes em Celebridade
Thiago Henrick - E ninguém mencionou a Paty Beijo da Manchete? Logo ela que virou escritora do ramo erótico hoje em dia...rsrsrs
Dan Vícola - KKKKk. ELA foi a PIOR! Sem dúvida! Kkkkkkkk
Isaac Abda - Bom... com todo o respeito ao trabalho da Jack, tenho que concordar com você, Dan Vícola. Ahahahaha Paty Beijo, Mila Christy idem. Esta última uma boa atriz, mas como apresentadora, não funcionou.
Dan Vícola - Essa Patsy era a cópia de Xuxa na Argentina! Cômico!
Isaac Abda - A Mariane de modo simples, carismático, bem ao estilo dela e dentro do que lhe era possível no SBT, conseguia fazer o seu programa de modo digno. Merecia ser melhor reconhecida!
Dan Vícola - Mariane sim, era uma LINDA! Gostava muito dela!
Dan Vícola - Até da Angélica eu gostava... Mas sempre achei que falta um "que" a ela... Lembro de assistir ao programa dela com minha avó, e ela dizia, vendo Angélica: "Que menina mais sem graça! Pensa que é a Xuxa!" Kkkkkkkk
Isaac Abda - Da Angélica eu adorava assistir aos sábados, o MilkShake... Acho ela uma excelente apresentadora de programa musical, entretenimento, voltado pro público adulto mesmo.
Dan Vícola - O Milky Shake era ótimo! Melhor programa que ela já apresentou. Mas ela é "forçada", sem graça... Não a considero espontânea, natural diante das câmeras. Espontânea a Mara era, por exemplo!
Dan Vícola - A Eliana, hoje, é A MAIS forçada! Fora aquela risada pavorosa dela... Coitada!
Dan, o público recebeu muito bem o seu texto. Obrigado por tê-lo por aqui. Até uma outra oportunidade.
ResponderExcluirAbraço!
Gostei muito do texto. Também preferia o programa da Mara (talvez por causa dos desenhos?), mas em relação aos discos sempre gostei muito mais dos da Xuxa, tinha todos! Nesse papo super instrutivo vcs esqueceram na Mila Christie, ela também apresentou o Clube da Criança, antes da Paty Beijo e também, é claro, a Debbie, a menina monstro. Por onde anda? Gostava tb do programa da Eliana. Não tinha paciência para a Angélica, mas amava Caça Talentos.
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