Todo mundo sabe que uma das características principais das telenovelas da autora Glória Perez é a discussão de um tema social.
Talvez pela própria trajetória de vida da novelista, esse aspecto esteve presente em tramas como "América" e "Caminho das Índias". Na primeira, o foco foi a imigração ilegal para os EUA. Na segunda, a discussão girou em torno da psicopatia e da esquizofrenia.
Uma nova novela está a caminho. Em "Salve Jorge", o objetivo de Perez é conscientizar sobre um tipo de crime que, muitas vezes, parece ser uma grande lenda ou ainda está distante dos olhos de uma parte da população: o Tráfico Humano.
"Salve Jorge", a nova novela de Glória Perez. Foto: Divulgação TV Globo |
Glória Perez escreve sozinha, mas sempre conta com uma equipe de pesquisadores que são os responsáveis pelo fornecimento de informações essenciais para a construção da trama, da caracterização, dos cenários, da composição de personagens.
Uma delas é a pesquisadora Julia Laks que ficou encarregada de desvendar os interesses e consequências do Tráfico Humano e também trazer para a autora o universo do Complexo do Alemão e do Exército que participou do trabalho de pacificação da comunidade carioca.
E foi com ela que o Posso Contar Contigo conversou para saber mais detalhes sobre o trabalho e como as informações serão trabalhadas na novela. Confira!
Por Paula Teixeira
Por que o Complexo do
Alemão foi escolhido como um dos núcleos da telenovela
"Salve Jorge"?
Todos nós nos emocionamos
muito com a tomada do Complexo do Alemão pelo Exército, tão marcante para o
processo de pacificação do Rio de Janeiro e fundamental para o país. Como a Glória
Perez diz, e eu concordo plenamente, a reconquista do território nos permitiu
conhecer talentos da região que antes não tínhamos acesso por causa da violência
imposta. A autora quis dar visibilidade justamente a eles e falar destes
guerreiros anônimos que enfrentam diariamente seus “dragões”. Por isso, ela
situou a protagonista Morena, a trama central de Salve Jorge, no local.
Como pesquisadora, como
foi conhecer a realidade de uma grande comunidade do Rio de Janeiro? Você
conhecia outras comunidades cariocas ou de outras cidades?
Já tinha visitado o morro
Dona Marta e a Rocinha, duas comunidades do Rio de Janeiro, mas esta foi a
primeira vez que mergulhei na realidade de uma região, que conversei com
pessoas de diferentes idades e pontos de vista. Conhecer o Alemão foi
maravilhoso! Como carioca, me senti descobrindo um pedaço da minha cidade.
Quais foram os focos da
pesquisa no Complexo: as residências, o estilo de vestir, andar, o cotidiano.
Como ela foi feita?
Trabalho na equipe da
Glória Perez e nosso foco está no texto. Busco histórias, situações e expressões
que possam ajudá-la a construir a trama. As residências e o estilo de vestir
fazem parte de uma realidade, mas são assuntos aprofundados depois pelas
equipes de cenografia, produção de arte e figurino.
No caso do Complexo do
Alemão, a autora vai convidar pessoas da região para participar da novela
também e me esforcei para conhecer talentos como o Otávio Jr, que tem uma
biblioteca itinerante e estimula a leitura na região, a Rita Serpa, que dá aula
de dança, a Adriana da empadinha, entre outros.
Qual a importância da
pesquisa in loco para estrutura da narrativa, para a preparação dos atores?
Essa pesquisa mais intensa traz mais segurança para o autor?
Acredito que cada autor
trabalhe de um jeito. A Glória valoriza bastante esta pesquisa in loco e,
também por isso, admiro-a tanto. A autora acredita que não há ninguém melhor do
que quem passou por determinadas experiências para contá-las e é incrível ver
como ela se envolve com os assuntos que aborda. Suas histórias são sempre muito
embasadas e isso certamente reflete na narrativa. Para mim, não há nada mais
rico do que ouvir o outro.
Sobre o Exército, foi
feita uma pesquisa sobre a relação dessa instituição com os projetos de
pacificação dos morros cariocas?
A novela se passa na época
da tomada do Complexo do Alemão pelo Exército e o Theo, protagonista da
história, é um Capitão da Cavalaria. A Sandra Regina, também pesquisadora da
equipe, e eu fomos diversas vezes ao Regimento Andrade Neves, no Rio de
Janeiro, e à base dos militares no Complexo do Alemão para entender o que
pensavam e como atuavam. Este foi outro universo bastante
rico que tivemos a oportunidade de desvendar.
Sobre o Tráfico Humano, a
pesquisa foi realizada com a colaboração de órgãos governamentais, como o
Ministério da Justiça? Na pesquisa foi difícil encontrar dados, informações ou
já existem estudos sistematizados sobre o tema?
Começamos esta pesquisa
mergulhando em livros e filmes sobre o tema. Depois, conversamos com advogados,
pessoas do Ministério da Justiça, da Polícia Federal, de ONGs e, principalmente,
com vítimas de tráfico humano. Há alguns estudos, mas a Glória queria entender
como se sentem esses indivíduos que passam por situações inimagináveis de
abuso, quais seus sonhos e angústias. E este processo foi extremamente
enriquecedor. É impressionante como um crime que escraviza tanta gente e gera
um lucro de 32 bilhões de dólares ao ano pode ser invisível, considerado por
muitos uma “lenda urbana”.
Como o Tráfico Humano será
discutido na trama? Mais em relação à prostituição?
A novela abordará o tráfico
internacional de pessoas para três fins: sexo, trabalho doméstico e adoção
ilegal.
"Salve Jorge"
terá um blog especial sobre as "descobertas" da pesquisa como teve a telenovela
"Caminho das Índias"?
Por enquanto, não.
Finalizando, como você enxerga
a discussão sobre outras culturas, crimes (tráfico humano) e comunidades
carentes dentro do contexto das telenovelas? Qual o nível de pertinência dessa
discussão e como participar de um projeto assim modifica o seu olhar sobre o
mundo?
A Glória sempre viu a
televisão como um instrumento de mobilização social. E esta é mais uma característica
dela que admiro. Não acho que essas discussões devam ser obrigatórias e
acredito que os autores precisam estar livres para criar. Afinal, novela é
entretenimento. No entanto, me emociono quando vejo que ela consegue colocar em
foco assuntos tão relevantes como o tráfico humano e o processo de pacificação
do Alemão. Depois, cabe à sociedade cobrar e se organizar para que as campanhas
tragam resultado.
Também gosto muito de
conhecer outras culturas e concordo com a Glória que olhando para os outros nos
entendemos melhor. A oportunidade que este projeto me dá de conversar com pessoas
de tantos universos diferentes é fantástica.
O Blog "Posso Contar Contigo" agradece a colaboração da
pesquisadora Julia Laks. A estréia de "Salve Jorge" será nesta segunda, na TV
Globo!
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