Por Daniel Couri
Comecei a acompanhar a reprise de Felicidade – atualmente no canal Viva –
e me peguei mais uma vez envolvido pela novela. Sua história simples já havia
me cativado 22 anos atrás, quando estreou na Globo, no horário das 18h. Cheguei
a assistir a reprise de 1998 no Vale a Pena Ver de Novo, mas a novela foi tão
picotada que ficou sem graça. (Os 203 capítulos da apresentação original foram
espremidos em 55).
No Viva, o público pode (re)ver a trama de
Manoel Carlos na íntegra. Apesar do sucesso na exibição original, muitos a
consideravam água-com-açúcar demais. Curiosamente, sempre defendi essa novela.
Para mim, o charme de Felicidade está
justamente nessa singeleza. Reconheço que talvez hoje ela não conseguisse
prender o público como fez duas décadas atrás. Os hábitos mudaram, a TV mudou, o
público mudou. Mas eu, profundo admirador de Maneco – exímio cronista do
cotidiano – continuo sentindo o mesmo carinho por Felicidade.
É engraçado, por exemplo, rever hoje a
estreia de Viviane Pasmanter na novela. Ótima atriz, ela conseguiu, apesar da afetação
da personagem, defender sua mimada e obsessiva Débora, antagonista da mocinha
Helena (Maitê Proença). Ambas disputavam o amor de Álvaro (Tony Ramos). Eliane
Giardini e Ana Beatriz Nogueira estreavam na Globo, assim como Bruno Garcia. Também
estreante, Maria Ceiça deu vida à porta-bandeira Tuquinha Batista. Tristemente,
foi a última novela da atriz Sandra Bréa. Foram vários os tipos comuns, mas de
grande destaque.
Felicidade também marcou o
retorno de Manoel Carlos à Globo, após uma ausência de 9 anos. E olha que a
tarefa não foi fácil: a novela anterior, Salomé,
não havia obtido bons índices de repercussão (aliás, foi uma das menores
audiências da história da Globo até então). O estilo peculiar de Maneco, que se
consolidaria de vez em suas novelas subsequentes, começava a se moldar. O
cenário principal não foi o Leblon – uma das características típicas de suas
tramas – e sim o Bairro Peixoto, em Copacabana. A primeira fase da novela se
passava na fictícia Vila Feliz, interior de Minas Gerais, outro ponto que
diferencia Felicidade das outras histórias
do autor.
No entanto, a principal diferença de Felicidade em relação aos outros
trabalhos mais conhecidos de Manoel Carlos é o fato de ter sido inspirada em histórias de Aníbal Machado, grande contista, ensaísta e
professor mineiro (e pai da também escritora e dramaturga Maria Clara Machado).
Contos como O iniciado do vento; Tati, a garota; A morte da porta-estandarte; Viagem
aos seios de Duília e O piano
foram adaptados e costurados numa mesma história. Maneco conseguiu imprimir sua
marca na novela e ainda manteve toda a sensibilidade da prosa de Aníbal
Machado. A mistura resultou numa novela boa e simples, que reergueu o horário
das 18h.
Letícia Dornelles, colaboradora de Manoel
Carlos em Por Amor (1997-98), também
defende a simplicidade na teledramaturgia: “É o bom folhetim recheado de clichês,
de construção básica, mas sem a obviedade que constrange, sem as ‘forçadas de
barra’ para cair na boca do povo e ser popular... Porque novela tinha emoção.
Envolvia. Infelizmente, é difícil se envolver com uma trama, se emocionar com
os personagens... Há muita caricatura e pouca densidade. Muita superficialidade
e pouca cumplicidade com o público”.
Nas novelas de Manoel Carlos não há grande
disparidade entre ricos e pobres. É possível identificar detalhes e
similaridades entre suas tramas. A presença obrigatória de uma Helena é a marca
registrada do autor, que não dispensa uma personagem com esse nome – sempre a
heroína da história. “As Helenas são uma imitação de pessoas humanas e
verdadeiras, pois essa é minha maneira de ver as novelas. Nem realista ou
naturalista, como querem alguns. E nem delirantes. Apenas verossímeis.
Possíveis”, afirmou ele, em entrevista para o blog Eu Prefiro Melão, de Vitor de Oliveira.
“No caso de Felicidade há que se notar que foi uma novela apresentada às 18
horas, numa época (1991-1992) em que não se podia avançar muito. Além disso,
todas as seis ou sete histórias que se entrecruzavam eram inspiradas livremente
em contos de Aníbal Machado. Portanto, muita coisa desses contos ficou agregada
ao meu trabalho. O elenco era afinadíssimo”, explicou Maneco, na mesma
entrevista.
Manoel Carlos |
De maneira geral, seus personagens são
retratados de tal forma que o telespectador se sente parte da conversa que
acontece na novela. Tem-se a sensação de estar acompanhando não uma novela, mas
a vida dos amigos, vizinhos, parentes... novelizada.
Tudo muito bem arrematado com o verniz refinado e os diálogos simples, porém
sofisticados do autor. Porém, há que se chegar a um consenso no que diz
respeito ao “realismo” retratado por ele. Uma telenovela jamais será “real”, visto
que é explicitamente uma obra de ficção. Mas ela pode se aproximar – e muito –
da realidade cotidiana geral. Não custa lembrar que realidade é um conceito que
varia muito de telespectador para telespectador. E para cada um deles, a
realidade tem um conteúdo diferente.
Os elevados índices de audiência obtidos por Felicidade – de poucos acontecimentos e
muitos personagens – provam que a novela caiu no gosto do grande público. Nem
seu ritmo relativamente lento (para uma novela) impediu que os telespectadores se
encantassem exatamente pela “normalidade” da trama. Por isso a reprise do Viva
não deixa de ser um exercício interessante para o público de hoje, acostumado a
textos ágeis (e menos elaborados), cenas rápidas e emoções fortes.
Tentei assistir Felicidade, até pela curiosidade que sua sinopse me provocou, porque já na sinopse se mostra uma novela extremamente simples e comum. Mas o meu gosto não bateu muito com ela, apesar de ser um grande fã e admirador do Maneco e de suas novelas, Felicidade não me pegou.
ResponderExcluireu gosto de felicidade, apesar de tbm achar ela um pouco lenta!!
ResponderExcluirGosto da simplicidade da novela, do texto elegante. Gostava da primeira fase, no interior de MG. Acho que me identificava com aquele clima interiorano. E acho que a transição da trama para o Rio de Janeiro foi bem natural, os personagens 'migraram' sem forçar a barra. Alguns saíram da novela, por não se encaixarem na segunda fase. Louise Cardoso e Aracy Balabanian, por exemplo. Papéis singelos, mas cativantes, que conservaram o lirismo dos contos de Aníbal Machado.
ResponderExcluirGravo e assisto aos capítulos de Felicidade todos os dias. Curto, sobretudo, o texto do Maneco, mas de modo geral a novela muito me interessa. Elenco, direção, cenários, tudo me encanta.
ResponderExcluirBelo texto, Daniel. Facilmente ratificado por mim! ;)
Felicidade, em minha opinião chega a ser melhor que muita novela do horário nobre. Não me sinto tão empolgado com uma novela desde o final da reprise de Mulheres de Areia, Maneco meu autor preferido arrasou nessa novela... Prefiro os 40 minutos de Felicidade doque os 70 minutos das última novelas das nove...
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