Por Daniel Pilotto
A ideia parece simples, apresentar ao público o cotidiano de
mais uma família brasileira num dos subúrbios distantes de uma grande cidade.
Bom, seria simples se não fosse uma família um tanto quanto estranha, que
trabalha e mora numa funerária, bem ao lado de um grande cemitério. Está feita
a fórmula que afugenta uma grande parte do público, mas que também atrai
aqueles que buscam novidades na telinha, o brincar com a vida e com a morte.
Seguindo, talvez os passos de produções estrangeiras como a
série americana A SETE PALMOS, o autor Miguel Falabella criou um universo
bastante peculiar que gira em torno do chamado comércio que advém da morte.
Ruço (Miguel Falabella) é o dono da F.U.I , Funerária Unidos do Irajá e vive da venda de caixões e das cerimônias funerárias, morando com sua família na parte de cima da loja.
Ruço (Miguel Falabella) é o dono da F.U.I , Funerária Unidos do Irajá e vive da venda de caixões e das cerimônias funerárias, morando com sua família na parte de cima da loja.
A família por sua vez não poderia ser mais singular. Ruço
tem dois filhos, Alessanderson (Daniel Torres) um garoto que se acha esperto e
pensa em se tornar vereador e Odete Roitman (Luma Costa) uma jovem que ganha
muito dinheiro tirando a roupa numa webcam pela internet. Eles são filhos da
primeira mulher de Ruço, a divertidíssima Darlene (Marília Pêra), que acaba de
sair de uma clínica de reabilitação de alcoólicos, mas vive com um copo de gim
nas mãos.
Ruço também vive um relacionamento com a jovem Abigail
(Lorena Comparato) trinta anos mais nova que ele.
Na funerária trabalha Juscelino (Alexandre Zachia) que é uma
espécie de ajudante do Dr, Frankstein, um homem estranho e abobalhado que
Darlene vive chamando de Quasímodo. Juscelino tem uma irmã, Luz Divina (Eliana
Rocha), uma mulher que vive uma realidade completamente delirante. Os dois
sofrem de alguma espécie de distúrbio dos nervos, pois sempre são questionados
se já tomaram o remédio do dia.
O entorno da funerária também não podia deixar de ser mais
bizarro. Ao lado da funerária fica oficina mecânica de Tamanco (Mart’nália),
que tem um romance com a filha de Ruço. Lá também trabalha seu irmão Marcão
(Maurício Xavier), que durante a noite vira o travesti Markassa.
Do outro lado da rua fica o trailer de lanches das Cachorras,
o apelido das irmãs Giussandra (Karina Marthin) e Soninja (Karin Hils), que são
irmãs gêmeas de pais diferentes, uma é branca e outra é negra.
Com estes personagens que beiram o surrealismo (um charme
que nos faz, noveleiros mais antigos recordar do universo particular de um Dias
Gomes em novelas com O BEM AMADO, SARAMANDAIA entre outras), o autor cria um
microcosmo de pequenos dramas cômicos que retratam o dia a dia num bairro mais
popular do Rio de Janeiro. Inserido dentro do contexto e da nova estética
imposta pela emissora, de conquistar a chamada classe C, Falabella não só
trabalhou sobre esta nova imposição como transformou o que poderia ser apenas
popularesco, captando a verdadeira essência dos que vivem sem acesso, longe dos
grandes centros, sem classificá-los numa classe específica. Os personagens de
PÉ NA COVA são antes de tudo universais.
Aliás, Miguel Falabella talvez seja um dos poucos autores
que consegue dar voz a este tipo de personagem, pois não os estigmatiza, vai ao
fundo no que eles podem oferecer sem medo de ressaltar suas tintas. Eles não
possuem cultura, não tem nenhum tipo de pudor, cometem erros e gafes, mas
existe neles uma profundidade, um estofo raramente encontrado em produções que
tentam retratar o popular e que sempre soam superficiais.
Fica nítido também que além de contar uma história, uma das
maiores preocupações no texto é mostrar o quanto as pessoas estão ficando cada
vez mais ignorantes (no sentido de desconhecimento). Os personagens falam
verdadeiras barbaridades, não conhecem o mais elementar, confundem palavras e
significados, num retrato engraçado, patético e gritante do tamanho da nossa
falta de educação (no sentido de aprendizado) mais básica, elementar. Por trás
de um texto aparentemente cômico são ditas muitas verdades, e esta é a função
primordial da comédia.
A série apesar de ser uma comédia, não fica apenas nisto. Se
o autor não estigmatiza os personagens e não os coloca em apenas um nicho, a
história muito menos. É possível o episódio transitar entre o escrachado e o
melancólico numa simples mudança de cenas, pois apesar do inusitado do tema
aquilo tudo é muito crível.
O elenco não poderia ser mais brilhante. Dar vida a tipos
tão específicos sem cair na caricatura não é um trabalho fácil, talvez por isto
o autor tenha se cercado de bons atores (alguns já consagrados e outros não
muito conhecidos do grande público, mas com uma carreira bem consistente no
teatro).
Marília Pêra é o grande destaque e dispensa maiores comentários.
A experiente atriz consegue na tv ir da milionária mais sofisticada à suburbana
mais cafona num piscar de olhos. A maquiadora de cadáveres Darlene é uma
personagem fascinante, e que a atriz encena sem o menor medo do ridículo. E o
que poderia ser um detalhe polêmico (o fato dela ser uma ex-alcoólatra e
continuar bebendo) passa quase desapercebido diante do talento da atriz. O copo
na mão da personagem já é um apêndice, é como se fizesse parte de seu figurino
e dá o tom politicamente incorreto tão calado na teledramaturgia atual.
A série também conta com dois nomes interessantes, Alexandre
Zachia e Eliana Rocha, os irmãos Juscelino e Luz Divina. Alexandre é daqueles
atores que sempre estiveram presentes nas novelas e programas da tv, mas sempre
em participações curtas quase sempre como bandido. Em PÉ NA COVA ele tem a
chance de mostrar ao público o quanto é talentoso, na pele de um homem
estranho, quase grotesco, mas que possui tiradas filosóficas bastante
interessantes.
Já Eliana, uma atriz que veio essencialmente do teatro,
domina o veículo com propriedade. Sua Luz Divina é divertidíssima e patética na
mesma medida.
A única ressalva, ao meu ver, é a participação da cantora
Mart’nália como a lésbica Tamanco. A cantora parece ainda não estar totalmente
segura como atriz, e isto muitas vezes transparece em suas cenas, o que poderia
ser interessante acaba se tornando a parte mais fraca da história. Talvez fosse
necessário se repensar esta nova fase da participação de cantores em produções
dramatúrgicas, não são todos que conseguem.
Enfim, ao meu ver PÉ NA COVA tem um saldo bastante positivo.
Trouxe um frescor para as comédias do canal, pois não se estabilizou no óbvio.
E mesmo com o tema bizarro, que afasta alguns telespectadores mais tradicionais
que acham um desrespeito pois com a morte não se brinca, a série inova nas
noites de quinta feira. O negócio é curtir as caveirinhas da abertura tão
típicas da festa mexicana dos mortos e encarar como eles, como festa. Para mim
esta deveria ser A GRANDE FAMÍLIA da vez.
muito bom o texto, concordo com você, e acho a serie muito interessante e divertida, todas as noites de quinta feira eu paro para ver a Darlene com seu copo de gim!!
ResponderExcluirA série é ótima. Quem gostou gostou, já que não gostou por causa da brincadeira com a morte, não sabe o que está perdendo.
ResponderExcluirMas parabéns, o texto como sempre afiadíssimo.
Obrigado pelo comentário Marcelo Alves!!! Pois é o copo de gim é um charme!!!!!!! Rsss
ResponderExcluirObrigado também Thales Ferrari, principalmente por achar que o texto está afiadíssimo, fico muito feliz!!!!!
Abração ao dois!!!!!
Perfeito seu texto Daniel.
ResponderExcluirPé na Cova é programa obrigatório toda quinta-feira.
Miguel Falabella prova que é possível fazer humor de verdade, de forma divertida, com pinceladas de humor negro e frases e situações que hoje parecem tão distantes nessa nossa realidade politicamente correta.
O texto do Miguel leva o telespectador a refletir, texto bem humorado, crítico, de alto nível e que infelizmente não alcança a todos os públicos.
ResponderExcluirBela postagem, Daniel. Até as próximas!
Obrigado querido Marcio!!!!!!!
ResponderExcluirSei que é público fiel do seriado, rimos muito juntos com as tiradas dos episódios!!!!!!! Adorei ler teu comentário aqui no blog, seja super bem vindo!!!!
Obrigado também querido Isaac, você como sempre super atento!!!!! Com certeza muitas postagens virão!!!!!
Daniel, perfeitas observações, ainda mais qto a não estigmatização de personagens pobres e com outra cultura...finalmente a piada do personagem de La Toya e a irmã em A Lua me disse foi entendida sem mal entendidos. Vi o primeiro episódio e não achei muita graça a não ser em Luz Divina ,agora seu texto me fez ver outro episódio sobre os processos e achei o elenco mais afinado,e notei a interpretação do próprio Fallabella tão perfeita que o seu personagem chega a ser poético com tal simplicidade, na acepção mais pura da palavra. Agora virei fã.
ResponderExcluirobs: também achei Martinália muito fraca. Pena,podiam colocar uma atriz que faria bonito.
Adorei teu comentário Edu!!!!!! Principalmente em saber que agora curte o programa!!!!!
ResponderExcluirPois é, também tenho esta impressão dos textos do Falabella, há tempos que ele tenta nos iluminar com situações, com frases, com idéias. Gosto desta característica dele!!!!
Com toda a certeza os episódios foram num crescente, e apesar de ser um seriado acredito que o autor tenha mais o estilo NOVELA ao contar uma história, as tramas vão acontecendo, num outro ritmo.
Obrigado pelos comentários, sempre!!!!!! Saiba que para mim são importantíssimos!!!!!!
"Nossa, Daniel achei tão divertida e pontual a descrição que vc fez de Pé na Cova que fiquei com vontade de parar tudo e me atirar no youtube a caça dos episódios que, confesso, não tinha me dado curiosidade em ver apesar de adorar as obras do Falabela."
ResponderExcluirComentário de Márcia Oliveira (via facebook)