segunda-feira, 6 de maio de 2013

Luz, Câmera, Ação...Muita Ação!

by Sidney Rodrigues



Quando resolvei fazer esse post sobre Curta Metragem no Brasil, minha ideia inicial era mostrar as dificuldades que os novos cineastas têm para realizarem seus sonhos de conseguir filmar e mesmo assim vermos trabalhos ótimos feitos por aqui. Ocorre que no meio da ideia troquei algumas figurinhas com Zeca Rodrigues e Diego Sousa, dois amigos e grandes batalhadores desse país, e o resultado desse bate papo acabou gerando um material muito bacana e transcrevo aqui as opiniões de cada um deles sobre alguns assuntos pertinentes ao tema.
                                                       
Zeca Rodrigues
   
Diego Souza


Vamos ao bate bola:

Como funciona a escolha do elenco quando os novos cineastas querem montar um curta?

Zeca Rodrigues - Quando o cineasta é inexperiente, normalmente conta com a ajuda de amigos, muitas vezes não atores, para compor seu casting. Na grande maioria dos novos cineastas, suas primeiras produções não envolvem planejamento financeiro, então a falta de cachê será um empecilho na cabeça do jovem cineasta, para conseguir bons atores. A não ser em casos que o cineasta vem de alguma escola de teatro ou tem contatos nessa área, então poderá fazer com que seu casting melhore com atores conhecidos seus.

Diego Sousa - Normalmente um cineasta iniciante trabalha em projetos próprios, muitas vezes pessoais, sem qualquer tipo de verba ou investimento.
Nesse caso, um caminho é buscar também atores que estão buscando se destacar, que mostrem empenho ou que possuam referências, e também sempre buscar mostrar o projeto para atores com mais bagagem, e pode acontecer se for uma boa proposta.
Mesclar atores iniciantes e experientes é sempre vantajoso para a obra.

Que tipo de trabalho prévio é feito com a equipe (técnica e elenco)?

Zeca Rodrigues - O que dizem as regras é que todo o trabalho deve ser construído, encenado e planejado pelo diretor do filme, chamado de cineasta e dele deve desprender todo o material referencial para o que “imagina” a respeito do filme. Esse conceito é chamado erroneamente de “cinema de autor”, indicando que o diretor é o grande autor da obra onde escreve, dirige, produz, edita e muitas vezes atua. O que acontece nesse tipo de filme é que, ou existe um grande gênio como Hitchcock e Fellini por trás das câmeras ou o filme fica mal feito, pois é preciso um domínio enorme de todas as técnicas cinematográficas para chegar ao “Cinema de autor” real. E esse tipo de ensinamento acaba beirando a condição econômica do país que não permite que se forme “autores” de cinema. 
Nesse tipo de produção são necessárias poucas reuniões de equipe, já que o filme já foi idealizado por um que deve apenas passar as regras do jogo para os peões. Pré-produção, é chamada a fase de criação e idealização do projeto. Captação de recursos, compras, permutas e apoios estão nessa fase, ou seja, dependendo da dificuldade e do tamanho do filme, esse momento pode demorar muitos meses e requerer diversas reuniões com parte da equipe. Outra parte apenas receberá instruções alguns dias antes (como é o caso de fotografia e figurinos), e outra parte ainda, apenas dentro do set de gravação: iluminadores, maquinistas, cenotécnicos, etc.
Para os atores, na maioria das produções, adotou-se o que há de “ruim” no mercado americano. Espera-se que o ator esteja pronto, estudado, decorado o texto e sabendo da movimentação da câmera. Raramente há ensaios, pois estima-se que o ator já esteja pronto.

Diego Sousa - Costumo trabalhar com pessoas que eu já tive outras oportunidades, ou que mostram interesse em continuar aprendendo. É preciso colocar pessoas de confiança nos cargos, e se todo mundo estiver alinhado, as chances de sair um ótimo resultado aumentam bastante.

O roteiro fica pronto bem antes da filmagem e é feito algum tipo de leitura?

Zeca Rodrigues - Sim, normalmente é realizada uma reunião com todo o elenco para leitura de roteiro e esclarecimento de dúvidas em relação à prazos e quantidades de diárias.

Diego Sousa - O roteiro é o primeiro passo, a ideia que vai atrair toda a equipe técnica e de atores para a realização. Críticas sempre são aceitas para a melhoria do filme, e normalmente passam por várias releituras para ajustes.

É muito complicado arrumar cachê para pagar elenco e técnica?

Zeca Rodrigues - É o maior desafio, quando existe essa dificuldade. Explico. Como todas as formas de manifestação artística, o Cinema é uma arte desprezada pelo Estado que não enxerga o poder de consciência que a obra desperta em um espectador, muito mais direto que o teatro, a arte plastica, até mesmo a musica. O cinema une todas as artes, e por isso é tão poderoso. Porém não existem políticas públicas para transformar o cinema nacional em indústria (ou seja, com o cinema retirando do próprio cinema, o custo para ser cinema), que para iniciar, como qualquer negócio, precisa de investimento. Dependemos de editais (esse ano, por exemplo ainda em abril nenhum edital governamental ou privado foi aberto) ou de pessoas que já tenham os contatos de patrocinadores em potencial, para poder ser util a lei do audiovisual e a Rouanet. Como no teatro, na música, nas artes visuais, sem patrocinador, o caminho se torna muito mais difícil. 

Diego Sousa - No cenário nacional sim, é difícil conseguir apoio para obras independentes, e isso influencia bastante no resultado final. Existem ótimos trabalhos que não são realizados justamente por falta de verba, portanto muitas vezes o jeito é correr atrás com o que se tem.

Ainda se faz curta por amor?

Zeca Rodrigues - Sim, muito! Na verdade as dificuldades financeiras (ainda mais com o invento do digital não apenas na captação, mas também as linhas de internet e redes sociais), nunca impedirão o cinema de existir, como não impediu nenhuma outra forma artística até hoje. Se a necessidade é fazer com câmera de celular, abajures e utilizando a família como elenco, ainda é possível fazer. Jean-Luc Godard encarando o vídeo tape pela primeira vez, profetizou que dali há 30 anos seria possível fazer cinema com 10 dólares. Tentamos provar essa teoria na prática como tese e também por necessidade. O cinema não é uma profissão reconhecida. Infelizmente.

Diego Sousa - Acho que sim, até porque comercialmente falando o cinema não é rentável aqui como em outros países. Acho que quem trabalha com artes o faz por amor, e o prazer de estar em set, pra mim é indescritível.

Como escolhem as locações? As desejadas ou as possíveis?

Zeca Rodrigues - Normalmente o filme conta com uma equipe de produção de locação. Essa equipe apresenta propostas ao diretor para saber se condiz com o que ele deseja. Caso as locações sejam pagas, busca-se a possibilidade do apoio. Mas é um tópico que restringe bastante a produção. Não apenas pelo local ideal, mas este tem que ter alem do visual, as tomadas ou caixa de luz, espaço de base, recuo de câmera, pé direito, etc. Então o pensamento acaba sendo que existem apenas locações “possíveis” e nunca ideais. Mas em relação à dinheiro, apenas as grandes produtoras escolhem locação por “catálogo”. A locação em produções independentes é das menores preocupações

Diego Sousa - Isso vai muito da necessidade do filme. Como trabalho de forma independente, já imagino que tipos de locações posso colocar no meu roteiro, buscando facilidade de encontrar ou ajustar. Não adianta eu querer colocar um balão como locação, sendo que dificilmente eu conseguiria um.


Diretor de arte x diretor de fotografia x direção de som , como lidar com essas necessidades x orçamento escasso?

Zeca Rodrigues - Se o orçamento é escasso mas existe algum, as funções técnicas tendem a serem escolhidas dentro de faculdades ou cursos livres de cinema. A vantagem (que não deixa de ser desvantagem também) do digital hoje, é que pode-se formar diretor de fotografia com uma câmera e cursos no youtube. Particularmente, o conhecimento técnico não supera o fazer artístico, então essas três funções, para mim, devem andar juntas. De preferência, com parcerias que se prolonguem ao longo de muitos anos. Quando envolve amizade, ou mesmo gosto pessoal pelo projeto, o orçamento não é um problema, o que nos faz, de certa forma, trabalhar mais o projeto, roteiro / história, para que o artista tenha interesse em participar e deixar a sua marca no filme.

Diego Sousa - Mais uma vez acho que entra justamente na necessidade de se criar um roteiro que se adapte a um baixo orçamento. Muitas vezes um simples bem executado, se transforma melhor do que um ousado feito nas coxas. Por sorte sempre trabalhei com ótimas pessoas na equipe que sempre deram ideias funcionais mesmo com limitações.

Quem faz a decupagem?

Zeca Rodrigues - Do roteiro, quem faz a decupagem é o diretor. Se possível o diretor de fotografia ajuda muito nesse processo. E o assistente de direção formaliza e procura erros possíveis na organização. Existe ainda a decupagem do material gravado que é responsabilidade do assistente de direção. 

Diego Sousa - Fica a cargo do produtor e da sua equipe. É a pessoa responsável para organizar tudo de forma a distribuir bem as funções e transformar o conteúdo do papel em algo palpável.

Edição, montagem, sonorização, quais as principais barreiras?

Zeca Rodrigues - Edição e montagem são processos diferentes. A montagem está ligada ao cinema clássico, quando se cortava o negativo na mão e juntava as pontas com fita adesiva durex. A edição surge com a invenção do videotape. É a montagem de forma eletrônica / digital. A sonorização é feita durante o processo, de preferencia, de produção. Na pós produção, o som tem a função de remasterização, equalização e efeitos. Mesmo uma porta batendo na maioria das vezes é substituída na montagem. As principais barreiras desse processo de pós são sempre o custo. Montagem/edição e sonorização requerem muito tempo do profissional encarregado, e aí sim o dinheiro aparece como um problema gigante na produção. Ainda que o idealizador consiga um fotografo para gravar diárias  um sonoplasta para a captação do áudio  a presença física é pequena, comparada ao período de montagem do filme.

Diego Sousa - Equipamentos. No cenário independente, costumamos trabalhar com o que temos a disposição ou em certas ocasiões trabalhar com locação de equipamentos.

Como lida com a continuidade?

Zeca Rodrigues - A continuidade é uma responsabilidade conjunta da assistência de direção e direção de arte. Deve-se ser feitas fotografias das cenas quando envolve alguma mudança que pode dar erro de continuidade. Assim como maquiagens, figurinos, adereços, todos são registrados para utilização em diferentes locações ou períodos.

Diego Sousa - É necessário muita atenção, e atribuir essa função a pessoas no set. Tudo tem que ser pensado e analisado ainda na pré-produção, já que a edição não faz milagres.

Como lida com o ego e a preparação dos atores?

Zeca Rodrigues - Ego de ator é algo realmente difícil de lidar. Principalmente quando se tem poucos recursos, os atores tendem a ser menos compreensivos em relação à encaixes de horários para ensaio, transportes e alimentação. O básico que atende-se com a falta de cachê é sempre visto com cuidado pois o ator tem a capacidade de cancelar a gravação caso deixe o projeto perto das datas de set. A preparação é feita normalmente alguns dias antes de gravar com ensaios. 

Diego Sousa - Tenho a sorte de não ter tido esse tipo de problema nas produções que participei, mas é sempre bom ter alguém preparado na equipe para lidar com os atores e saber respeitar a equipe em set. Se o preparador de elenco também for ator, é ótimo já que conhece ambos os lados e lida melhor nessa situação.


Quanto tempo leva da ideia a realização?

Zeca Rodrigues - Muitas vezes a ideia (por falta de recursos) tende a demorar a ser realizada. Ainda que algumas ideias são tidas em momentos bem distantes de iniciar a produção, o que cria um grande período de gestação. Do “start” do projeto (que se conta a partir do momento do argumento desenvolvido, pronto), até o final da edição, em curtas metragens, tende a demorar em torno de quase um ano. Sendo que o período inicial é de três meses para a pré-produção, dependendo do tamanho do curta, mais um mês de gravação e o resto do período em edição. Essa relação de tempo porém depende de muitos fatores como orçamento viável, número de locações, e disponibilidade das pessoas envolvidas na pós produção.

Diego Sousa - É bem subjetivo, depende muito da obra. As produções que eu participei (todos curtas) foram bem rápidas e dinâmicas, pois a produção também exigia (além de fatores como datas, disponibilidade e prazos). O meu primeiro filme levou cerca de 1 mês e meio do roteiro a gravação. Ter uma boa equipe técnica e confiável ajuda muito nesse prazo também.

Como é a participação em festivais? Rola prêmio em dinheiro?

Zeca Rodrigues - Existem festivais e mostras de cinema. No primeiro pode existir premiação sim, mas que fica sempre a cargo de cartas marcadas, ou de filmes maravilhosos (o que no gênero do curta metragem é difícil de ser avaliado). Raras são as premiações em dinheiro para atores, fotógrafos, diretores de arte, etc.

Diego Sousa - Existem de todos os tipos, os que premiam com dinheiro ou com troféu e status.


Existe a preocupação em assinar documentos com a liberação de imagem dos atores?

Zeca Rodrigues - Sempre. Esse tipo de documento é o que permite que o curta seja realizado com segurança e sem que seja possibilitado o seu cancelamento por parte de algum integrante. As leis de direitos de imagem e som (dos atores também se tem liberação de som), são bastante específicas e sendo feito com organização, protegem os realizadores.

Diego Sousa - Se houver essa possibilidade é uma boa maneira de agir, com tudo documentado e feito dentro das leis para evitar problemas futuros. Por hora acabei trabalhando só em guerrilha até então, sem assumir grandes compromissos, acho que nesses casos a transparência conta bastante também.

E a trilha sonora usada?

Zeca Rodrigues - A melhor trilha é a que é criada para o filme, diretamente. É muito difícil utilizar uma música já conhecida que carrega conceitos sociais de inconsciente coletivo, pois a música conhecida foi marcante em outro momento já do espectador na maioria das vezes. Ao mesmo tempo, precisamos optar por estudantes também de música, ao invés de músicos conceituados que dificultam os direitos musicais. Além do músico em si, a liberação da trilha depende também de liberação de estúdio, o que torna o caminho mais difícil. Porém, a dificuldade maior está que, caso a música utilizada seja conhecida e não tem-se o direito liberado, este filme não pode captar nenhum tipo de recurso, tanto em pré-produção como em festivais. A esses tipos de filme, cabem às mostras e festivais sem premiação em dinheiro.

Diego Sousa - O ideal é der feito sempre com trilhas criadas para o filme, com autorização, ou a utilização de trilhas brancas, disponibilizadas por artistas. Existem sites especializados nesses tipos de trilhas na internet.


Qual as maiores dificuldades para se fazer um curta metragem no Brasil?

Zeca Rodrigues - Acredito que o conjunto de questões como acima descritas tornam fazer um curta metragem profissional muito mais difícil. Não nos sustentamos de nossa arte, então precisamos de outros empregos, o que restringe o nosso tempo de dedicação ao projeto. A falta de verbas públicas acarreta em patrocínios com mecenas ou donos de empresas amigos (que acabam se tornando a mesma função do mecenas). A falta de cultura no país dificulta bastante em nossas apresentações ao pedir patrocínio  permuta ou apoio. Existe uma mentalidade dominante de resultados, ou seja, para se fazer um tem que já ter sido feito algum com qualidade. Imaginando que para alcançar qualidade, tem que fazer e errar muito, esse quesito se torna o um grande empecilho. Para um primeiro trabalho ou o realizador já tem a verba, ou irá fazer na raça, sem nada e sem compromisso. Essa é a maior dificuldade, o compromisso.

Diego Sousa - Diria que a falta de apoio. Gente capacitada e interessada em participar, atuando ou na equipe técnica, tem bastante. Deveria haver mais incentivo para o crescimento do cinema aqui no país.

Como escolhe a equipe?

Zeca Rodrigues - A partir de indicação de outros membros da equipe, ou conhecendo outros trabalhos e fazendo novos contatos. Nesse sentido, as mídias sociais tem uma função muito importante pois promovem a aproximação entre pessoas de interesses comuns. Encontrar um fotógrafo não é difícil. O mais complicado é que todos se adequem às possibilidades do projeto.

Diego Sousa - Referências são sempre boas, e possuindo qualidades nas funções propostas. Existem pessoas que lidam melhor com uma câmera, outras com uma caneta, outras com as palavras... Descobrindo isso, facilita em muito a produção e o desempenho individual de cada um.

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