quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Raio Laser - 4º Capítulo


RAIO LASER
NOVELA DE DAVI VALLERIO E ALEX SPINOLA
ESCRITA POR ALEX SPINOLA
CAPÍTULO 04

CENA 01. QUARTO EM LOCAL IGNORADO. INTERIOR. DIA

Continuação imediata da última cena do capítulo anterior. Lauro em posição de defesa, diante a misteriosa pessoa que calça botas cowboy de cano alto e salto carrapeta.

LAURO: Não chega perto de mim!

O olhar apreensivo de Lauro bota fim no mistério: diante dele está CONRADO MOLINA, que exceto pelo espalhafato de suas botas de cowboy com salto carrapeta, revela-se um senhor elegantíssimo, meio afeminado, 62 anos. Conrado nota que mesmo estando pronto para o que der e vier Lauro não desprega os olhos daquelas botas nada discretas.

CONRADO: Desculpe-me por essas botas. Presente de um amigo que esteve no Texas. São assustadoras mesmo!
LAURO: Quem é você?
CONRADO: (estende-lhe a mão) Conrado Molina! Prazer em te conhecer, Lauro!
LAURO: (ignora o cumprimento) Como é que você sabe meu nome? Você tá junto com a Eva nisso?
CONRADO: A última Eva que conheci foi a Perón! A elegância desmentia tudo o que falavam dela.
LAURO (ainda não se situou) Que lugar é esse?
CONRADO: (sorrindo) Um quarto de hospital, o melhor do Rio de Janeiro! Nós tivemos um encontro meio desastrado.
LAURO: (incrédulo) Rio de Janeiro?

CORTA PARA:

CENA 02. CIDADE DO RIO DE JANEIRO. EXTERIOR. DIA

No toca fita da Mercedes Benz prateada de Conrado Molina toca "A DOIS PASSOS DO PARAISO" de Blitz. O automóvel pela Avenida Atlântica. Conrado ao volante, Lauro no banco traseiro, apreciando a cidade iluminada pelo sol, depois de ter vivido seus dias de tormenta, e sobre essa imagem o falatório sem fim de ROGER, um moreno de 30 anos, bem afetado, que está no banco do carona:

ROGER: (off) Menino, você deu um susto danado na gente! Ficou uns dias apagado, eu até pensei: “esse daí não volta mais!”. Você tem corpo fechado, hein garoto! Mas agora tá tudo beleza pura! Você vai amar o apartamento do Conrado, melhor endereço de Copacabana, vista panorâmica pro mar, dá pra enxergar a África pelas janelas da sala! Eu sou secretário do Conrado, te contei, não?
CONRADO: (off, cortando) Ferme la bouche, Róger, pelo amor de Deus!

CORTA PARA:

CENA 03. APARTAMENTO DE CONRADO. SALA. INTERIOR. DIA

Sala onde uma família de seis pessoas viveria com folga. Muitas obras de arte, retratos genuínos de Joan Crawford e Marilyn Monroe lado a lado com Conrado numa das inúmeras estantes. Sofisticação e bom gosto por todos os lados. Roger e Conrado sentados diante Lauro, que acabou de contar todos os seus dramas.

ROGER: Não disse que você tinha corpo fechado, garotão? Não disse?
LAURO: Acho que tenho.
CONRADO: Você e suas crendices, Róger!
LAURO: Obrigado por tudo, Conrado! Desculpe esse transtorno todo.
CONRADO: Sou eu quem deve se desculpar, rapaz!
LAURO: Eu vou indo. Tenho uns amigos aqui no Rio, da época de colégio, vou procurar por eles.

Conrado se levanta, circula a poltrona onde Lauro está sentado e acaricia os ombros dele.

CONRADO: Mas não vai mesmo!

Lauro estranha o gesto. Roger faz uma expressão que diz: “Pronto! Estava demorando”.

CORTA PARA:

CENA 04. CASA DOS JUAREZ. QUARTO DE LÍDIA. INTERIOR. DIA

Lídia e Amanda em conversa adiantada. Lídia tem uma garrafa de vidro transparente nas mãos, cheia de um líquido esverdeado.

AMANDA: Você vai ter coragem de tomar isso aí? Será que funciona?
LÍDIA: Claro que funciona, o Lauro me disse que experimentou uma vez... (para de falar, não quer lembrar-se dele) funciona sim, eu sei que funciona!
AMANDA: Ah, o Lauro era fogo na roupa, vai ver nunca experimentou e...
LÍDIA: Pelo jeito ele gostava de experimentar de um tudo!
AMANDA: Você tá falando daquela marmota toda lá na igreja?
LÍDIA: É claro! Se ele não tivesse culpa no cartório, tinha se defendido. Ele que sempre gostou de um debate! Ele fugiu e me largou aqui!

Amanda, tomada pelo remorso, pensa em desovar toda a verdade para a amiga, mas o medo que tem de Eva a impedi.

LÍDIA: O que foi? O gato comeu a sua língua, amiga?
AMANDA: (achando que teve uma grande ideia) Por que você não foge também?!
LÍDIA: Fugir pra onde, Amanda? Essa cambada de loucos iria me caçar até no inferno! Os capangas da fazenda me seguem pra tudo quanto é lado!
AMANDA: Conversa com o Sebastião! Acho que ele tem carinho por você, não iria te forçar.
LÍDIA: Ele tem carinho pelo dinheiro, só isso! Ele sabe que a eleição tá no papo, mas precisa do sobrenome do Neco pra conseguir mais apoio. Um bando de gente aqui não vai com as fuças do Sebastião. Política é assim, Amanda!
AMANDA: E você vai tomar esse treco quando?
LÍDIA: Hoje à noite! Vai ter reunião do partido aqui casa! Aposto que vão falar do maldito casamento! Aconteça o que acontecer, você não abra essa boca, viu?

Amanda faz que sim.

CORTA PARA:

CENA 05. APARTAMENTO DE CONRADO. TERRAÇO. EXT. ANOITECER

Bela paisagem. O Sol se pondo no horizonte da praia de Copacabana. Conrado esparramado numa espreguiçadeira. Lauro recostado na mureta do terraço, apreciando. Na vitrola tocando "REVANCHE" de Lobão.

CONRADO: E então, Lauro, você vai aceitar minha proposta ou não?

Lauro se vira para Conrado, o encara.

CONRADO: Nós passamos horas conversando. Falei de todos os meus empreendimentos, é muita coisa pra um homem na minha idade!
LAURO: E por que fazer isso por mim? Você tem o seu amigo aí, o Roger...
CONRADO: O Róger é ótimo, mas não tem o menor foco. Você tem potencial, eu saquei. Será sua chance de dar a volta por cima.
LAURO: E de acabar com aquela desgraçada!
CONRADO: Vingança nunca foi a melhor conselheira de ninguém!
LAURO: Isso só o tempo poderá dizer!
CONRADO: E por falar em tempo, de quanto mais você precisa pra me responder? Seja claro, assim como eu fui ao dizer que não existe nenhum interesse sexual em jogo. Deixei isso bem claro, não deixei?
LAURO: Deixou sim!

Roger chega e serve um Dry Martini para Conrado.

CONRADO: Tempo é dinheiro, Lauro, não me faça esperar!
LAURO: Eu aceito!

CORTA PARA:

CENA 06. CASA DOS JUAREZ. SALA. INTERIOR. NOITE

Amanda tensa, servindo salgadinhos para um amontoado de CORRELIGIONÁRIOS ao redor de Sebastião e Neco. Beto serve as bebidas.

CORTA PARA:

CENA 07. CASA DOS JUAREZ. QUARTO DE EVA. INTERIOR. NOITE

Eva sentada diante o espelho da penteadeira. Olhar perdido. Ela se levanta bruscamente e começa a vasculhar o maleiro do guarda-roupa. Encontra uma pequena caixa, abre e retira um retrato, no qual vemos SIDNEY. Eva beija o retrato. E na sequência, outro com LAURO e LÍDIA abraçados, felizes como são os enamorados da idade deles. Eva encara a imagem. Uma lágrima furtiva lhe escorre pela face. Ela rasga o retrato ao meio, separando o casal.

EVA: Nem meu, nem dela!

Ela faz mil pedaços da metade em que Lídia está e joga dentro da caixa. E antes de jogar a metade de Lauro no mesmo lugar a beija com ternura. Ela esconde a caixa no mesmo lugar e sai.

CORTA PARA:

CENA 08. CASA DOS JUAREZ. SALA. INTERIOR. NOITE

Eva por ali, fingindo ser a esposa ideal. Sofia Emerenciana de olho nela, fazendo uma guerra muda de nervos. As ESPOSAS e PARENTAS dos correligionários ao redor de Eva, paparicando. Ela demonstra um interesse enorme no que elas tanto cacarejam. Padre Manoel por ali.

EVA: (pensa) Bando de puxa-saco dos infernos!
SOFIA: (aproxima-se de Eva) Eva, está tudo a contento, mas olha, reserve um tempinho praquela nossa conversa, hein?
EVA: (sorriso falso, pensa) Tísica desgraçada!

Num canto, Beto puxa Amanda pelo braço.

BETO: Que cara é essa? Daqui a pouco a bruxa da dona Eva vem te passar um sabão! Esqueceu o que ela falou mais cedo, que queria todo mundo com dentes arreganhados?
AMANDA: Eu é que não vou ficar mostrando as canjicas pra ninguém! Essa desgraçada só sabe arrancar o meu couro! Sai pra lá, Beto, que eu tô atacada!

Amanda se afasta. Beto percebe que Eva estava de olho na conversa deles, e trata logo de circular entre os correligionários que só pensam em comer e beber.

CORTA PARA:

CENA 09. CASA DOS JUAREZ. QUARTO DE LÍDIA. INTERIOR. NOITE

Lídia olha para a garrafa de vidro transparente. Já tomou mais da metade daquele liquido esverdeado. Expressão de quem já está noutra dimensão.

LÍDIA: Acho que agora chega.

CORTA PARA:

CENA 10. CASA DOS JUAREZ. SALA. INTERIOR. NOITE

Neco se aproxima de Eva e Sebastião.

NECO: Cadê a Lídia? Vamos anunciar esse noivado ou não?
SEBASTIÃO: Vamos sim!
EVA: E o mais rápido possível!
SEBASTIÃO: (vai para o centro da sala) Meu povo, sei que vai ser surpresa pra alguns de vocês, mas eu quero aproveitar esse nosso encontro, pra dizer que essa noite eu sou um homem feliz por duas vezes: primeiro que nossa vitória é garantida, o povo quer mudança e gente vai mudar essa cidade, e segundo, eu quero dizer que Deus escreve certo por linhas tortas, porque minha enteada tá ficando noiva do nosso amigo aqui, Neco Brandão! E o casório é pra logo!
PADRE MANOEL: Amém!

Neco radiante. O cordão dos bajuladores a aplaudir. Dona Sofia  aproveita para espicaçar.

SOFIA: Ué, mas cadê a noiva?
EVA: (alcança com o olhar) Amanda, vai chamar a Lídia! A Lídia é tímida, gente.
Amanda já a obedecer a ordem da megera, quando Lídia adentra a sala num estardalhaço só. Machado de lenhador nas mãos.
LÍDIA: Tímida é a puta que o pariu, sua vaca!!!

CORTA RÁPIDO PARA:

CENA 11. CASA DOS JUAREZ. VARANDA. EXTERIOR. NOITE

Gritaria e confusão. Correligionários, suas esposas e parentes se acotovelando, espremidos na porta da saída. Clima de salve-se quem puder! Vem do interior da casa um som de quebra-quebra. Pelas janelas, podemos ver a silhueta de Lídia atingindo com o seu machado tudo o que encontra pela frente. Padre Manoel, tropeçando na própria batina, atira-se dentro de sua Brasília cacarecada. Sem pensar em ajudar uma única alma que seja, dá partida e sai chispado.

CORTA PARA:

CENA 12. PRONTO SOCORRO DE TORRENTES. CONSULTÓRIO. INT. DIA

Lídia enfatiotada numa camisa de força, incontrolável. Eva e Sebastião diante o médico, DOUTOR MIGUEL, 40 anos, que consulta um livro guia.

SEBASTIÃO: Internação, doutor?! Esse livro tá dizendo isso?
DOUTOR MIGUEL: (ergue o livro) Eu não preciso de livro pra confirmar nada, mas tá aqui: Surto psicótico! Às vezes os parentes não notam os primeiros sintomas, explode assim, de uma hora pra outra, depois de um trauma! E essa menina passou por um trauma muito grande!
EVA: (sonsa) Passou mesmo!
DOUTOR MIGUEL: A não ser que a menina use alguma droga...
SEBASTIÃO: (agarra o médico pelos colarinhos) O quê que o senhor disse? Nossa filha não usa droga nenhuma!
EVA: (puxando o marido) Você não ouviu o que o doutor acabou de dizer, Bastião? Vai ver que a Lídia tem a mesma doença do Sidney, só que tava incubada!
SEBASTIÃO: (recompondo-se) Isso é perigoso, doutor?
DOUTOR MIGUEL: E muito!

CORTA PARA:

CENA 13. PRONTO SOCORRO DE TORRENTES. RECEPÇÃO. INT. DIA

Neco zanza de um lado para o outro, furioso. Num canto, Amada e Beto em conversa discreta.

BETO: O quê?!
AMANDA: Acho que ela exagerou na dose. Eu não entendo dessas coisas, sei lá.
BETO: É, o Lauro comentou comigo que usou quando estudava lá no Rio de Janeiro, disse que  se abusar, é viagem sem volta!

Sebastião e Eva chegam com a notícia.

EVA: (decretando) Vai ter que internar!
NECO: O quê?!

CORTA PARA:

CENA 14. ESTRADA DE TERRA. EXTERIOR. TARDE

Uma ambulância se sacolejando toda pela estrada empoeirada. A caminhonete preta de Sebastião logo atrás, que passa por uma placa onde se pode ler: ALECRIM, 30 km.

CORTA PARA:

CENA 15. FACHADA CLÍNICA PSIQUIÁTRICA ALECRIM. EXT. ANOITECER

Ambulância estacionada na rua. ENFERMEIROS da clínica empurrando Lídia numa maca. Amanda acompanha o translado da amiga, aos prantos. Neco e Sebastião dirigindo-se para a porta de entrada. Eva paralisada na calçada, olhar perdido na placa que identifica a clínica.

SEBASTIÃO: (chama, apressado) Vem, Eva!

Ela começa a se tremer toda, faz que não, entra na caminhonete, dá partida e sai cantando pneu. Sebastião e Neco ficam ali, sem entender nada.

CORTA PARA:

CENA 17. ESTRADA NOS ARREDORES DE TORRENTES. EXT. NOITE

A caminhonete preta de Sebastião a toda velocidade passa por uma placa onde se pode ler: TORRENTES 1 km. Eva ao volante, transtornada. À sua frente, surge dona Sofia em sua mobilete.

CORTA PARA:

CENA 18. CAMINHONETE PRETA. INTERIOR. NOITE

Eva ao volante percebe a indefectível mobilete de Sofia.

EVA: Vou dar um susto nessa velha chantagista que ela vai se cagar toda!

Eva troca a marcha, desliga os faróis e pisa no acelerador.

CORTA PARA:

CENA 19. ESTRADA NOS ARREDORES DE TORRENTES. EXT. NOITE

Em sua mobilete, Sofia percebe a caminhonete preta vindo em sua direção. Buzina freneticamente. Caminhonete preta se aproxima e bruscamente gira num cavalo de pau. Uma nuvem de poeira se forma, Sofia perde o controle e mergulha numa ribanceira. Eva salta, olha ao redor e aos poucos percebe o que fez.

EVA: Será que eu matei essa velha desgraçada?!

Eva zanza por ali por algum tempo, olha para a ribanceira, mas não consegue enxergar nada. Desiste. Entra na caminhonete preta, dá partida e vai embora.

CORTA PARA:

CENA 20. CASA DOS JUAREZ. SALA. INTERIOR. MANHÃ

Sebastião, Amanda e Neco chegando. Todos com aquela cara de quem teve uma noite do cão.

SEBASTIÃO: (aos berros) Eva?! Eva?!

Eva vem da cozinha vestida à La Amélia, a rainha do lar. Avental na cintura e bandeja com suculentos pedaços de bolo de fubá. Os três ficam atônitos. Amanda esfrega os olhos, pra enxergar melhor.

AMANDA: Dona Eva?!
SEBASTIÃO: Que diabo te deu, mulher? Saiu de lá feito uma doida, nem foi acompanhar a internação da Lídia!
NECO: Quando a gente saiu de lá já era tarde. Ônibus não tinha mais, taxi não pega estrada pra cá por causa da buraqueira.
AMANDA: A gente passou a noite numa joça de hotel. Tô toda moída!
SEBASTIÃO: Desembucha, Eva!
EVA: (casual) Ai, eu não me senti bem. Não queria ver a Lídia sendo trancafiada naquele lugar. Cheguei em casa, tomei uns remédios e apaguei. Acordei cedo e fiz um café da manhã reforçado.

Eva aponta para a mesa da copa, repleta de delícias: bolos, pães, queijos, algumas jarras com suco e outras com leite fumegante. Um farnel suficiente para alimentar um exército. Os três olham para tudo aquilo, incrédulos.

EVA: Vão! Vão comer! Eu vou me arrumar pra ir à missa!

CORTA PARA:

CENA 21. IGREJA DA SALVAÇÃO. SALÃO. INTERIOR. DIA

Finalzinho de missa. Fiéis comungando. Eva na fila para rebeber a hóstia. Um alvoroço começa perto da porta de entrada. Eva olha para trás. Dona Sofia acaba de entrar, toda estropiada, descabelada e mancando de uma perna. Eva solta um grito de horror. Sofia solta outro, ainda mais forte.

CORTA PARA:

FIM DO CAPÍTULO 04.




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