RAIO
LASER
NOVELA
DE DAVI VALLERIO E ALEX SPINOLA
ESCRITA
POR ALEX SPINOLA
CAPÍTULO
04
CENA
01. QUARTO EM LOCAL IGNORADO. INTERIOR. DIA
Continuação
imediata da última cena do capítulo anterior. Lauro em posição de defesa, diante
a misteriosa pessoa que calça botas cowboy de cano alto e salto carrapeta.
LAURO: Não chega perto de mim!
O olhar apreensivo de Lauro bota fim
no mistério: diante dele está CONRADO MOLINA, que exceto pelo espalhafato de suas
botas de cowboy com salto carrapeta, revela-se um senhor elegantíssimo, meio
afeminado, 62 anos. Conrado nota que mesmo estando pronto para o que der e vier
Lauro não desprega os olhos daquelas botas nada discretas.
CONRADO: Desculpe-me por essas botas.
Presente de um amigo que esteve no Texas. São assustadoras mesmo!
LAURO: Quem é você?
CONRADO: (estende-lhe a mão) Conrado
Molina! Prazer em te conhecer, Lauro!
LAURO: (ignora o cumprimento) Como é que
você sabe meu nome? Você tá junto com a Eva nisso?
CONRADO: A última Eva que conheci foi a
Perón! A elegância desmentia tudo o que falavam dela.
LAURO (ainda não se situou) Que
lugar é esse?
CONRADO: (sorrindo) Um quarto de hospital,
o melhor do Rio de Janeiro! Nós tivemos um encontro meio desastrado.
LAURO: (incrédulo) Rio de Janeiro?
CORTA PARA:
CENA
02. CIDADE DO RIO DE JANEIRO. EXTERIOR. DIA
No toca fita da Mercedes Benz
prateada de Conrado Molina toca "A DOIS PASSOS DO PARAISO" de
Blitz. O automóvel pela Avenida Atlântica. Conrado ao volante, Lauro no
banco traseiro, apreciando a cidade iluminada pelo sol, depois de ter vivido
seus dias de tormenta, e sobre essa imagem o falatório sem fim de ROGER, um
moreno de 30 anos, bem afetado, que está no banco do carona:
ROGER: (off) Menino, você deu um susto
danado na gente! Ficou uns dias apagado, eu até pensei: “esse daí não volta
mais!”. Você tem corpo fechado, hein garoto! Mas agora tá tudo beleza pura!
Você vai amar o apartamento do Conrado, melhor endereço de Copacabana, vista
panorâmica pro mar, dá pra enxergar a África pelas janelas da sala! Eu sou
secretário do Conrado, te contei, não?
CONRADO: (off, cortando) Ferme la bouche,
Róger, pelo amor de Deus!
CORTA PARA:
CENA
03. APARTAMENTO DE CONRADO. SALA. INTERIOR. DIA
Sala onde uma família de seis
pessoas viveria com folga. Muitas obras de arte, retratos genuínos de Joan
Crawford e Marilyn Monroe lado a lado com Conrado numa das inúmeras estantes.
Sofisticação e bom gosto por todos os lados. Roger e Conrado sentados diante
Lauro, que acabou de contar todos os seus dramas.
ROGER: Não disse que você tinha corpo
fechado, garotão? Não disse?
LAURO: Acho que tenho.
CONRADO: Você e suas crendices, Róger!
LAURO: Obrigado por tudo, Conrado!
Desculpe esse transtorno todo.
CONRADO: Sou eu quem deve se desculpar,
rapaz!
LAURO: Eu vou indo. Tenho uns amigos aqui
no Rio, da época de colégio, vou procurar por eles.
Conrado se levanta, circula a
poltrona onde Lauro está sentado e acaricia os ombros dele.
CONRADO: Mas não vai mesmo!
Lauro estranha o gesto. Roger faz
uma expressão que diz: “Pronto! Estava demorando”.
CORTA PARA:
CENA
04. CASA DOS JUAREZ. QUARTO DE LÍDIA. INTERIOR. DIA
Lídia e Amanda em conversa
adiantada. Lídia tem uma garrafa de vidro transparente nas mãos, cheia de um
líquido esverdeado.
AMANDA: Você vai ter coragem de tomar isso
aí? Será que funciona?
LÍDIA: Claro que funciona, o Lauro me
disse que experimentou uma vez... (para de falar, não quer lembrar-se dele)
funciona sim, eu sei que funciona!
AMANDA: Ah, o Lauro era fogo na roupa, vai
ver nunca experimentou e...
LÍDIA: Pelo jeito ele gostava de
experimentar de um tudo!
AMANDA: Você tá falando daquela marmota
toda lá na igreja?
LÍDIA: É claro! Se ele não tivesse culpa
no cartório, tinha se defendido. Ele que sempre gostou de um debate! Ele fugiu
e me largou aqui!
Amanda, tomada pelo remorso, pensa
em desovar toda a verdade para a amiga, mas o medo que tem de Eva a impedi.
LÍDIA: O que foi? O gato comeu a sua
língua, amiga?
AMANDA: (achando que teve uma grande
ideia) Por que você não foge também?!
LÍDIA: Fugir pra onde, Amanda? Essa
cambada de loucos iria me caçar até no inferno! Os capangas da fazenda me
seguem pra tudo quanto é lado!
AMANDA: Conversa com o Sebastião! Acho que
ele tem carinho por você, não iria te forçar.
LÍDIA: Ele tem carinho pelo dinheiro, só
isso! Ele sabe que a eleição tá no papo, mas precisa do sobrenome do Neco pra
conseguir mais apoio. Um bando de gente aqui não vai com as fuças do Sebastião.
Política é assim, Amanda!
AMANDA: E você vai tomar esse treco
quando?
LÍDIA: Hoje à noite! Vai ter reunião do
partido aqui casa! Aposto que vão falar do maldito casamento! Aconteça o que
acontecer, você não abra essa boca, viu?
Amanda faz que sim.
CORTA PARA:
CENA
05. APARTAMENTO DE CONRADO. TERRAÇO. EXT. ANOITECER
Bela paisagem. O Sol se pondo no
horizonte da praia de Copacabana. Conrado esparramado numa espreguiçadeira.
Lauro recostado na mureta do terraço, apreciando. Na vitrola tocando "REVANCHE"
de Lobão.
CONRADO: E então, Lauro, você vai aceitar
minha proposta ou não?
Lauro se vira para Conrado, o
encara.
CONRADO: Nós passamos horas conversando.
Falei de todos os meus empreendimentos, é muita coisa pra um homem na minha
idade!
LAURO: E por que fazer isso por mim? Você
tem o seu amigo aí, o Roger...
CONRADO: O Róger é ótimo, mas não tem o
menor foco. Você tem potencial, eu saquei. Será sua chance de dar a volta por
cima.
LAURO: E de acabar com aquela desgraçada!
CONRADO: Vingança nunca foi a melhor
conselheira de ninguém!
LAURO: Isso só o tempo poderá dizer!
CONRADO: E por falar em tempo, de quanto
mais você precisa pra me responder? Seja claro, assim como eu fui ao dizer que
não existe nenhum interesse sexual em jogo. Deixei isso bem claro, não deixei?
LAURO: Deixou sim!
Roger chega e serve um Dry Martini
para Conrado.
CONRADO: Tempo é dinheiro, Lauro, não me
faça esperar!
LAURO: Eu aceito!
CORTA PARA:
CENA
06. CASA DOS JUAREZ. SALA. INTERIOR. NOITE
Amanda tensa, servindo salgadinhos
para um amontoado de CORRELIGIONÁRIOS ao redor de Sebastião e Neco. Beto serve
as bebidas.
CORTA PARA:
CENA
07. CASA DOS JUAREZ. QUARTO DE EVA. INTERIOR. NOITE
Eva sentada diante o espelho da
penteadeira. Olhar perdido. Ela se levanta bruscamente e começa a vasculhar o
maleiro do guarda-roupa. Encontra uma pequena caixa, abre e retira um retrato,
no qual vemos SIDNEY. Eva beija o retrato. E na sequência, outro com LAURO e
LÍDIA abraçados, felizes como são os enamorados da idade deles. Eva encara a
imagem. Uma lágrima furtiva lhe escorre pela face. Ela rasga o retrato ao meio,
separando o casal.
EVA: Nem meu, nem dela!
Ela faz mil pedaços da metade em que
Lídia está e joga dentro da caixa. E antes de jogar a metade de Lauro no mesmo
lugar a beija com ternura. Ela esconde a caixa no mesmo lugar e sai.
CORTA PARA:
CENA
08. CASA DOS JUAREZ. SALA. INTERIOR. NOITE
Eva por ali, fingindo ser a esposa
ideal. Sofia Emerenciana de olho nela, fazendo uma guerra muda de nervos. As
ESPOSAS e PARENTAS dos correligionários ao redor de Eva, paparicando. Ela
demonstra um interesse enorme no que elas tanto cacarejam. Padre Manoel por
ali.
EVA: (pensa) Bando de puxa-saco dos
infernos!
SOFIA: (aproxima-se de Eva) Eva, está
tudo a contento, mas olha, reserve um tempinho praquela nossa conversa, hein?
EVA: (sorriso falso, pensa) Tísica
desgraçada!
Num canto, Beto puxa Amanda pelo
braço.
BETO: Que cara é essa? Daqui a pouco a
bruxa da dona Eva vem te passar um sabão! Esqueceu o que ela falou mais cedo,
que queria todo mundo com dentes arreganhados?
AMANDA: Eu é que não vou ficar mostrando
as canjicas pra ninguém! Essa desgraçada só sabe arrancar o meu couro! Sai pra
lá, Beto, que eu tô atacada!
Amanda se afasta. Beto percebe que
Eva estava de olho na conversa deles, e trata logo de circular entre os
correligionários que só pensam em comer e beber.
CORTA PARA:
CENA
09. CASA DOS JUAREZ. QUARTO DE LÍDIA. INTERIOR. NOITE
Lídia olha para a garrafa de vidro
transparente. Já tomou mais da metade daquele liquido esverdeado. Expressão de
quem já está noutra dimensão.
LÍDIA: Acho que agora chega.
CORTA PARA:
CENA
10. CASA DOS JUAREZ. SALA. INTERIOR. NOITE
Neco se aproxima de Eva e Sebastião.
NECO: Cadê a Lídia? Vamos anunciar esse
noivado ou não?
SEBASTIÃO: Vamos sim!
EVA: E o mais rápido possível!
SEBASTIÃO: (vai para o centro da sala) Meu
povo, sei que vai ser surpresa pra alguns de vocês, mas eu quero aproveitar
esse nosso encontro, pra dizer que essa noite eu sou um homem feliz por duas
vezes: primeiro que nossa vitória é garantida, o povo quer mudança e gente vai
mudar essa cidade, e segundo, eu quero dizer que Deus escreve certo por linhas
tortas, porque minha enteada tá ficando noiva do nosso amigo aqui, Neco
Brandão! E o casório é pra logo!
PADRE
MANOEL: Amém!
Neco radiante. O cordão dos
bajuladores a aplaudir. Dona Sofia aproveita para espicaçar.
SOFIA: Ué, mas cadê a noiva?
EVA: (alcança com o olhar) Amanda, vai
chamar a Lídia! A Lídia é tímida, gente.
Amanda já a obedecer a ordem da
megera, quando Lídia adentra a sala num estardalhaço só. Machado de lenhador nas
mãos.
LÍDIA: Tímida é a puta que o pariu, sua
vaca!!!
CORTA RÁPIDO PARA:
CENA
11. CASA DOS JUAREZ. VARANDA. EXTERIOR. NOITE
Gritaria e confusão. Correligionários,
suas esposas e parentes se acotovelando, espremidos na porta da saída. Clima de
salve-se quem puder! Vem do interior da casa um som de quebra-quebra. Pelas
janelas, podemos ver a silhueta de Lídia atingindo com o seu machado tudo o que
encontra pela frente. Padre Manoel, tropeçando na própria batina, atira-se
dentro de sua Brasília cacarecada. Sem pensar em ajudar uma única alma que
seja, dá partida e sai chispado.
CORTA PARA:
CENA
12. PRONTO SOCORRO DE TORRENTES. CONSULTÓRIO. INT. DIA
Lídia enfatiotada numa camisa de
força, incontrolável. Eva e Sebastião diante o médico, DOUTOR MIGUEL, 40 anos, que
consulta um livro guia.
SEBASTIÃO: Internação, doutor?! Esse livro tá
dizendo isso?
DOUTOR
MIGUEL: (ergue o
livro) Eu não preciso de livro pra confirmar nada, mas tá aqui: Surto
psicótico! Às vezes os parentes não notam os primeiros sintomas, explode assim,
de uma hora pra outra, depois de um trauma! E essa menina passou por um trauma
muito grande!
EVA: (sonsa) Passou mesmo!
DOUTOR
MIGUEL: A não ser que
a menina use alguma droga...
SEBASTIÃO: (agarra o médico pelos colarinhos)
O quê que o senhor disse? Nossa filha não usa droga nenhuma!
EVA: (puxando o marido) Você não ouviu
o que o doutor acabou de dizer, Bastião? Vai ver que a Lídia tem a mesma doença
do Sidney, só que tava incubada!
SEBASTIÃO: (recompondo-se) Isso é perigoso,
doutor?
DOUTOR
MIGUEL: E muito!
CORTA PARA:
CENA
13. PRONTO SOCORRO DE TORRENTES. RECEPÇÃO. INT. DIA
Neco
zanza de um lado para o outro, furioso. Num canto, Amada e Beto em conversa
discreta.
BETO: O quê?!
AMANDA: Acho que ela exagerou na dose. Eu
não entendo dessas coisas, sei lá.
BETO: É, o Lauro comentou comigo que
usou quando estudava lá no Rio de Janeiro, disse que se abusar, é viagem sem volta!
Sebastião e Eva chegam com a
notícia.
EVA: (decretando) Vai ter que internar!
NECO: O quê?!
CORTA PARA:
CENA
14. ESTRADA DE TERRA. EXTERIOR. TARDE
Uma ambulância se sacolejando toda
pela estrada empoeirada. A caminhonete preta de Sebastião logo atrás, que passa
por uma placa onde se pode ler: ALECRIM, 30 km.
CORTA PARA:
CENA
15. FACHADA CLÍNICA PSIQUIÁTRICA ALECRIM. EXT. ANOITECER
Ambulância estacionada na rua.
ENFERMEIROS da clínica empurrando Lídia numa maca. Amanda acompanha o translado
da amiga, aos prantos. Neco e Sebastião dirigindo-se para a porta de entrada.
Eva paralisada na calçada, olhar perdido na placa que identifica a clínica.
SEBASTIÃO: (chama, apressado) Vem, Eva!
Ela começa a se tremer toda, faz que
não, entra na caminhonete, dá partida e sai cantando pneu. Sebastião e Neco
ficam ali, sem entender nada.
CORTA PARA:
CENA
17. ESTRADA NOS ARREDORES DE TORRENTES. EXT. NOITE
A caminhonete preta de Sebastião a
toda velocidade passa por uma placa onde se pode ler: TORRENTES 1 km. Eva ao
volante, transtornada. À sua frente, surge dona Sofia em sua mobilete.
CORTA PARA:
CENA
18. CAMINHONETE PRETA. INTERIOR. NOITE
Eva ao volante percebe a
indefectível mobilete de Sofia.
EVA: Vou dar um susto nessa velha
chantagista que ela vai se cagar toda!
Eva troca a marcha, desliga os
faróis e pisa no acelerador.
CORTA PARA:
CENA
19. ESTRADA NOS ARREDORES DE TORRENTES. EXT. NOITE
Em sua mobilete, Sofia percebe a
caminhonete preta vindo em sua direção. Buzina freneticamente. Caminhonete
preta se aproxima e bruscamente gira num cavalo de pau. Uma nuvem de poeira se
forma, Sofia perde o controle e mergulha numa ribanceira. Eva salta, olha ao
redor e aos poucos percebe o que fez.
EVA: Será que eu matei essa velha
desgraçada?!
Eva zanza por ali por algum tempo,
olha para a ribanceira, mas não consegue enxergar nada. Desiste. Entra na
caminhonete preta, dá partida e vai embora.
CORTA PARA:
CENA
20. CASA DOS JUAREZ. SALA. INTERIOR. MANHÃ
Sebastião, Amanda e Neco chegando.
Todos com aquela cara de quem teve uma noite do cão.
SEBASTIÃO: (aos berros) Eva?! Eva?!
Eva vem da cozinha vestida à La
Amélia, a rainha do lar. Avental na cintura e bandeja com suculentos pedaços de
bolo de fubá. Os três ficam atônitos. Amanda esfrega os olhos, pra enxergar
melhor.
AMANDA: Dona Eva?!
SEBASTIÃO: Que diabo te deu, mulher? Saiu de
lá feito uma doida, nem foi acompanhar a internação da Lídia!
NECO: Quando a gente saiu de lá já era
tarde. Ônibus não tinha mais, taxi não pega estrada pra cá por causa da
buraqueira.
AMANDA: A gente passou a noite numa joça
de hotel. Tô toda moída!
SEBASTIÃO: Desembucha, Eva!
EVA: (casual) Ai, eu não me senti bem.
Não queria ver a Lídia sendo trancafiada naquele lugar. Cheguei em casa, tomei
uns remédios e apaguei. Acordei cedo e fiz um café da manhã reforçado.
Eva aponta para a mesa da copa,
repleta de delícias: bolos, pães, queijos, algumas jarras com suco e outras com
leite fumegante. Um farnel suficiente para alimentar um exército. Os três olham
para tudo aquilo, incrédulos.
EVA: Vão! Vão comer! Eu vou me arrumar
pra ir à missa!
CORTA PARA:
CENA
21. IGREJA DA SALVAÇÃO. SALÃO. INTERIOR. DIA
Finalzinho de missa. Fiéis
comungando. Eva na fila para rebeber a hóstia. Um alvoroço começa perto da
porta de entrada. Eva olha para trás. Dona Sofia acaba de entrar, toda
estropiada, descabelada e mancando de uma perna. Eva solta um grito de horror.
Sofia solta outro, ainda mais forte.
CORTA PARA:
FIM
DO CAPÍTULO 04.
Baixe a trilha sonora RAIO LASER Nacional (clique na capa)
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