Pedi ao querido Bruno Fracchia que evidenciasse as suas impressões sobre o capítulo de estréia de Joia Rara. Ele topou. Desde já o agradeço. Confiram!
Não bastasse contar no elenco com as musas da
minha vida (Cláudia Ohana, Letícia Spiller e Mariana Ximenes), as lindas e
envolventes chamadas de “Joia Rara” me levaram a me programar para estar em
casa em condições de assistir ao primeiro capítulo da novela. Não me arrependi.
Quem estuda a telenovela brasileira, sabe que há alguns “marcos zeros”: 24599 Ocupado” , “Beto Rockfeller”, “Guerra dos Sexos”, “Pantanal” são alguns exemplos. Sem receio do equívoco, tenho convicção de que “Joia Rara” entra para esta seleta lista.
“Marcos zeros” evidentemente são conceitos
didáticos para facilitar estudos e que, em geral, são o ápice de uma construção
que já se desenhava: antes de “Beto Rockfeller”, por exemplo, a novela “Antônio
Maria” já apresentava personagens populares em papel de destaque e linguagem
cotidiana. Mas o que se desenhava explodiu na mítica novela da TV Tupi. Logo,
“Marcos zeros” são mais do que necessários e contém seus méritos únicos.
Da mesma forma, em “Avenida Brasil” e “Cordel Encantado” a imagem televisiva próxima da estética audiovisual, com primoroso trabalho de luz e enquadramentos fora do habitual já foram utilizados. No entanto, este primeiro capítulo de “Joia Rara” (não por acaso obra com direção geral da diretora de “Avenida Brasil e “Cordel Encantado” e escrita pela dupla de autoras da segunda trama) potencializou demais este recurso, dando condições para que esta obra seja considerada um novo marco zero!
O que vimos no primeiro capítulo de “Joia Rara”
foi o maior exemplo já visto na televisão brasileira de hibridização de
linguagens (É cinema? É vídeo?), ficando firmemente “terreno na
desterritorialização” de linguagens.
Os estudos acadêmicos e críticas bem
fundamentadas sobre telenovelas felizmente vem aumentando. No entanto,
desconheço algum que trate da evolução da imagem na telenovela e da análise do
trabalho da direção. Que alguém num futuro breve se atreva a esta tarefa!
Através de enquadramentos já existentes em
“Avenida Brasil” e também apresentados no capítulo de hoje, Amora Mautner se
afirma como uma diretora da linhagem de um Walter Avancini: ambos trabalham num
produto “fabricado em série”, mas nem por isso deixam de imprimir marcas
autorais!
Os anos 80 testemunharam o retorno da telenovela
aos estúdios, deixando pouco espaço para a linguagem imagética. Já os anos 2000
viram a quase total exclusão dos temas políticos. “Joia Rara” em seu primeiro
capítulo aponta com força e esperanças para esta saída da camisa de força dos
estúdios, a revitalização da linguagem plástica do produto televisivo e a volta
dos temas políticos (através da existência de personagens inseridos no
Movimento Operário do início do século).
Gênero não se reinventa Gênero se renova. Na televisão, assim como no cinema e no teatro, tentativas pretensiosas de reinventar os gêneros sempre fracassam quando partem para a ignorante negação de tudo o que já foi feito. Nega-se uma estética anterior a um dado período, por exemplo, mas retornando a conceitos de períodos ainda mais antigos para se propor algo novo (no sentido de revitalização). Desta dialética necessária é que poderá surgir uma síntese a apontar para o futuro: a fotografia e a direção de pouco valeriam se não houvesse no ar uma trama com elementos clássicos de telenovela (tanto que os olhos deste escriba lacrimejaram quando o casal protagonista – Bianca Bin e Bruno Gagliasso (nosso Al Pacino brasileiro – pelo tamanho e pelo talento) se encontraram.
Falando em hibridizações, a última novela das
18h com potencial para às 21h foi “Força de um Desejo” (há 13 anos).
“Joia Rara” rasga também esta divisão, necessária comercialmente, mas do ponto
de vista estético empobrecedor. Um elenco de horário nobre (Marcos Caruso,
Nelson Xavier, Reginaldo Faria, José de Abreu, Nicete Bruno e Ana Lúcia Torre,
entre outros, estão entre os melhores intérpretes do país) numa trama com
história e imagem para ocupar o posto do produto mais visto da televisão
brasileira.
Por fim, saindo do formalismo das análises críticas, “Joia Rara” me lembra aquelas novelas que me fizeram ter vontade de ser ator e sonhar em estar no casting. Falando em casting, Letícia Spiller como uma verdadeira “Ingrid Bergman” dos trópicos é para hipnotizar qualquer um. Não quero nem ver quando Mariana Ximenes entrar no ar. Ou melhor, quero ver sim! Vida longa a “Joia Rara” (que, desde já, aposto que será estendida). E a todas as novelas que trilharem o caminho inaugurado com competência por esta preciosidade.
Bruno Fracchia é ator, dramaturgo, produtor, mas antes de tudo isso,
noveleiro. Formado em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo, estudou com
Aguinaldo Silva, sendo um dos criadores da sinopse da telenovela "Fina
Estampa". Atualmente, Fracchia está em cartaz com o espetáculo
"Algumas Histórias", obra-homenagem ao ator Paulo José, escrita,
produzida e interpretada por ele.
*Postado hoje (16/09, às 22:58), mas com data retroativa, por questões de programação.