domingo, 1 de janeiro de 2012

2011: UM PAINEL TELEDRAMATÚRGICO

Por E. Felipe

Como diz o velho chavão, ano novo vida nova. Nada melhor que fazer um balanço do ano anterior, sopesando acertos e erros, a fim de direcionarmos nossos objetivos e metas para o ano seguinte: que tal fazer o mesmo em relação às novelas e seriados de 2011, o ano em que festejamos os 60 ANOS DE TELENOVELA?

O ano de 2011 começou com o fim. Isso mesmo, na primeira semana do ano acompanhamos o desfecho da novela das 21 horas PASSIONE, de Sílvio de Abreu, que amargou índices de audiência ainda menores que a antecessora Viver a Vida e finalizou com a menor média geral do horário nobre. A produção somente despertou o total interesse do público após a metade, ao deflagrar de vez a trama policial (quem matou Saulo, personagem de Werner Schünemann), atingindo incríveis picos de 58 pontos. A antagonista Clara (Mariana Ximenes) era sua assassina, numa vingança contra o homem que dela abusou sexualmente na infância. Apesar do mau desenvolvimento em geral, Passione teve um desfecho bem realizado: as disputas empresariais na Metalúrgica Gouveia e os conflitos familiares da poderosa família, que pareciam indicar a solução do crime, eram, na verdade, mero pano de fundo para a verdadeira história da novela, a pedofilia de que Clara fora vítima. Marcante a cena final com close na vilã, impune, numa praia do Pacífico, ao som de seu tema “Fogo e Gasolina”. Merecidamente, Mariana Ximenes faturou o Troféu Imprensa de melhor atriz de 2010. Toni Ramos, por seu íntegro e apaixonado Totó, também recebeu o Troféu Imprensa.

Já às 19 horas, TI TI TI fez bonito junto ao público e à crítica: o remake misto de Ti Ti Ti de 1985 e Plumas e Paetês de 1980, escrito por Maria Adelaide Amaral, conquistou com fervor os telespectadores, que se deliciaram com a rivalidade entre os costureiros Jacques Leclair (Alexandre Borges) e Victor Valentim (Murilo Benício) e com os enlaces amorosos de Edgar (Caio Castro) e Marcela (Ísis Valverde). Com um texto irreverente e inteligente, Ti Ti Ti usou e abusou de referências televisivas, brincando com a metalinguagem, homenageando a obra de Cassiano Gabus Mendes, e a própria teledramaturgia em geral. Destaque para Cláudia Raia, em grande momento televisivo como a divertida Jaqueline Maldonado, e para o tratamento bem realista dos personagens homossexuais Julinho (André Arteche), Osmar (Gustavo Leão) e Thalles (Armando Babaioff), mesmo com as limitações impostas ao horário, sem caricaturas. Ti Ti Ti recebeu diversos prêmios, entre os quais o Troféu Imprensa de Melhor Novela de 2010 e APCA de melhor ator para Murilo Benício.

Gilberto Braga, em mais um parceria com Ricardo Linhares, procurou se afastar do universo da elite, que o consagrou, retratando relações familiares inseridas num contexto da classe média em INSENSATO CORAÇÃO. A novela teve um início irregular, com um casal protagonista pouco convincente e de química duvidosa, e uma avalanche tramas e  personagens que apareciam e sumiam repentinamente. A grande atração, Norma (Glória Pires), a mulher apaixonada e enganada pelo psicopata Léo (Gabriel Braga Nunes), era deixada em segundo plano, enquanto o novelo de tramas supérfluas, triângulos amorosos desinteressantes e personagens fugazes dominavam. A novela engrenou quando Norma foi posta em liberdade e arquitetou a vingança contra o algoz Léo, culminando em um final trágico para ambos. Destaque para os coadjuvantes que conquistaram o público, como Tia Neném (Ana Lúcia Torre em ótimo momento), Natalie Lamour (Deborah Secco), Jandira (Cristina Galvão), Eunice (Debora Evelyn) e o cômico casal Bibi e Douglas (Maria Clara Gueiros e Ricardo Tozzi). Herson Capri foi o grande nome masculino, brilhando como o corrupto banqueiro Horácio Cortez. E Cristiana Oliveira, em impactante atuação e caracterização, impressionou a todos como a ameaçadora detenta Araci. Insensato Coração também marcou com a abordagem da homofobia, inclusive retratando com chocante realismo o assassinato de um jovem homossexual pelo violento pitboy Vinícius (Tiago Martins). Rendeu, ainda, APCA de melhor atriz para Glória Pires e melhor ator para Gabriel Braga Nunes.

Primeira novela das 18 horas exibida com tecnologia High Definiton (HDTV), ARAGUAIA apresentou belas paisagens naturais da região banhada pelo rio que deu título a trama. Walter Negrão procurou fazer um retrato contemporâneo do local, em que tradição e progresso coexistem, mostrando o ecoturismo, helicópteros e jet skis convivendo com a flora e a fauna e as populações nativas. Foi indicada ao Emmy, tendo perdido para a produção portuguesa Laços de Sangue, oriunda da parceira entre a SIC e a Rede Globo.

O humor sofisticado de Ti Ti Ti foi substituído pelo farsesco e pueril estilo de Walcyr Carrasco: o autor tentou abordar temas pouco explorados como cibernética e arqueologia, mas o tiro saiu pela culatra, haja vista a rejeição aos dinossauros e robôs, objetos principais de MORDE E ASSOPRA. A solução foi modificar completamente o entrecho: Morde e Assopra transformou-se num típico e clichê dramalhão açucarado; a simplória e sofrida Dulce, numa interpretação comovente de Cássia Kis Magro, foi elevada à categoria de protagonista com a manjada trama da mãe pobre e batalhadora rejeitada pelo filho ambicioso, angariando maciça audiência. Dessa forma, a inicialmente problemática Morde e Assopra deu a volta por cima, tornando-se um expressivo sucesso de público. Na aresta cômica, André Gonçalves divertiu o público com o gay afetadíssimo Áureo, e seu tema musical, "Rabiosa", de Shakira, foi hit de 2011.

CORDEL ENCANTADO, com bela fotografia e direção de arte cinematográficas, literalmente encantou o público e a crítica especializada: a fábula que unia universos tão distintos como a realeza europeia e o cangaço do sertão nordestino recebeu os mais diversos elogios, fez bonito na audiência das 18 horas e faturou o APCA de melhor novela de 2011. Apesar da incontestável qualidade, Cordel Encantado não foi uma novela perfeita, padecendo de alguns problemas, como atores que não acertaram o tom e a trama que andava em círculos, repetindo-se constantemente. Mas a apurada direção; atores consagrados como Zezé Polessa, Marcos Caruso e Osmar Prado em incríveis atuações e a criativa proposta de Duca Rachid e Thelma Guedes fizeram de Cordel Encantado uma joia rara, uma preciosidade muito bem lapidada. 

Uma novidade surgiu na grade global: a criação de mais um horário dedicado à teledramaturgia, a novela das 23 horas, dedicado precipuamente à releitura de clássicos do gênero. Coube a Alcides Nogueira estrear em grande estilo a faixa com o remake da novela O ASTRO, de Janete Clair. Menor duração, pouca ou nenhuma intervenção da classificação indicativa, um texto ágil e ousadas cenas permitiram que O Astro arrebatasse o público notívago, alcançando ótima audiência e opiniões positivas por parte da crítica. Regina Duarte, estonteante como a passional Clô Hayalla, deu o que falar com sua carregada interpretação: amada pela maioria, criticada por alguns, foi uma grande não só de O Astro, como do ano de 2011, não havendo quem ficasse imparcial diante de sua composição (a atriz recentemente foi contemplada com o Troféu Mário Lago). Fernanda Rodrigues,  a romântica Jose e Aline Morais, a bela e cheia de atitude suburbana Lili, também se sobressaíram, assim como a revelação Plábio Sanábio, que fez o bordão do divertido cabeleireiro Pablo cair na boca do povo ("Pronto, falei, tô leve").

FINA ESTAMPA mirou no óbvio e no humor escrachado às 21 horas, afastando-se do tom dramático característico da faixa, havendo quem apontasse a novela de Aguinaldo Silva como um típico folhetim das 19 horas apresentada às 21. E acertou o alvo, pelo menos no quesito audiência: a novela, idealizada especialmente para a nova classe média, vem alcançando fácil e regularmente os almejados 40 pontos exigíveis da faixa, algo que as últimas três novelas do horário custaram a conseguir. Lília Cabral, com sua primeira protagonista em novelas, a íntegra e batalhadora Griselda, apelidada de Pereirão, ganhou a torcida do público, chegando a estampar a capa da conceituada Revista Veja. E o polêmico Aguinaldo Silva, já conhecido pela sua língua ferina, gaba-se quase que diariamente via twitter do sucesso de sua obra.
 


Após a fábula de Cordel Encantado, coube à estreante Lícia Manzo retratar o realismo das modernas relações familiares às 18 horas com A VIDA DA GENTE. Com muita sensibilidade, a autora constrói um denso folhetim, dotado de um apurado texto - por vezes lírico - e personagens muito humanos e bem delineados, retratados com perfeição na tela pela cinematográfica direção de Jaime Monjardim. Ana Beatriz Nogueira vem roubando a cena, transbordando energia e emoção com a temperamental Eva, que idolatra uma das filhas e despreza a outra. Gisele Fróes, como a opressora e amarga treinadora de tênis Vitória, também garante ótimas cenas. Interessante o estilo um tanto feminista do texto de Lícia Manzo, em que as mulheres, fortes e cheias de personalidade, dominam a cena, se sobrepondo aos homens, geralmente passivos e acomodados.


A última estreia global de 2011 foi AQUELE BEIJO, em outubro: após o fracasso de Negócio da China às 18 horas, Miguel Falabella voltou ao horário em que colheu bons frutos com Salsa e Merengue e A Lua me Disse. O autor construiu bons tipos surrealmente divertidos e teceu um texto cômico deliciosamente sofisticado e repleto de espertas tiradas, mas pecou na construção da história em si. Aquele Beijo não possui uma estrutura folhetinesca muito atraente: as situações são um tanto repetitivas e os ganchos nem sempre são convidativos, de forma que a trama, bem genérica, carece de mais substância. A abertura, formada por imagens de diversos beijos marcantes das novelas, chamou a atenção. Giovana Antonelli esbanja talento e carisma como a protagonista Cláudia e Marília Pêra mostra-se impecável e cheia de presença na pele da antagonista Maruschka.

Fugindo da tradicional opção de reprisar novelas recentes, o Vale a Pena Ver de Novo resgatou o grande sucesso de 2001/2002 escrito por Glória Perez, O CLONE: o amor impossível entre  a muçulmana Jade e o ocidental Lucas, e o drama da taxicômana Mel  reergueram a faixa do fracasso deixado pela antecessora Sete Pecados. A reprise tornou-se a novela mais longa da atração (175 capítulos, empatando com a reprise de Plumas e Paetês, em 1983). Avançando no túnel do tempo, o Vale a Pena Ver de Novo, após O Clone, apostou na re-reprise de um clássico de Ivani Ribeiro, MULHERES DE AREIA, de 1993: as gêmeas idênticas de personalidades opostas têm conquistado índices aceitáveis de audiência e são assunto quase que diário nos TT's (Trend Topics) do Twitter. A fim de evitar problemas com a classificação indicativa, a abertura sofreu alterações (efeitos visuais e formato widescreen), camuflando-se a nudez de Mônica Carvalho, sob o argumento de que não se coadunava com os padrões morais vigentes no País.

Em termos de séries, 2011 começou com a sensível e madura AMOR EM QUATRO ATOS, quatro histórias baseadas em canções de Chico Buarque. Na comédia, tivemos as seguintes atrações: o humor corrosivo de Fernanda Young em MACHO MAN, com hilária parceira entre Jorge Fernando e Marisa Orth; a bem realizada adaptação para a TV do filme DIVÃ, protagonizada pela requisitada Lília Cabral; a mal sucedida BATENDO PONTO; a elogiada TAPAS E BEIJOS, eficiente humorístico popular que conquistou sem precisar cair no populacho fácil, contando com as ótimas Andéa Beltrão e Fernanda Torres; e LARA COM Z, spin-off da minissérie de 2009, Cinquentinha, que, ao contrário das expectativas do autor, Aguinaldo Silva, não obteve os índices desejados de audiência.

A teledramaturgia realizada fora da Rede Globo também merece menção, seja positiva, seja negativamente. Na Record, em maio de 2011, após sucessivos esticamentos e descontentamento até mesmo de integrantes do elenco, chegou ao fim a longa RIBEIRÃO DO TEMPO, abrindo caminho para VIDAS EM JOGO, que explora temas polêmicos como AIDS e transexualidade (Denise Del Vecchio, como a transexual Augusta, vem arrancando elogios). A emissora investiu também em teledramaturgia voltada para o público jovem com a adaptação da versão mexicana de REBELDE pelas mãos de Margareth Boury, a qual em razão de problemas com audiência, constantemente mudou de horário na grade da emissora.

O SBT finalizou a reprise de A HISTÓRIA DE ANA RAIO E ZÉ TROVÃO em abril, que, em razão de bons índices de audiência, teve sua reexibição prolongada, fechando com mais 07 capítulos do que a exibição original, totalizando 258. AMIGAS E RIVAIS, de Letícia Dornelles, curiosamente vem apresentando cenas inéditas em sua atual reexibição, originariamente vetadas entre 2007 e 2008. Já em termos de novela inédita, AMOR E REVOLUÇÃO, lançanda com grande alarde e intensa propaganda, pode ser considerada a grande bomba do ano: o texto extremamente didático de Tiago Santiago, a direção inconsistente e as diversas cenas de violência e tortura afugentaram o público, a ponto de a produção obter audiência inferior a das reprises vespertinas. Digno de nota o comentado beijo lésbico entre as personagens de Gisele Tigre e Luciana Vendramini.

O Canal Viva deu continuidade à sua programação saudosista na TV paga: VALE TUDO foi um verdadeiro fenômeno das redes sociais (especialmente no microblog Twitter) e da própria TV por assinatura, levando o canal à liderança absoluta. Sua substituta, ROQUE SANTEIRO, contudo, não conseguiu segurar as rédeas, derrubando a audiência do horário, provavelmente pelo fato de ser uma novela “desgastada” (duas reprises e o recente lançamento em DVD pela Globomarcas). À tarde, VAMP, cultuada novela vampiresca dividiu opiniões – houve quem se deliciasse com o clima trash da comédia de terror, e quem se decepcionasse, traído pela memória afetiva, apontando-a como ultrapassada. O REI DO GADO, a despeito de liderar entre os canais adultos na TV paga, não causou muito barulho entre os noveleiros de plantão nas redes sociais. Já as suas substitutas vespertinas, BARRIGA DE ALUGUEL (estreando tramas das 18 horas no canal) e TOP MODEL, iniciadas em dezembro, tiveram bem melhor aceitação, ganhando, inclusive, horário alternativo nas madrugadas. 

Variadas minisséries voltaram no Viva em 2011, recentes (O QUINTO DOS INFERNOS, de 2002) e antigas (ANOS DOURADOS, de 1986). Houve espaço para minisséries consagradas (DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS, A MURALHA, ANOS DOURADOS, ANOS REBELDES, AGOSTO, re-reprise de DESEJO) e outras menos lembradas (SEX APPEAL, A.E.I.O...URCA e CONTOS DE VERÃO). A grande sensação do horário foi LABIRINTO, ousada minissérie de Gilberto Braga, exibida em 1998, jamais reprisada na TV aberta nem lançada em DVD, sendo a única até o presente momento a estampar os TT’s.


 E para vocês: quais os fatos mais marcantes da teledramaturgia em 2011? E quais as expectativas para 2012?

7 comentários:

  1. Uau, Lipe, que trabalho excelente! Uma retrospectiva pra ninguém botar defeito, coisa de profissional. Este ano, se não foi rico em qualidade de dramaturgia, pelo menos foi em variedade, com novelas peara todos os gostos. Se por um lado a mentalidade dos homens de TV encaretou, por outro, amadurecemos a discussão sobre assuntos urgentes e ainda experimentamos novas formatos de novela. Um ano emblemático para o produto telenovela.

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  2. Texto excelente! Parabéns Emerson! :)

    Depois de tão boa análise, só me resta dizer que 2011 foi Fogo (Pra não dizer fo**)

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  3. Adorei Emerson, vc escreve mt bem e traduziu com louvor o nosso ano televisivo, concordo com vc, espero que o ano de 2012 seja igual ou melhor que 2011, nós telespectadores agradecemos...Bjs

    Pode contar comigo sempre!

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  4. ótima revisão e pude constatar que a gente reclama muito o ano inteiro , mas sempre tem novela boa pra gente ver...é uma pena mesmo essa censura fora de época....Adorei programas como o amor em 4 atos, em especial, o do Malvinão com a Estiano e a novela do ano , pra mim, Insensato Coração. Macho man e Tapas e beijos, que em início eu nao curtia, também foram programas que eu sempre acompanhei pra mim o lado mais chato foi o tal Cordel Encantado que não me prendeu mesmo... mas por vezes é bom por que a gente que é viciado fica muito preso em casa.

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  5. Esse garoto é o futuro Flávio Ricco!
    Mandou bem Lipe, adorei sua retrospectiva.

    Abs
    Fábio
    www.ocabidefala.com

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  6. Muito bom seu texto, Felipe. 2011 foi um ano enigmático para as novelas e o ano em que eu estive mais distante delas. Me deliciei com Vale Tudo, uma novela fora de série. Lembro que, mesmo quando eu tinha a possibilidade de acompanhar a trama ao meio dia, eu não queria esperar e, morrendo de sono, via as 00:45h mesmo. No momento só acompanho A Vida da Gente, espero voltar a ser noveleira, pois sou nostálgica dessa sensação de adorar novelas.

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  7. Texto muito bem elaborado, com muitas informações. Adorei. Foi uma ótima retrospectiva do blog.
    Lucas - www.cascudeando.zip.net

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