Por Daniel Pilotto
Eu devo confessar que a minha postagem de hoje seria outra,
falaria sobre um tema relacionado a novelas como sempre faço. Mas algo me fez
mudar de ideia na última hora e resolvi usar este espaço para defender algo que
acho muito importante neste momento.
Como todos sabem o canal VIVA já está escolhendo a
substituta de RAINHA DA SUCATA no horário da meia noite. Mas, como o canal
sempre apronta das suas, desta vez eles resolveram fazer com que o público vote
na próxima trama a ocupar a vaga da novela de Sílvio de Abreu. As concorrentes
são ÁGUA VIVA (1980), O DONO DO MUNDO (1991), FERA FERIDA (1993) e A INDOMADA
(1997).
Esta votação seria normalíssima se as outras concorrentes
fossem tramas dos anos 70 ou 80 como o canal sempre fez questão de deixar claro
ao criar o horário da meia noite “apenas novelas anteriores a 1990”. É claro
que o público, com seus desejos e vontades cai sempre como um patinho nestas
balelas criadas apenas para confundir e esconder os reais motivos das exibições
do canal.
Por isto resolvi escrever sobre a novela que acho que deve
ocupar o horário e assim manter a continuidade das exibições dos chamados
clássicos da TV.
ÁGUA VIVA foi a novela seguinte de Gilberto Braga após o
fenômeno DANCIN’ DAYS (1978). Como na anterior o autor precisou de um elemento
que desse um charme e uma identidade característica, uma cara para a trama. Portanto
saíam as discotecas e a vida noturna carioca e entravam em cena o mar, os
barcos e os dias ensolarados do Rio de Janeiro do começo da nova década.
A história é aparentemente simples e trabalha com
personagens bastante identificáveis. Mas desta vez Gilberto Braga estava mais
afiado no estilo, e o dramalhão da antecessora dava lugar a uma trama mais ágil
e cheia de acontecimentos.
Basicamente a história é centrada nos irmãos Miguel (Raul
Cortez) e Nelson Fragonard (Reginaldo Farias). O primeiro um conceituado e bem
sucedido cirurgião, casado com Lucy (Tetê Medina) e pai de Sandra (Glória
Pires) e o segundo um bon vivant que vive de algumas poucas rendas e que sempre
se mete em negócios furados. Miguel não vê com bons olhos a vida flutuante do
irmão e quase sempre os dois estão às turras.
A partir da história dos dois surgem os outros personagens
da trama que se interligam de alguma maneira com a vida de ambos.
Um exemplo é Maria Helena (Isabela Garcia) uma criança órfã de
apenas oito anos que vive num orfanato da Ilha do Governador. Desamparada pela
própria sorte ela conta apenas com a ajuda de Sueli (Ângela Leal), uma modesta
comissária de trem que está sempre ali para visitar e levá-la para passear.
Sueli era amiga da mãe de Maria Helena e conhece a identidade do pai da menina,
e fará de tudo para que os dois se encontrem, mesmo acreditando que ela não tem
um bom pai.
Na outra ponta da novela está Lígia (Betty Faria) a síntese
da mulher borboleta que o autor usaria em diversas outras tramas. Mulher
ambiciosa que deseja se ver flanando no “soçaite” carioca e que acredita
piamente que o jogo dos interesses é o que move as peças adiante. Casada pela
segunda vez, se vê numa crise que resulta na sua separação, o marido não aguenta o que considera futilidade e sai de casa. A partir daí seu mundo e sua
ascensão começam a declinar. Se dinheiro ela faz o que pode para ainda
continuar na vida que levava.
Maria Helena e Lígia irão se encontrar em algum momento desta
trama. E mais ainda, o caminho das duas também vai ao encontro dos irmãos
Fragonard. Lígia conhece Nelson num dia péssimo para ambos e este é o mote
inicial de um romance avassalador. Ela quer mais do que ele pode dar, e ele
vive às voltas com complicações causadas por pessoas erradas que cruzam seu
caminho.
Entre as idas e vindas de todo o bom folhetim a separação é
inevitável e no decorrer da novela ela se casa com o viúvo Miguel (um tanto por
interesse, um tanto por carinho), e adota Maria Helena após descobrir que a
menina é filha de seu grande amor, Nelson. É claro que antes de ser adotada por
Lígia ela passa por quase todos os cenários da novela, o que faz com que a
menina nunca consiga conceber o que é um verdadeiro lar.
No círculo social dos irmãos Fragonard transitam todos
aqueles personagens típicos e fascinantes das obras de Gilberto Braga. Um dos
dois maiores exemplos são Stella Simpson (Tônia Carrero) e Lourdes Mesquita (Beatriz
Segall), dois expoentes da sociedade carioca da trama e cada qual com suas
particularidades.
Stella é uma milionária excêntrica que tem sonhos de atuar no
teatro, sem perceber que seu dinheiro diminui a olhos vistos. Contando quase
sempre com a ajuda financeira do ex-marido Kleber (José Lewgoy) ela vive num
apartamento luxuoso ao lado do filho Bruno (Kadu Moliterno) que sempre lhe
chama atenção para suas extravagâncias.
Kleber é um homem que vive aparentemente de forma muito
digna e correta, mas aos poucos o público toma conhecimento de seu verdadeiro
caráter, ele é o principal responsável pela ruína de Nelson e no fim da trama
ainda se descobre que é o assassino de Miguel. Sim ÁGUA VIVA tem um dos “Quem
matou?” mais famosos da história das novelas.
Lourdes, outrora rica, hoje tem que se manter as custas de
uma empresa de organização de festas ao lado da filha Márcia (Nathália do
Valle), casada com Edyr (Cláudio Cavalcanti) um professor universitário.
Arrogante ela não perde a oportunidade de jogar na cara da filha o péssimo casamento
que ela fez, o que quase sempre resulta nas brigas constantes do casal.
Lourdes também vive em conflito com o filho Marcos (Fábio
Jr.) estudante de medicina que não gosta nem um pouco da forma preconceituosa e
elitista com que a mãe encara a vida. Ela sonha que o filho se envolva com
Sandra a romântica filha do médico Miguel Fragonard, pois só assim o rapaz terá
um futuro garantido.
Desencanado com o papo de diferenças sociais ele acaba se
apaixonando por Janete (Lucélia Santos) uma jovem batalhadora e de poucos
recursos financeiros, para desespero de Lourdes que arma coisas terríveis par
acabar com o romance dos jovens.
Janete vive com os pais Evaldo (Mauro Mendonça) e Vilma
(Aracy Cardoso) e a tia Irene (Eloísa Mafalda) num pequeno apartamento. A tia
trabalha para o médico Miguel Fragonard e é praticamente a responsável pelo
sustento da casa já que o irmão, um trambiqueiro de marca maior não consegue
parar em emprego nenhum. Janete tem vergonha da situação da mãe e do pai, e
principalmente de ter que depender da tia e tenta dar a volta por cima
trabalhando e estudando. Ela é uma das personagens mais corretas e emblemáticas
da novela, para se ter uma idéia consegue até se formar física nuclear!!!!
Gilberto Braga criou uma trama fascinante e rica em
personagens nada maniqueístas e situações para render muita novela, mas em
determinado momento precisou contar com a ajuda de um co-autor. Entrava em cena
então o experiente Manoel Carlos.
O autor vinha de novelas do horário das seis da tarde e teve
que se adaptar rapidamente ao ritmo de Gilberto Braga, aos seus diálogos ágeis
e coloquiais. Mesmo assim conseguiu alavancar mais a audiência boa que a novela
tinha e ainda acrescentar mais vida ao folhetim.
Outro destaque da novela era a direção de Roberto Talma e
Paulo Ubiratan, que davam às imagens da novela um charme todo especial, com
muitas externas mostrando as belezas do Rio de Janeiro. Existiam cenas
praticamente realizadas no mar, aliás, o mar era quase como um personagem da
trama, tamanho sua influência e presença na vida dos personagens. Os diretores
também souberam se utilizar de duas trilhas sonoras impecáveis para embalar as
cenas que criavam.
As trilhas sonoras de ÁGUA VIVA são um charme à parte. A
trilha sonora nacional concebida com maestria pelo produtor musical Guto Graça
Mello é com toda a certeza uma das melhores trilhas já feitas, com músicas
marcantes que ficaram no imaginário das pessoas que as ouviram na novela. Até
mesmo para quem não viu a trama ao ouvi-las irá reconhecer de imediato, pois
algumas são tocadas até hoje. Canções como “Sinal de Alerta” com Maria
Bethânia, “Altos e Baixos” com Elis Regina, “Vinte e Poucos Anos” com Fábio
Jr., “Realce” com Gilberto Gil, “Amor, Meu Grande Amor” com Ângela Rô Ro,
“Cais” com Milton Nascimento, “Wave” com João Gilberto, além da já clássica e
marcante “Menino do Rio” com Baby Consuelo. Era tão perfeita que o autor
Gilberto Braga questionou ser desnecessária a criação de uma trilha
internacional para que se mantivessem os temas nacionais até o fim.
Ainda bem que não lhe deram ouvidos pois a trilha
internacional é emblemática e trouxe verdadeiras pérolas da música romântica da
época como “Do That To Me One More Time” com Susan Case & Sound Around, “Ships”
com Barry Manilow, “Babe” com Styx, “Just Like You Do” com Carly Simon,
“Cruisin” com Smokey Robinson, além das dançantes D.I.S.C.O. com Ottowan e The
Second Time Around”com Shalamar. O cantor Jimmy Cliff que está na trilha com a
música “Love I Need” fez uma participação na novela numa das festas da história.
Alguns pontos da trama ficaram marcados até hoje na memória
dos telespectadores. Logo nos primeiros meses da trama a personagem Lucy (Tetê
Medina) morre na explosão de uma lancha. O acontecimento causou uma verdadeira
comoção diante o público, já que ela era uma mulher extremamente boa e correta,
que estava até pensando em adotar a pobre Maria Helena. O incidente foi uma das
grandes sacadas do autor, pois Miguel Fragonard o marido da personagem
precisava ficar viúvo e carente para movimentar a história, assim como Sandra a
jovem filha tinha que viver todas as contradições decorrentes do fato e começar
a questionar sua entrada na vida adulta, e Maria Helena voltar para a roda viva
de lares provisórios e adoções frustradas.
Mais tarde o próprio Miguel Fragonard é assassinado, a filha
entra em parafuso e a trama ganha um verdadeiro clima policial digno de livros
de Agatha Cristhie com vários dos personagens sendo considerados suspeitos do
crime, afinal estavam todos na casa de praia do médico numa ilha afastada. O
público tinha agora o trabalho de adivinhar os motivos dos principais
suspeitos.
Outro ponto que deu o que falar foi uma surra que Lígia dá
em Selma (Tamara Taxman) no banheiro feminino da casa de shows Canecão em plena
apresentação de Maria Bethânia. A cena representava uma ruptura no passado de
Lígia que acabava de descobrir que sua melhor amiga Selma havia lhe traído todo o tempo. A mesma
situação seria reproduzida pelo próprio Gilberto Braga anos depois na novela
CELEBRIDADE (2003) com as personagens Maria Clara e Laura.
Para terminar outro destaque interessante, a famosa cena de
topless nas areias do posto 9 em Ipanema. A personagens de Maria Padilha,
Glória Pires e Tônia Carrero quase foram agredidas pelas pessoas que estavam na
praia no momento da gravação e consideravam aquilo um absurdo, uma ousadia. A
cena deu tanto que falar que todo mundo já sabia de antemão e ficou ligado na TV no dia da exibição do capítulo.
Enfim, já dá para fazer uma breve ideia do que esta novela
tem de bom. Tentei dar uma pincelada na história, do que eu tinha de lembranças
na memória, do pouco que vi de um compacto muito editado que existe em dvds
vendidos por colecionadores e de dois livros que tenho com um resumo romanceado
da trama. Com isto quero lembrar o quanto esta novela é rara e da importância
de sua reprise. Uma trama assim, de 1980 abre um precedente que é a volta de
outras novelas tão raras quanto. A escolha desta trama por parte do público
representa a preservação do horário para a exibição das novelas mais antigas.
Portanto mesmo que você considere estranha a primeira vista ou desconhecida e
pouco atrativa, pense que seu retorno pode garantir que a próxima novela do
horário seja alguma outra antiga por qual você sempre sonhou conhecer.
Que maravilha de texto, praticamente um personalíssimo e chamativo dossiê sobre a novela Água Viva. Aguça ainda mais o desejo de assistir à produção e de se empenhar em prol de sua votação na enquete do canal Viva.
ResponderExcluirFera Ferida, O Dono do Mundo e A Indomada são muito boas também, cada uma ao se estilo, mas não as considero tão clássicas assim a ponto de ganhar reprise no horário da meia-noite. Encaixem-se melhor nos dois horários vespertinos. Ademais, são novelas de mais fácil acesso via DVD e internet do que Água Viva, com poucos registros.
Por fim, é importante que Água Viva venha a ser reprisada, já que trará de volta os anos 80 ao canal e quebrará paradigmas, sendo a mais antiga novela e a primeira anterior a 1985 a ser exibida pelo Viva.
Parabéns pelo texto e pela campanha, Daniel, continuemos na luta para trazer Água Viva de volta à TV, quase 30 anos após sua última exibição.
Obrigado Felipe, que bom que consegui aguçar mais ainda a vontade de conhecer esta trama maravilhosa!!!! Vamos continuar na luta que ainda temos muitos dias pela frente, e manter o horário para as tramas clássicas como sempre nos foi prometido!!!! É ÁGUA VIVA!!!!!!!!
ExcluirNa verdade ja sao 33 anos da sua exibicao.
ResponderExcluirMas eu me referi à última exibição dela na TV, sua última passagem: a reprise de 1984 no Vale a Pena Ver de Novo.
ExcluirEla estreou realmente há 33 anos, em 1980, mas foi vista pela última vez em 1984, no Vale a Pena Ver de Novo, 29 anos atrás (quase 30).
Grande texto! Sucinto, porém completamente inteligível e que nos faz ter não só curiosidade mas ânsia de rever (pros que são mais velhos!) esta obra-prima do não menos brilhante Gilberto Braga. E o que é melhor: num horário adequado para sua exibição! E que venham outras tantas desta mesma época e de anos anteriores também,por que não?
ResponderExcluirRicardo Anthonyo
Obrigado Ricardo!!!!! Sei que você também está na maior luta para que esta maravilha seja reprisada. E olha nós vamos conseguir, pode ter certeza!! O que é bom merece ser revisto!!!!!! E vamos manter o horário com os clássicos!!!!! Abraços!!!
ExcluirÉ isso aí, Daniel! Rumo à vitória! ÁGUA VIVA EM ENQUETE DURA TANTO BATE ATÉ QUE FURA!
ExcluirÁgua Viva é um clássico dos Anos 80 e vale muito a pena ver e rever de novo!!
ResponderExcluirOscar Gouldman
essa novela me fez ouvir novela na rádio....pois os melhores momentos eram transmitidos pela globo am...e eu viajei pra um lugar que não pegava globo kkkkk já escrevi um texto sobre a modernidade dessa novela...sou louco pra revê-la....amo o jeito que ele constrói as personagens...Janete, Lourdes e Stella HOffman...a tia que todos nós, crianças rikas( de alma) queríamos ter. Excelente escolha e minúncias, Daniel..... abraços.
ResponderExcluirEdu querido, você como sempre presente e trazendo sempre uma história boa sobre o assunto. Não fazia idéia que ela tinha sido transmitida em rádio também!!! abração!!!
ExcluirParabéns Daniel...belo texto,tudo bem explicado!Show!
ResponderExcluirObrigado Zilma, fico feliz que tenha gostado!!!!!!
ExcluirJá coloquei até no banner do meu blog o logo de "Água viva", já votei e espero que seja reprisada! Uma ótima oportunidade de acompanhar esse texto do Gilberto Braga!
ResponderExcluirwww.cascudeando.zip.net
Com toda a certeza será Lucas, vamos continuar votando e torcendo! Abraços!
ExcluirExcelente texto! Parabéns! Tenho uma página sobre preciosidades do passado (músicas, novelas, comerciais, aberturas, etc), vou fazer uma propaganda massiva nela para reprisarem "Água Viva". Chego a entrar em pânico com as outras opções, nenhuma delas deveria estar competindo. Seria mais justo colocar junto com "Água Viva" outras da mesma época, como "Os Gigantes", "Pai Herói", "Duas Vidas", "Feijão Maravilha", "Coração Alado", "Louco Amor", "Te Contei?", "O Grito", etc.
ResponderExcluirAbraço!
Depois do texto, torcendo com todas as forças por ÁGUA VIVA!
ResponderExcluirElias
ResponderExcluirexcelente maravilhoso texto, espero que todospensm assim igual a voçê e votem em agua viva
a indomada, o dono do mundo e fera ferida poem passar em outra ocasião no horario da tarde
Concordo com voçê Elias sem sombra de dúvidas, tem que ser agua viva, eu não entendo as pessoas, só pedem para reprizar as novelas mais antigas dos anos 80 e vem com a indomada e as outras duas, estas 3 novelas tem até como baixar na internet, eu mesmo baixei tenho as 3 já agua viva é impossível porque naquela época não existia video cassete é uma novela rara, então meus amados vamos votar em AGUA VIVA, esta chance nunca mais vamos ter.
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