quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Gilberto Braga e a Modernidade nas Novelas!


Por Eduardo Vieira


Toda vez que se comenta sobre modernidade na teledramaturgia, vemos o velho e autêntico exemplo de Beto Rockfeller, novela de Bráulio Pedroso contando como um marco sobrepondo-se à maneira antiga de se fazer o gênero, com seu universo de condes, reis e princesas. Antes da novela de Bráulio, Lauro César Muniz já havia tentado traduzir o estilo de vida brasileiro por meio de obras como “Ninguém Crê em Mim”, com falas mais de acordo com nosso tempo.


Uma vez consolidada esse tipo de linguagem, com a qual o povo já mantinha uma grande identificação, o que fazer para que as tramas evoluíssem assim como a sociedade que a assistia?

Sabemos que na vida real, cada vez menos real, a meu ver, pois somos seres moldados também pela ficção, aconteciam coisas que não podiam ser retratadas nas novelas, refúgios dos brasileiros dos problemas do cotidiano, tendo até hoje uma pecha de serem obras de alienação da vida social.

Contudo, o bloqueio desse preconceito foi furado por intelectuais do porte do autor citado, Lauro César Muniz, além de outros, que simbolicamente, chamamos de autores das dez da noite, horário em que se podia discorrer sobre assuntos mais diversos.

Essa evolução surge nas novelas das oito com o auxílio providencial de Daniel Filho, quando Janete Clair escreve o tapa-buracos da então censurada Roque Santeiro, a novela Pecado Capital. Em comum acordo com o diretor, Janete escreve uma trama mais realista, mas igualmente romântica e passional, o que sempre foi sua marca registrada.


Porém, surge em 1979, um autor que vem definir aspectos mais prosaicos e naturais sobre os costumes da sociedade, Gilberto Braga, quando é alçado ao horário das 20:00, com sua clássica Dancin Days. Gilberto traz uma trama que envolve uma heroína presidiária, coluna social e discoteca, ritmo que era uma febre no Brasil da época.


O autor permeia sua história sem medo, contrapondo valores de uma classe média em decadência a uma em ascensão, as pessoas que moram na Vieira Souto, mesmo tendo um passado mais pobre, como é o caso da antagonista vivida por Joana Fomm, que se apóia num casamento de interesse com um indivíduo que vem de uma classe social superior. Porém esses ricos não se atêm, como nas novelas anteriores, a viverem numa “gaiola” e serem meros Romeus ou Julietas, ou seja, apenas impedimentos sociais, eles misturam-se às classes inferiores, como num manifesto do autor, que enxerga valores de genuína nobreza tanto nas classes ricas como nas menos favorecidas, com isso ajudando a quebrar estereótipos perpetuados em quase todas as estruturas de novelas que vieram anteriormente.

Entretanto, sempre quando se fala em Gilberto Braga, cita-se essa novela e a mais do que excelente Vale Tudo, escrita em parceria com o autor Aguinaldo Silva. Contudo, acho que o auge de modernidade em novelas foi atingida com sua trama posterior, Água Viva, em 1980, um título que nos remete ao mar, grande cenário dessa história, em que o herói “torto”, Nelson Fragonard, Reginaldo Faria, um ator mais de cinema, vive num barco e nega-se a ter uma vida normal, até que algo vem mudar essa instabilidade, o amor de uma mulher ambiciosa, uma batalhadora alpinista social (na época ainda havia personagens assim que não eram vilãs) e a possibilidade de uma filha , o que  obrigaria esse homem a colocar uma âncora em sua vida.


A estrutura da novela já era diferente, os ricos são pessoas boníssimas, feitos com perfeição Por Raul Cortez e Tetê Medina e a doidivanas Stela Simpson, papel de Tônia Carrero, lindíssima, personagem amada por todos.


A ótica social crítica era vista pelos olhos da estudante Janete (Lucélia Santos), não por coincidência o terceiro nome do elenco, que era amigo dos personagens ricos, Gloria Pires, Kadu Moliterno, Maria Padilha mas contestava tudo aquilo, achando tudo muito pequeno burguês, viagem, etiqueta, enfim tudo que representasse um abismo entre as classes sociais. Mas também ela cai em uma armadilha, apaixonando-se por um estudante de medicina, filho da vilã da história, a classe média metida à rica, Lourdes Mesquita, papel de Beatriz Segall, soberba (sem duplo sentido).


Na novela discutia-se assuntos como divórcio, pensão, guarda de filhos - temas que eram tratados até então  como esboço em outras histórias.  Também na parte mais sofisticada existiam temas polêmicos como o topless nas praias do Rio de Janeiro, a moda( havia uma boutique de jeans em que se podia inserir o merchandising nas novelas, outra novidade), modelos, Kadu fazia um fotógrafo de moda. Também nessa trama não havia mais a mansão, um clássico de novela das oito, mas sim um apartamento enorme em que Lígia, personagem de Betty Faria vai morar após casar com o então viúvo, Miguel Fragonard, em que eles recebem convidados em sessões de cinema em casa - era o advento do vídeo cassete adentrando nas novelas, falando de arte como o filme Morangos Silvestres, do cineasta europeu Ingmar Bergman - algo sofisticadíssimo.  A telenovela começava a ter aspectos mais culturais.

Como Gilberto teve Manoel Carlos como autor-parceiro, a literatura também teve seu espaço. Por meio do personagem de Lucélia, a intelectual Janete, sabemos da tradução de um clássico de James Joyce, Ulisses, feito por Antonio Houaiss. Detalhes que vêm permear e dar uma nova cara ao folhetim das oito, porém não perdendo as características de uma boa novela como bons  ganchos, ótimos diálogos e personagens e sobretudo uma história que não fazia concessões. Lembro até hoje do choque de se matar a personagem que era o sonho de todos, serem amigos. Luci Fragonard, mulher sensível, generosa, bem humorada, sacrificada em nome do progresso da trama.


Depois dessa novela, as histórias começaram a ficar menos densas e  sobretudo esquemáticas, dando espaço a temáticas novas, até em autores já consagrados, cada um com seu estilo, como Janete Clair, que já contou com uma trama mais libertária em Coração Alado, por exemplo, com um herói cada vez menos perfeito, e outros como o próprio Manoel Carlos, que fez do cotidiano de uma classe específica sua matéria - prima com bastantes elementos culturais em suas histórias.

Hoje é claro que se reconhece e se vê o estilo deixado por Gilberto em outros autores, mas sem sua impressão única e sutil sobre uma classe abastada em que não vemos mais o mesmo glamour, pelo fato dos tempos serem outros,  mas  ainda com diferenças sociais bem demarcadas e ainda suas novelas apresentam um olhar critico natural sobre os problemas do nosso país.

Fotos: Google Imagens
Vídeos: You Tube

9 comentários:

  1. sobre os problemas, desculpem...( último parágrafo)

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  2. Ótima análise que alia o conhecimento sobre o que se está falando com a vivência e a memória afetiva. Parabéns, Edu!

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  3. Ótimo texto Edu!!! E principalmente falando sobre uma das minhas tramas preferidas do Gilberto Braga, ÁGUA VIVA.
    Acho que foi nesta novela que seu estilo se solidificou, esta estética tão característica que o marcou como um autor mais sofisticado.
    O que acho interessante nesta novela é o que você tão bem descreveu, o mocinho não mocinho da história Nelson Fragonard e a mocinha tortíssima Lígia. É um dos casais mais interessantes das telenovelas e pouquíssimo lembrado por parte do público. Logo de cara a gente já vê o estilo de vida de Nelson, completamente o avesso do irmão super bem sucedido Miguel. Ele não tem um trabalho definido, vive no mar, em noitadas. Na outra ponta Lígia, uma mulher em crise no casamento por que quer ascender socialmente a qualquer custo. Entretanto os dois são mais que isso, são pessoas de verdade, sofrem e vivem intensamente. Acho que em ÀGUA VIVA encontramos os personagens mais críveis que já vi na tv.
    Janete é a minha personagem preferida, lúcida, correta, batalhadora o arquétipo preferido do Gilberto Braga para contrapor e bater de frente com o mundo de futilidades da classe alta de suas novelas.
    Enfim, não precisa que adoro esta novela não é!?
    Que prazer ler teus textos Edu, uma analise com conhecimento de causa, e sempre bem vinda!!!! Falamos a mesma língua!!!!!! Rsss...

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  4. é Daniel...uma senhora moçona... a Lígia era imperfeita, mas não era vilã...nem a Lourdes era total vilã, tanto que ela era amiga da Stella...saudade dessa falta de esteriótipos!!

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  5. Edu, querido

    Mais um dos seus textos super conceituados, que muito me orgulham por tê-lo no grupo de autores do blog. Parabéns!!!

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  6. Delícia de texto e imagens...Principalmente o duelo de talentos extraordinários dessas duas grandes atrizes da nossa teledramaturgia: Beatriz Segall e Lucélia Santos, PERFEITAS !!!!! Parabéns pelo niver desse clássico das nossas novelas. "Água Viva", merece todo os nossos aplausos de pé, por ter sigo simplesmente MAGNIFICA !!!!!

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  7. Estou assistindo aos DVD's de Dancin' Days da Globomarcas, e já ali se percebe a marca registrada de Gilberto Braga se encaminhando: a crítica de costumes e a retratação da elite, mormente com a antagonista Yolanda (Joana Fomm), que considera o casamento por interesse um trampolim para que a mulher tenha lugar na sociedade. Também me chamou a atenção a pontual participação especial da Maria Lúcia Dall, dando uma verdadeira aula de história da arte: tipicamente gilbertiano.

    E, pelo visto, esse estilo sofisticado típico de Gilberto Braga veio a se consolidadr firme com Água Viva, conforme o texto. Espero um dia que o Canal Viva nos brinde com essa elogiada novela.

    Parabéns pelo texto descritivo aliado às ótimas lembranças pessoais, Eduardo!

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  8. Em face a falar de personagens ricos, ele é bom. Mas suas tramas são elitizadas demais. De todos os novelistas, é o que eu menos - como aspirante a novelista - me identifico.
    Cria personagens demais, como figurações de luxo, e os mocinhos de suas tramas são bobões - estão ali para apenas duelar com o vilão, que geralmente mata o pai, a mãe ou algum parente.
    Sem contar que quando ele resolve criar um mistério em torno da identidade de um assassino, é sempre a mesma história: ele cria um monte de pistas falsas, para no final das contas ser sempre o vilão da trama quem matou. E geralmente uma vilã termina castigada, virando camelô, como aconteceu em diversas novelas dele. Ou seja, ele descobriu uma fórmula e a seguiu pra sempre. Porém, gosto das minisséries que ele fez, como ANOS REBELDES e ANOS DOURADOS, e faço só um adendo: antes de DANCING DAYS, ele adaptava várias obras literárias para tv, como HELENA (um fracasso retumbante), e ESCRAVA ISAURA (essa sim, uma obra prima)

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  9. Em Força de Um Desejo a revelação do "quem matou" não envolveu um personagem vilão e não foi óbvia. Do mesmo modo em Vale Tudo.

    O Edu citou Dancin Days por ter sido a novela que alçou o autor ao horário das oito.

    Tenho o Gilberto Braga entre os melhores autores de teledramaturgia. Admiro bastante o seu estilo de escrita.

    Obrigado pela leitura. Continue por aqui, Michel.

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