Lambada tempera a rivalidade
entre a noveau rich cafona e a
aristocracia decadente na Era Collor!
Glória Menezes, Tony Ramos e Regina Duarte |
por Júlio César Martins
Nesta segunda,
21 de janeiro, o Canal Viva recicla na tela da TV a fábula da sucateira e
sua corte. Exibida originalmente em 1990 pela Rede Globo, “Rainha da Sucata” reuniu um elenco
estelar, nunca antes visto em uma mesma novela. Lançada em meio às comemorações dos
25 anos da emissora, foi a primeira trama das oito escrita pelo então rei da
comédia, Sílvio de Abreu. Repetindo a consagrada parceria com o diretor Jorge
Fernando, a intenção era importar um pouco do clima do horário das sete para o
horário nobre, pegando carona no êxito do bom humor explorado pela antecessora,
“Tieta”. Apesar de ser lembrada nos dias de hoje como um grande sucesso, “Rainha
da Sucata” enfrentou alguns percalços que reverberaram na audiência ao longo da
exibição original.
A trama gira
em torno de Maria do Carmo (Regina Duarte), uma mulher de origem pobre, filha
de portugueses, mas com excelente faro para negócios e que acaba enriquecendo. Apesar
de ser uma empresária bem-sucedida, não consegue o status social que deseja e
recorre a socialite Laurinha Albuquerque Figueiroa (Glória Menezes), que, apesar
de falida, ainda frequenta as colunas sociais. Uma vai usar a outra para
alcançar seus objetivos. O elo entre as duas é Edu Figueiroa (Tony Ramos),
enteado de Laurinha e grande paixão de Maria do Carmo na juventude. Ele é um
playboy internacional que, inconformado com a falência da família, tenta o
suicídio. Logo se promove um casamento de fachada entre Edu e Maria do Carmo, para
satisfazer o jogo de interesses.
Pego de
surpresa pelo Plano Collor às vésperas da estréia, o autor Sílvio de Abreu teve
que reler 900 páginas dos 30 primeiros capítulos já escritos para refazer cenas
e diálogos, contextualizando a novela de acordo com a situação econômica no
país no momento. Assim, a empresária de sucesso aparece afogada em desconfortos
provocados pelo recente baque econômico: a drástica redução no consumo por
conta dos confiscos afetou a venda de carros de sua concessionária, a Do Carmo
Veículos, instalada num luxuoso prédio na Avenida Paulista - o coração econômico
de São Paulo. Para driblar as circunstâncias, ela inaugura a “Sucata”, uma casa
de shows no último andar do prédio de sua revendedora - mais tarde transformada
numa lambateria para ricos.
Banner promocional do Canal Viva, divulgando a reprise de "Rainha da Sucata" |
Sílvio de
Abreu contou
com a assessoria de texto da socialite Danuza Leão, que sugeria situações e até frases para os personagens ricos da novela, garantindo a
coerência nos costumes e deslizes dos personagens deste universo. A partir do capítulo
36, Sílvio escreveria "Rainha da Sucata" em colaboração com José
Antônio de Souza, porém, a necessidade de reescrever os capítulos iniciais fez
com que o autor perdesse a frente de capítulos. Acostumado a escrever capítulos
de novelas das sete, Sílvio estava entregando scripts mais curtos do que o de
costume para o horário, justamente quando a Globo tinha intenção de conter a
ascensão progressiva de audiência da novela da concorrência, “Pantanal”. A estratégia era
esticar o Jornal Nacional e “empurrar” os capítulos de “Rainha da Sucata” para que terminassem um pouco
mais tarde, levando as duas novelas a concorrer por algum tempo. Posteriormente, a novela passou de 45 para 60 minutos diários.
Capa ilustrando a predileção da imprensa especializada por "Pantanal" |
Gilberto
Braga, colega de profissão e amigo pessoal de Sílvio de Abreu, soube por acaso
que, exatamente neste período, o irmão de Silvio estava muito doente e que os
capítulos da novela estavam atrasados. O próprio Gilberto esclareceu: “- Liguei para ele, que me disse que o irmão
estava em fase terminal. Sílvio acordava, ia para o hospital, ficava um pouco
com o irmão, voltava para casa, escrevia a novela, ia ao hospital de novo. A
vida dele estava um caos, e a novela, atrasada. Eu me ofereci para ajudá-lo e trabalhei
com ele durante duas semanas. Novela é feita em blocos de seis capítulos, e o
Silvio fez um resumo de história para um bloco, que eu peguei para escrever. Ao
mesmo tempo, ele escrevia o bloco seguinte. Conseguimos fazer 12 capítulos, e
botamos a novela em dia.”
Após a
participação do amigo, Sílvio contou com a colaboração de Alcides
Nogueira, até o final. Na guerra pela audiência, foi
constatado que o horário das 20h não se adequava tão bem a comédia e o autor converteu a história em um grande drama, com toques de suspense, recheado de referências
cinematográficas.
Para reforçar
a direção da novela, entraram Mário Márcio Bandarra e Fábio Sabag. Em depoimento ao “Memória Globo”, Sabag
declarou: “- Eu entrei em uma época de
crise na novela, quando o “Pantanal” começou a querer aparecer. O Daniel Filho
me chamou primeiro, porque queria que eu modificasse algumas coisas da novela.
Ele disse assim: ‘A Regina Duarte tem que aparecer nos finais dos blocos,
início de blocos. Temos que mexer nisso. Algumas coisas são muito arrastadas,
são lentas.’ Então, eu pegava o capitulo, lia, pegava o capítulo montado e, na
minha sala, eu ia marcando, cronometrando, tirando. Às vezes, eu tirava até
oito minutos de coisas, de pausa, mudava as posições das cenas da Regina. Ela
sempre fechava bloco, abria o bloco. Isso criou um problema sério com o Silvio
de Abreu, porque ele me telefonava irritado. Claro, como autor, ele tem o seu
direito. Eu dizia: ‘Fala com o Daniel, porque eu estou atendendo a uma
recomendação dele.’ É muito simples pegar um trabalho feito e dizer onde está
um pouquinho demais, onde deve mudar, porque você está vendo. Você não dirigiu,
você está assistindo. E criticar é muito mais fácil.”
Chamada do quarto capítulo da novela, anunciando a exibição meia hora mais tarde
Causou
burburinho também a cena em que Cláudia Raia, fora de forma, aparece nua,
segurando um peixe. A imprensa acusou a Globo de tentar pegar carona na onda de
nudismo que alavancava a audiência de "Pantanal". A atriz foi vítima
de bullying por parte dos jornalistas, que debocharam por considerá-la gorda
para a cena.
“Rainha
da Sucata” exibiu ainda o que foi considerado o primeiro suicídio explícito da
TV brasileira. O tema, considerado tabu, até então era habitualmente tratado de
forma velada no horário nobre da TV. Várias vezes sugerido, mas até então nunca
retratado abertamente pelas câmeras. Após discutir e arrancar os brincos de sua
rival Maria do Carmo, Laurinha Figueiroa se joga do prédio e sela com a morte
sua derrocada amorosa e financeira. “Coisas de Laurinha”. Antológico.
Aracy
Balabanian marcou época com sua inesquecível dona Armênia, que para provar sua
autoridade como proprietária do terreno onde está a “Sucata”, promove sua
implosão. E todo o Brasil riu com seu hilariante bordão "quero ver a
prédio na chon".
Estreia às
0h15m, com reprise ao meio-dia.
Direção de
Jorge Fernando, Jodele Larcher, Fábio Sabag e Mário Márcio Bandarra
Ótimo texto, muito bem embasado com ótima pesquisa e que revela com detalhes a sinopse da famosíssima Rainha da Sucata sem entregar ''spoilers'' aos que a verão pela primeira vez no Canal Viva.
ResponderExcluirTenha vagas, mas ótimas lembranças da reprise de 1994 no Vale a Pena Ver de Novo.
Team #RainhaDaSucata a postos no twitter!
Corrigindo: TENHO vagas, mas ótimas...
ExcluirExcelente texto. Ansioso pela novela, que certamente será um grande sucesso nessa reprise.
ResponderExcluirJulio Cesar, querido, não sabia que compartilhávamos domesmo gosto por essa novela tão espetacurlar e espetaculosa. Na minha oipinião, foi a melhor novela do Sílvio de Abreu. Vamos continuar trocando ideias sobre as novelas do Viva, você é um dos melhores comentaristas e foramdores de opinião dos telemaníacos constanters na net.
ResponderExcluirBeijo grande.
Adorei seu texto Julinho! Parabéns!
ResponderExcluirJulinho imprimindo as suas impressões! Impossível não ler!
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