quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

De Lucy Jordan a Ivan Novaes: três décadas em busca da beleza no horário nobre


Por Marcelo Ramos
  
Uma falta que noto em muitas pessoas que pretendem circular pelo mundo da publicidade e das celebridades é não compreender que a agência de publicidade trabalha, necessariamente, com outras empresas do ramo da comunicação e da moda, que são as produtoras de vídeo e as agências de modelos. Um estudante de Comunicação demora um pouco para entender bem como funciona esse interrelacionamento entre esses três tipos de empresas, pois o espectador médio não consegue discernir o que foi realizado numa empresa e o que foi realizado em uma outra. É bem verdade que no meio da Comunicação esses setores não são tão rigorosos como em outras empresas de ramos diferentes. O trabalho da agência de publicidade pode se confundir – ou mesmo, mesclar - se – com o trabalho da produtora de vídeo ou com o trabalho da agência de modelo. Vou tentar definir de grosso modo, para que possamos entender bem a questão que apresento agora com as personagens de duas novelas do Horário nobre: ‘Pecado capital’ (1975), de Janete Clair e ‘Paraíso tropical’ (2007), de Gilberto Braga.  Trinta e dois anos separam as duas novelas. Analisemos a evolução da agência de publicidade nessas três décadas.

Os protagonistas da novela eram: o taxista José Carlos Moreno, o ‘Carlão’ (Francisco Cuoco), sua namorada e vizinha do bairro do Méier, Lucinha (Betty Faria) e Salviano Lisboa (Lima Duarte), o empresário para o qual Lucinha e sua irmã mais nova, Emilene (Elizângela) trabalhavam. Em 1975 era comum que lojas de departamento trabalhassem diretamente com a produção dos tecidos (ou ‘indústria têxtil’), pois era mais comum o cliente comprar o tecido e mandar fazer na costureira ou ‘modista’ de sua preferência. Como estou me propondo a analisar como se deu a passagem do modelo-fábrica para o modelo-empresa, usando personagens da narrativa seriada televisiva e como esse tipo de análise ainda não foi feito, fica a nosso cargo observar as personagens da novela e perceber o funcionamento da produção da celebridade de revista e televisão nos dois períodos diferentes (no caso desse texto) e, mais tarde, analisar o trabalho de outros profissionais da publicidade e da propaganda em outras novelas e minisséries.

   
Na cena acima (aos 06:49), o dono da agência de publicidade ‘Cítara’, Nélio Porto Rico (Dennis Carvalho) acompanha, pessoalmente, o cameraman durante a gravação das imagens da empresa de Salviano Lisboa, a ‘Centauro’, uma ,loja de departamentos. Podemos notar que Nélio tem conhecimentos de câmera, de filmagem, de direção. O filme publicitário que vai divulgar o trabalho de seu cliente (no caso, a ‘Centauro’) mostra o interior da fábrica de tecidos e pega de relance Lucinha e Emilene trabalhando nas máquinas de costura e as máquinas que produzem o tecido usado nas roupas vendidas pela Centauro. Após terminar a filmagem daquele setor, Nélio passa por Lucinha – que está sentada na máquina de costura ao lado da irmã. Lucinha é uma carioca típica, muito alegre e extrovertida e não esconde sua curiosidade sobre a gravação que havia sido feita durante aquele dia de trabalho no departamento onde Lucinha e Emilene trabalhavam. Nélio, o diretor da agência ‘Cítara’ é bastante simpático com a funcionária de seu cliente Salviano, explica em linhas gerais o que estava fazendo com o cameraman, revela que é um filme publicitário para divulgar os produtos da fábrica e ainda dá um cartão pessoal para a costureira, dizendo que Lucinha é muito fotogênica e poderia procurá-lo para ser modelo de futuras campanhas da ‘Cítara’. Lucinha fica contente pelo elogio de tão belo rapaz mas não se deslumbra. Guarda o cartão de Nélio no bolso da camisa e diz pra Emilene que não sabe se vai procurar pelo publicitário. Só que Lucinha o procura – e esse é o ‘pecado capital’ de Lucinha. A partir do momento em que ela se envolve com o mundo das celebridades e se torna uma celebridade, deixa seu namorado do Méier (que naquela época era considerado um subúrbio na Zona Norte do Rio, distante do centro da cidade) e sobe na vida, conquistando o coração do dono da empresa onde trabalha, a ‘Centauro’. Normalmente, apenas o taxista Carlão é apontado pelos telemaníacos como sendo o protagonista e dono do título da novela, mas as chamadas de estréia da novela deixam claro que Lucinha também comete seu ‘pecado capital’ ao aceitar ser uma modelo fotográfico famosa, muda de estilo de vida, adota o nome artístico de Lucy Jordan, toma um banho de loja e torna-se esposa do industrial Salviano.


         Passemos agora para o Rio de Janeiro do século XXI. Em 2007, Ivan Novaes (Bruno Gagliasso) é o modelo fotográfico da vez. A diferença é que Ivan foi escolhido pelo que chamamos de ‘olheiros’ – profissionais da área da publicidade e da moda. Ivan está correndo na praia de Copacabana quando encontra seu colega Mateus Vilella (Gustavo Leão), um rapaz carioca que fora criado em Vitória, no Espírito Santo mas, pelas voltas que a vida dá, retorna à cidade natal para morar com os avós Hermínia (Débora Duarte) e Clemente (Reginaldo Faria) no tradicional bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro. O bairro de Copacabana é o grande protagonista de ‘Paraíso tropical’ que, por um bom tempo, teve o nome do bairro como título provisório. Antes de assistirmos à cena escolhida para ilustrar o tema do texto, vamos falar sobre Ivan. Filho de mãe solteira, Ivan nunca soube quem é seu pai e, por isso é chamado ironicamente por seu irmão mais velho, Olavo (Wagner Moura) de ‘bastardinho’. Enquanto seu irmão trabalhava na presidência do Hotel Duvivier, na Avenida Atlântica (beira-mar), Ivan alugava guarda-sol e cadeiras de praia para os turistas de Copacabana, na praia, como profissional liberal. Por esse motivo – o da competição acirrada que o irmão faz – Ivan é revoltado com a condição socioeconômica em que vive. Olavo é mau, elitista e não perde uma oportunidade de tripudiar sobre a situação deprimente de Ivan, que vive um inferno em casa. A mãe dos dois rapazes, Marion Novaes (Vera Holtz) é uma promotora de eventos trambiqueira e desonesta. Marion veio de Minas Gerais, deixando pra trás uma família que rejeitava, pois só traziam desgosto e problemas para ela. Marion esconde de toda a alta sociedade carioca suas origens e a guerra constante que vive em casa com os filhos, com quem mantém uma relação perigosa de lua de poder, ironias e discussões ácidas. Ivan não estuda, tem um trabalho ‘mixo’, segundo o ponto de vista da mãe e do irmão mais velho, não sabe quem é seu pai mas, como o típico brasileiro, sonha com uma oportunidade de sair desta situação num golpe de sorte. E a sorte bate na porta dele num dia de sol, quando conversa com seu novo amigo Mateus na areia da praia. Zélia (Júlia Spadaccini) e Fabrício (Rodrigo Ceva Nogueira) são, respectivamente, produtora de moda e fotógrafo de uma agência de modelos que está fazendo uma campanha para uma griffe masculina de moda praia na beira da piscina do Hotel Duvivier. Nesse instante, a produtora de moda e o fotógrafo não estão necessariamente cumprindo seus papeis mas sim estão servindo de ‘olheiros’ da agência.


O ‘olheiro’ é aquele profissional que sai às ruas em busca de pessoas que se adequam a um determinado perfil exigido pela agência de modelos para servir a determinada campanha que determinada agência de publicidade está promovendo. Ivan aceita o convite de pronto, ao contrário de Lucinha, que enfiou o cartão de Nélio Porto Rico no bolso e deu pouca atenção ao convite.

Agora, vamos à questão que apresento nesse texto: seria possível, em 2007, um diretor / dono de uma agência de publicidade sair pelas ruas da cidade como ‘olheiro’, buscando pessoas com perfis adequados à demanda de suas campanhas? A resposta é não. Atualmente, com a “setorização” das empresas, com os recursos de RH, com a divisão de tarefas, as agências de publicidade não são mais responsáveis por seleção de modelos nem de manequins de passarela. Isso fica a cargo das agências de modelos. Os ‘olheiros’, atualmente, servem às agências de modelo e não às agências de propaganda. Ficou claro, pelas cenas e pela análise dessas cenas que nos 32 anos decorridos entre ‘Pecado capital’ e ‘Paraíso tropical’, as agências de publicidade se organizaram, cresceram conforme os parâmetros das outras empresas de outros setores e tornaram-se bem mais complexas? Espero ter contribuído – por ora – para uma reflexão a respeito do processo de seleção de pessoal para campanhas publicitárias e para sublinhar a diferença entre os procedimentos realizados por uma agência de publicidade em 1975 (onde o diretor e dono da agência de publicidade fazia o trabalho de cameraman, de diretor de filme publicitário e de ‘olheiro’ – tudo ao mesmo tempo e como, na atualidade, o trabalho dos publicitários se dividem em categorias mais complexas e também se divide com as agências de modelos e produtoras de vídeo. Se ainda não ficou claro, não tem problema, Estamos caminhando.

No mês que vem, eu retornarei ao tema da publicidade e da propaganda nas narrativas seriadas da tv e vamos seguindo analisando os publicitários da ficção em novas situações. Agradeço aos amigos Gesner Avancini, Eduardo Vieira e Júlio César Martins a amizade e o auxílio voluntário neste meu projeto junto ao blog ‘Posso Contar Contigo’ de tratarmos da publicidade na teledramaturgia. Espero que seja do gosto dos leitores.

5 comentários:

  1. Sem falar nos ideais de beleza humana, que mudaram muito de 1975 para 2007...

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    1. Isso é um tema pra uma próxima postagem dessa série sobre publicitários da ficção televisiva, Tom. Aguarde odestrinchar dessa questão. ;)

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  2. Manda bala, Marcelo, ótimo texto, esmiuça bem a questão!

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  3. A primeira cena que escolhi para analisar no texto foi essa daqui:

    http://www.youtube.com/watch?v=9pcNRpdqBdk

    Como não entrava como link no texto, tive que escolher um trecho do compacto (de 1h30) da novela, disponibilizado no Youtube. Fica chato esperar os 6 min pra assistir a cena, então pelo link acima é mais conveniente.

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