Por Daniel Pilotto
Hoje, 22 de Abril, comemoramos o dia da Terra.
Este foi um dia criado pelo senador e ativista ambiental
americano Gaylord Nelson em 1970 com o objetivo de se criar uma maior
consciência ambiental nas pessoas, e que a partir daí se discutam os rumos do
homem no planeta, suas atitudes, suas conseqüências.
Um dos estatutos define bem e de forma geral tudo aquilo que
a data representa:
“O dia da Terra se converteu em um importante acontecimento
educativo e informativo. É uma ocasião para avaliar os problemas do meio
ambiente do planeta: a contaminação do ar, água e solos, a destruição de
ecossistemas, de centenas de milhares de plantas e espécies animais dizimadas,
e o esgotamento de recursos não renováveis. Utiliza-se este dia também para
insistir em soluções que permitam eliminar os efeitos negativos das atividades
humanas. Estas soluções incluem a reciclagem de materiais manufaturados,
preservação de recursos naturais como o petróleo e a energia, a proibição de
utilizar produtos químicos danosos, o fim da destruição de habitats
fundamentais como as florestas tropicais e a proteção de espécies ameaçadas.
Por esta razão é o Dia da Terra”.
Com base nesta data, tão importante e tão fundamental,
afinal é o dia da nossa casa, eu quero propor uma viagem pelo tema dentro da
nossa teledramaturgia.
Desde que a novela começou a ganhar uma identidade própria
com os autores conseguindo imprimir seus estilos, os temas foram se
transformando e atingindo um algo a mais do que só o puro folhetim.
A idéia de retratar o mais fiel possível o mundo em que se
vivia, fugindo dos temas épicos e dos romances cotidianos, era uma regra já no
final dos anos 60. Com isto podia se discutir este novo homem e o meio que o
cercava. Era a época dos rompimentos, e dos autores que queriam mudar a tv.
Dias Gomes foi um dos primeiros a levar para as novelas um
embrião de discussão ecológica com sua novela O ESPIGÃO (1974). Era uma novela
que inovava ao trazer à tona a necessidade de se ter qualidade de vida e lutar
fosse como fosse contra a expansão imobiliária, em franca ascensão. O horário
das 22 hrs era uma grande chance para que se discutissem temas mais relevante.
A trama girava em torno da venda ou não de um antigo casarão
para a construção de um grandioso hotel de cinqüenta andares, o tal espigão do
título, idéia megalomaníaca do empresário Lauro Fontana (Milton Moraes). A
família Camará dona do casarão, numa área arborizada de cinco mil metros
quadrados, possuía os mais diferentes motivos para vender e não vender o lugar
onde moravam. E no meio dos herdeiros estava Baltazar (Ary Fontoura) um dos
únicos irmãos preocupado com o verde do lugar. Botânico ele não quer que se
destrua mais uma das poucas áreas verdes da cidade para se construir mais um
edifício.
O interessante nesta trama é o aparecimento do primeiro
personagem verdadeiramente ecologista. Léo (Cláudio Marzo) é um jovem cheio de
ideais que vem do Nordeste e se depara com uma cidade feroz e competitiva. É um
dos mais ferrenhos ao se engajar contra a construção do espigão, defendendo a natureza
em horário nobre. No final o personagem diz: “O importante não é a árvore. O
importante é o homem. Mas só no dia que o homem aprender a respeitar a árvore é
que ele se tornará realmente humano. Aí começará sua verdadeira história”.
No mesmo ano, Janete Clair escrevia para as 20 hrs uma obra
também voltada ao descaso do homem pela natureza, FOGO SOBRE TERRA (1974).
Nesta trama era a construção de uma hidrelétrica que dava o
tom da tragédia. Na pequena cidade de Divinéia no Mato Grosso, os moradores são
informados da chegada do “tal progresso” e para tanto tem que lutar para que
não se desvie um importante rio na construção da barragem, o que inundaria de
vez toda a cidade.
Nesta novela, o líder ecológico vem representado na figura
de Pedro Azulão (Juca de Oliveira) que não concorda neste progresso que
destrói, que passa por cima de tudo sem se importar com as conseqüências. Seu
maior inimigo, no entanto é seu irmão Diogo Gonzaga (Jardel Filho) que pensa
exatamente o contrário e acha que o progresso traz novas possibilidades para
quem morar ali.
Assim como em O ESPIGÃO onde os manifestantes são afastados
pela polícia e assistem a derrubada do casarão em detrimento ao hotel, em FOGO
SOBRE TERRA o final também não é feliz. Depois de muita luta em vão, uma das
personagens Nara (Neusa Amaral) permanece dentro de sua casa enquanto as águas
do rio desviado invadem a cidade cobrindo tudo e ela mesma, que morre num ato
de resistência contra o progresso, cada vez mais inevitável.
Mas não era apenas na Globo que se discutia o tema. Em 1977,
na Record, Ivani Ribeiro escrevia a interessantíssima O ESPANTALHO. Nesta
novela o tema era a poluição do mar na fictícia cidade litorânea de Guainá.
Breno (Fábio Cardoso) é o prefeito da cidade, que
responsável e consciente das doenças ocasionadas pela poluição das águas impede
que os banhistas usem as praias do lugar. Seu principal oponente é o
vice-prefeito Rafael (Jardel Filho) que é dono de um dos grandes hotéis do
lugar e não concorda com as proibições que afastam os turistas da cidade. Ele
arma mil situações para que Breno fique cada vez mais enfraquecido como
político do lugar.
Breno conta com a ajuda de Tônia (Thereza Amayo) uma das
comerciantes da cidade para alertar os outros habitantes sobre os problemas do
mar poluído. Aliás, é Tônia quem se fantasia de espantalho para assombrar
Rafael durante quase toda a trama.
Para quem lembrou de já ter visto esta história antes, vale
citar que a mesma fez parte do remake de MULHERES DE AREIA (1993). Nesta versão
Breno era interpretado por Daniel Dantas e o vice-prefeito Rafael se
transformou em Virgílio (Raul Cortez), numa sacada de mestre da autora em unir
num mesmo personagem o empresário da trama das gêmeas Ruth e Raquel com o vice-prefeito
de O ESPANTALHO.
Em ambas as tramas as conseqüências do descaso ecológico
tiveram um final feliz e a praia foi finalmente despoluída.
Em 1978 Dias Gomes voltava ao horário das dez com mais uma
trama discutindo a temática ambientalista, desta vez com SINAL DE ALERTA o
autor pretendia conscientizar sobre a poluição no ar das cidades grandes. Na
própria logomarca da novela já era explicitado o conteúdo da trama, com a
máscara de oxigênio no aviso de alerta.
A novela contava a história de Tião Borges (Paulo Gracindo)
dono da Fertilit, uma fábrica que produzia fertilizantes e inseticidas e que
era responsável por uma grande disseminação de poluentes no ar. Sua vida se
tornava um inferno quando a jornalista Talita (Yoná Magalhães) iniciava uma
campanha contra ele na imprensa, ressaltando a falta de respeito com o meio
ambiente. O resultado repercutia também entre os operários da fábrica que
reivindicavam melhores condições de saúde no trabalho.
O assunto era polêmico, e mais uma vez o autor foi muito à
frente em sua época. O público ainda não estava habituado ao tomar contato com
tudo o que a novela propunha e o resultado veio imediato nos índices de audiência,
já bastante negativos por conta do horário de exibição da novela. Outra questão
importante é que Dias Gomes mexia com homens tão poderosos na vida real quanto
o seu personagem fictício, Tião.
Os anos 80 foram marcados por tramas que definitivamente não
se interessaram em abordar este tema. A discussão sobre qualquer assunto
relacionado ao meio ambiente ou ecologia ficava restrito a alguns episódios em
seriados infanto-juvenis como O SÍTIO DO PICA-PAU AMARELO (1977 a 1986) ou
ARMAÇÃO ILIMITADA (1985 a 1988), neste último esta questão foi bastante retratada
no episódio “É o Fim do Mundo” da temporada de 86, onde Juba, Lula, Zel e
Bacana acreditam que uma explosão nuclear acabou com o planeta.
É apenas em 1989 que o assunto volta a ocupar o horário
nobre da tv, na novela TIETA. Em meio à trama regional bastante característica
da obra Jorge Amado, a questão ambiental se faz presente.
Santana do Agreste é uma cidade do interior do Nordeste que
está parada no tempo e que ingenuamente se vê envolvida com a possibilidade da
instalação de uma fábrica de dióxido de Titânio. Ascânio (Reginaldo Farias) é o
prefeito idealista que acredita que pode mudar o destino pobre do lugar. Para
ele não adianta de nada um paraíso ecológico sem o progresso tão necessário
para a sobrevivência de seus habitantes.
Entretanto ele encontra oposição do comandante Dário (Flávio
Galvão) que afirma que as terras de Mangue Seco devem se manter inalteradas, e
de Tieta que apesar de toda sua vontade de se vingar da cidade pelo o que
aconteceu em seu passado, não quer que o lugar desapareça.
Mirko Stéphano (Marcos Paulo) é a misteriosa figura por trás
da fábrica Brastânio. No decorrer da trama descobre-se que ele é Arturzinho da
Tapitanga, um homem rancoroso e vingativo que nasceu na cidade e na realidade
quer apenas destruir tudo.
Toda esta trama ecológica também está presente no livro de
Jorge Amado, demonstrando uma preocupação do autor com o tema já nop início dos
anos 70, quando livro foi lançado.
O tema ganha o seu maior expoente na teledramaturgia com a
novela da Manchete PANTANAL (1990) de Benedito Ruy Barbosa. Esta trama pode ser
considerada uma das maiores bandeiras ecológicas da tv.
Engavetada durante muito tempo na Globo, PANTANAL ganhou as
telas na rede Manchete. A emissora não economizou em gravar todas as externas
da trama na região do Pantanal do Mato Grosso. Uma novela com uma temática tão
característica não poderia ficar restrita a uma cidade cenográfica e durante os
seus 216 capítulos o público foi brindado diariamente com imagens estonteantes
da beleza da flora e da fauna do lugar. Era possível ver durante minutos o vôo
de pássaros típicos da região, os mergulhos silenciosos de jacarés, capivaras e
cobras, o desabrochar de flores e o entardecer ensolarado do lugar.
Na trama, José Leôncio (Cláudio Marzo) é um fazendeiro que
possui terras na região. Apesar de ser criador de gado, uma das atividades que
mais exigem o uso da terra e do espaço, ele tem um grande amor pelo Pantanal e
suas idéias sobre criação estão sempre voltadas a se respeitar o meio ambiente
que o cerca.
José Leôncio é filho do grande vaqueiro Joventino (Cláudio
Marzo), um homem misterioso que desaparece quando o filho ainda é jovem. A
partir daí surge na história o Velho do rio, figura mítica que aparece apenas
para a personagem de Juma Marruá (Cristiana Oliveira). O velho é um misto de
curandeiro, defensor da natureza e detentor dos mistérios e segredos do lugar.
Quando encontra alguém que não partilha de seu amor pela natureza ele se
transforma numa grande sucuri e dá cabo de quem for. São deste personagem os
textos mais profundos e contundentes sobre o que o homem faz com o ambiente.
O sucesso estrondoso da novela fez com que o público
começasse a perceber a importância da preservação de nossas riquezas naturais.
Em 1991 um outro personagem ecologista ganhou as telinhas,
tratava-se do Capitão Jonas (Reginaldo Farias) em VAMP (1991) de Antonio Calmon.
Morador da região litorânea da fictícia Armação dos Anjos ele é um fiscal da
natureza do lugar. Ele sempre está atento com as praias, controlando o chamado
turismo predatório.
Apesar da trama contar uma história de vampiros, a novela
conseguiu exercer uma ação ecológica bastante produtiva. Através da personagem
Soninha (Bia Seidl) o capitão Jonas toma contato com a necessidade de se
preservar as tartarugas marinhas do lugar. Surgiu aqui o primeiro merchandising
ecológico, uma associação da tv Globo com a Fundação Boticário de Preservação à
Natureza.
O autor sempre teve uma necessidade de discutir o tema na
teledramaturgia. Suas tramas sempre ambientadas em paraísos litorâneos são o
cenário perfeito para abordar diversos assuntos relacionados.
Em TRÊS IRMÃS (2008) a idéia de paraíso ameaçado também teve
vez. Violeta Áquila (Vera Holtz) é uma mulher ambiciosa que deseja construir um
complexo hoteleiro na região onde fica a praia Azul no fictício balneário de
Caramirim. O pescador pacífico (Roberto Bonfim) e o surfista Sandro (Marcelo
Novaes) tentam de todas as maneiras deter os planos da empresária e lideram uma
mobilização dos demais moradores em prol da defesa das belezas naturais do
lugar.
Entretanto como a trama já não fazia sucesso a relevância do
assunto ficou diluída e passou quase desapercebida.
Durante anos, personagens que questionavam e levantavam a bandeira da causa ecológica fizeram parte de algumas novelas.
Em PORTO DOS MILAGRES o pescador Guma (Marcos Palmeira) e o
médico Rodrigo (Kadu Moliterno) lutaram juntos contra a poluição de um rio por
uma fábrica de tecidos pertencente a Félix Guerreiro (Antonio Fagundes).
Em CORAÇÃO DE ESTUDANTE o professor de Biologia Edu (Fábio
Assunção) é um ferrenho defensor da natureza e grande incentivador da idéia nas
mentes de seus alunos. Luta ao lado da Universidade da fictícia cidade de Nova
Aliança pela posse de uma pequena área de mata virgem na região, batendo de
frente com a força política do empresário João Mourão (Cláudio Marzo) que
pretendia as terras para transformar em mais um pasto para sua fazenda.
Entretanto eram histórias esporádicas em tramas que tratavam
também de outros assuntos.
Cabe aqui questionar o por que de não conseguirmos mais
fazer uma novela onde o tema ecológico seja o principal mote? Afinal sabemos
que o assunto é cada vez mais atual (principalmente num país que ainda discute
os rumos do código florestal no balcão de negócios que é Brasília).
O que o homem está fazendo com o planeta ainda rende muitas
boas histórias, o que se precisa é uma boa vontade e inteligência para tornar o
assunto interessante por parte de quem faz tv.
Para terminar nada melhor do que o texto da última cena de
PANTANAL
“O Homem é o único animal que cospe na água onde bebe;
O Homem é o único animal que mata pra não comer;
O Homem é o único animal que corta a árvore que lhe dá sombra e frutos.
Por isso está se condenando à morte”.
(palavras do Velho do Rio, meu pai)
O Homem é o único animal que corta a árvore que lhe dá sombra e frutos.
Por isso está se condenando à morte”.
(palavras do Velho do Rio, meu pai)
BENEDITO RUY BARBOSA
"Não consegui postar no blog!!! Mas aqui vai: Adorei o texto, a relevância do assunto, e ter podido me lembrar desse tema em diversas novelas. Parabéns pelo texto, pela pesquisa! Sabe que eu sempre achei que um dia a Gloria Perez fosse fazer uma novela sobre isso? Chegava a apostar, porque ela sempre une o passado, as tradições, em contraponto a algum tema ultra moderno, atual, e relevante, para fazer o povo discutir! Mas ainda não foi dessa vez!
ResponderExcluirE o Benedito quer falar da transposição do Velho Chico, mas sua sinopse nunca recebeu o ok. Quem sabe, quando o PT sair do poder, a Globo não autorize essa novela, nem que seja levada pelas mãos de uma Maria Adelaide Amaral, usando o texto de um recém falecido Benedito, né? Matei o Benedito porque acho que esta trama só venha a publico daqui 15, 20 anos."
Comentário de Tom Dutra (via faceboook)
Nossa, muito obrigado Tom!!!!!!!!!
ResponderExcluirPois é, eu também sempre quis ver algo neste sentido na obra da Glória Perez, principalmente pelo fato dela ter vindo da região amazônica e conhecer seus problemas de perto. Entretanto acho que ela fez um lindo trabalho com a minissérie AMAZÔNIA, DE GALVEZ À CHICO MENDES. Principalmente a fase da trama do Chico Mendes, realmente emocionante e contundente!!!!!
Quanto ao VELHO CHIOCO do Benedito, eu espero mesmo que ele ainda consiga olevar ao ar esta trama. Seria um trabalho de suma importância par alertar o povo do descuido de nossas autoridades para com um rio tão importante.
Agradeço teu comentário, como sempre super bem vindo!!!!!
E agradeço ao querido Isaac por postá-lo aqui!!!!!!!!!
adorei o texto e a lembrança de um tema que parece cada vez mais cair em esquecimento...adorei a lembrança de Coração de Estudante, uma novela que eu adoro...e Sinal de Alerta, cuja abertura pra mim é emblemática.. Dias Gomes sempre ótimo nesses temas de tomada de terras e a lembrança de Fogo sobre terra, que eu lembro de flashes mas cujo final eu nunca me esqueci com a cidade sendo tomada pela água e o personagem da fantástica Neusa Amaral permanecendo na cidade.
ResponderExcluirObrigado querido Edu!!! Eu sabia que iria gostar do tema e tua memória noveleira sempre abrilhantando minhas postagens!!!!!! Obrigado!!!!!!
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