Por
Guilherme Fernandes
A
riqueza da teledramaturgia brasileira é tão grande que entre os próprios
autores de nossa dramaturgia televisiva podemos fazer divisões. Contudo, não é
isso que farei. Mesmo acalorado com o drama de “Amor à Vida” resolvi escrever
sobre “Salve Jorge”. Aluizio Trinta, meu eterno professor e autor da segunda
tese de doutorado em telenovela no Brasil, uma vez disse aos seus alunos que
não existe nada mais velho do que uma telenovela que termina de acabar. Se
escrevesse, por exemplo, sobre “Sangue e Areia”, estaria dando uma
possibilidade de rememoração ou de informação sobre um dos primeiros sucessos
da Rede Globo. Escrever sobre “Salve Jorge” (2012-2013), apesar de muito
recente, soa um tanto antigo, digo que é mais antigo que escrever sobre
“Caminho das Índias” (2009) ou “América” (2005).
Contudo,
minhas linhas não serão destinadas a resenhar, elogiar (ou criticar) ou a dizer
o que aconteceu ou deixou de acontecer em “Salve Jorge”. Quero, tardiamente,
deixar meu manifesto sobre a obra de Glória Perez – em minha opinião nossa
maior novelista.
Explico.
Como espectador de telenovela que sou, gosto de emoção. Gosto também de
suspense. E, me deixa muito satisfeito perceber as diversas reações dos personagens
quando o grande plot da trama é desvendado. O cotidiano sem aventura e emoções
não me prende, isso não quer dizer que eu não goste de tramas realistas, mas
gosto de aguçar minha curiosidade, gosto de me entregar a um romance
televisivo. Mocinhos não são o meu forte. Acho sempre as cenas mais chatas. Mas
uma novela não funciona sem eles, ou melhor, sem elas.
Glória,
a Perez, aprendeu escrever telenovela com a mestra Janete Clair. Janete, em seu
leito de morte (sem eufemismo), ditava os diálogos de “Eu Prometo” para Glória,
sua colaboradora, que pacientemente datilografava tudo. Clair morreu antes do
término da telenovela. Glória, com supervisão de Dias Gomes, terminou a epopeia
de Lucas (Francisco Cuoco), Darlene (Dina Sfat) e Kely (Renée de Vielmond). Foi
com Clair que Glória aprendeu a sacrificar a realidade em benefício à emoção.
Mas, isso não quer dizer que a tramas de Clair não são realistas.
Clair
foi responsável pelos maiores sucessos da Rede Globo, seus folhetins paravam
(literalmente) o país que sempre acompanhavam o desenrolar de suas histórias. A
cada intervalo comercial um gancho era criado e o espectador lá estava para ver
o desenrolar. Não raras vezes, seu folhetim ultrapassava os 200 capítulos. A
imaginação de Clair era tanta que assim que terminava um folhetim, já estava
redigindo outro. Isso sem contar que ao mesmo tempo em que escrevia para a
televisão, também fazia algumas fotonovelas para a revista Sétimo Céu.
Após
alguns sucessos radiofônicos, Clair foi contratada por Daniel Filho para
escrever telenovelas na Rede Globo. O departamento, nesta época, era conduzido
pelas mãos (de ferro) de Glória Magadan. O sucesso de Clair, de certa forma,
não agradou Magadan, que inclusive dizia que Daniel Filho, que dirigia ao mesmo
tempo uma trama de Clair e outra de Magadan dava mais atenção à novata. Apesar
de Janete escrever, os enredos eram desenvolvidos à maneira de Magadan. Isso
que dizer: exóticos.
Madagan
não acreditava que uma história brasileira (realista) poderia ser sucesso. O
Brasil, na cabeça de Magadan, não atraia a atenção dos espectadores. Então os
cenários mais exóticos como a corte russa, o deserto do saara, as touradas
espanholas, etc etc, eram nossos cenários. E Janete assim embarcou. Após o
terremoto que dizimou os personagens de “Anastácia, a mulher sem destino”,
Janete escreveu “Sangue e Areia” (1968). A história do toureiro Juan Gallardo (Tarcisio
Meira), dividido entre o amor da humilde Pilar (Theresa Amayo) e da sofisticada
Doña Sol (Glória Menezes) poderia ter passado em branco se não fosse a prova
viva de amor que Sol deu a Juan. Sim, a heroína arrancou os próprios olhos e os
“entregou” ao amado.
Com
a saída (expulsão) de Magadan, Janete pôde finalmente escrever tramas realistas,
da mesma forma que já fizera no rádio. Assim, a radionovela “Vende-se um véu de
noiva” foi transformada na telenovela “Véu de Noiva” (1969-1970) e inicia-se com fôlego, era da “telenovela verdade” no plim plim.
Contudo,
essa “verdade” é bem relativa. Apesar de ambientada no Rio de Janeiro da época,
de abordar assuntos recentes como o automobilismo, coisas absurdas (porém
emocionantes) aconteciam. E foi assim que Clair continuou. Vale tudo para
emocionar (e criar suspense) o telespectador.
Glória
Perez aprendeu essas lições. Desde que escreveu “O Clone” (2001) as telenovelas
de Perez foram comparadas com as de Magadan. Perez também utilizou cenários
exóticos, como o Marrocos, a Índia e agora a Turquia (especialmente a cidade
subterrânea da Capadócia). Apesar das distâncias geográficas praticamente não
existirem (afinal, quem em Istambul vai a Capadócia de taxi, ou aparece andando
de bicicleta e de repente está trabalhando no comércio da mais importante
cidade turca?!). Mera bobagem.
As
tramas de Perez não têm nada em comum com as de Magadan. Perez retrata a
realidade brasileira, especialmente os problemas sociais. O exótico é apenas outro
cenário que se liga imediatamente ao Brasil. Outra cultura é mostrada. A “planetarização”
ganha fôlego na obra de Perez que mostra o mundo além das praias do Rio de Janeiro.
Perez escreve telenovela e não documentário.
Se
Clair era realista e inaugurou no âmbito da Rede Globo a “novela verdade”,
Perez foi além. Perez mostrou mais que a realidade, mostrou o que ainda estava
por vir. Vamos relembrar. Alguém acha que em 1990 se falava em “Barriga de
aluguel” ou “gravidez in vitro” [sem considerar que a sinopse é de meados dos
anos 80], em 1992 em transplante de órgãos? Ela foi taxada de maluca ao
promover diálogos virtuais entre Dara e Igor/ Dara e Júlio, com o uso de computador. Ou alguém
acha que o ICQ existia em 1995?!
Glória
também (re)criou o merchandising social. Ela não fazia merchan, e sim campanhas
– até mais eficientes que as governamentais. Foi o transplante de órgãos em “De
Corpo e Alma”, as crianças desaparecidas e as mães da Cinelândia em “Explode
Coração”, os deficientes visuais em “América”, a esquizofrenia em “Caminho das
Índias” e o tráfico humano em “Salve Jorge” – entre outras tantas ações.
Em
verdade, Perez sabe o que é uma telenovela, sabe que o espectador gosta de emoção.
Porém, ela vai além, ele cumpre uma função social e educativa. Mostra outras
culturas e outras realidades. Questionar o uso da língua portuguesa é um mero
desvio. Ou alguém acha que uma telenovela legendada teria alguma função?!
Os
diversos sacrifícios à lógica, em nada atrapalharam o enredo. Salve Jorge
cumpriu sua missão. Basta percebermos as diversas “Wandas” que foram presas
após o início do folhetim. Os depoimentos reais, recorrentes desde “Explode
Coração”, foi um plus a mais. É a certeza que isso é sim uma realidade.
Furos
no roteiro existiram sim. E o que mais me incomodou foi o “cabelo bipolar” de
Morena. Mas esse e alguns outros fugiram a alçada de Perez. É o ritmo
industrial de se fazer telenovela, totalmente diferente da produção cinematográfica
(que também apresenta, por vezes, as mesmas falhas). Salve Jorge, Salve Glória!
Que venham os próximos folhetins.
Gostei! Enfim, alguém conseguiu valorizá-la!
ResponderExcluirRobson Souza
Não gosto das novelas dela. Acho repetitivas, inclusive, desde Barriga de Aluguel. Mas, o que eu gosto das novelas dela são os temas "denúncia". As campanhas. Utilidade pública.
ResponderExcluirLuciana Barros
Concordo com o texto. vejo muito mais coisa boa em "Salve Jorge" que ruim. e acho que a Glória, sabe, mesmo, que a novela tem que ir além do entretenimento raso. a novela é arte, mas é também o maior produto cultural do Brasil (mais adorada, até, creio, que o futebol) e, como arte, pode (deve?) representar as agruras do seu povo e motivá-los para melhorar. se a "De corpo e alma" aumentou a lista de doadores, só isso, para mim, já valeria a novela inteira.
ResponderExcluirRafael Montoito
Adorei.Acho que a Glória foi muito criticada Com Salve Jorge.A novela deu seu seu recado e deixou a marca dessa autora maravilhosa.
ResponderExcluirEdinardo Aguilar de Araújo
Muito bom seu texto, Guilherme! Eu tive (e tenho) muitas críticas a respeito de "Salve Jorge". Mas telenovelas se parecem um pouco com o futebol: temos milhares de técnicos criticando quem está no comando. A verdade é que Glória Perez tem seus méritos. Eu penso que depois de uma trama como "Avenida Brasil", tão inovadora (há controvérsias) e tão patriota (no sentido de mostrar o suburbio brasileiro com personagens tão divertidos e orgulhosos de sua origem humilde), a volta às tão repetidas viagens internacionais de Glória Perez causou certo desconforto. Enfim, ainda bem que temos diversos autores e diversas linhas temáticas na teledramaturgia brasileira. Isso me fascina. Parabéns pelo texto!
ResponderExcluirConcordo com suas palavras, sou o maior Fã da Gloria Perez...continue assim !!!
ResponderExcluirÁlvaro Teix
Concordo e acredito que acima de tudo envolver entretenimento com realidade é sem sombra de dúvidas o legado de Glória, melhor do que vivermos de meras cordialidades entre patrão e empregado e viver sempre no Leblon como faz as novelas de Manoel Carlos.
ResponderExcluirLuis Everson
Bom gente, na minha opnião Gloria entre com certeza no time dos maiores novelistas de todos os tempos. É vergonhoso quando as pessoas julgam ela por causa de um erro que no caso foi Salve Jorge, que eu não achei tão ruim quanto dizem, vi muitos lados positivos nessa novela que não foi a melhor dela mas ainda assim foi um sucesso de repercussão. E a audiencia foi injustamente ruim por uma má época que a Globo passou, e aliás, eu tava vendo e a metade final da novela não foi ruim de audiencia, marcou entre 37 e 39 pontos fácil.
ResponderExcluirE como não amar a autora que escreveu novelas tão boa na ultima década como O Clone que foi sem dúvidas uma revolução na teledramaturgia, ótima repercussão e discussão, uma novela muito bem feita.
Guilherme Alécio
O Clone é uma das novelas que eu mais gosto...
ResponderExcluirO que eu achei ruim na Glória Perez é o fato dela não se adaptar aos tempos modernos, em que o público gosta de mais agilidade, e de coisas que façam sentido, sem deixar a desejar... esse foi o erro dela nesse ano, pois um tema de tanta importância deveria ter sido retratado da forma mais real possível, não permitindo os voos que Salve Jorge apresentou...
Thales Menini Ferrari
a unica novela dela com temas estrangeiros que funcionou maravilhosamente bem o clone, dai pra frente a formula desgastou, os bordões não tinha mais o mesmo efeito, e as coisas começaram a ficar repetitivas, mas sem duvida é uma autora excelente, fez novelas belissimas que me marcaram, mas a falta de sentido em algumas coisas em salve jorge foi um tropeço feio.
ResponderExcluirJoão Batista
Agradecido pelos elogios. Eu também tenho várias questões de Salve Jorge que eu não gostei. Como também tive em Avenida Brasil (acho até que mais em AB, muito angustiante aquela novela). Quis escrever para ir na contramão. Acho que Gloria foi muito injustiçada por críticos e internautas, da mesmo forma que Clair também foi. Clair era bombardeada diariamente. Como estudo a novela "O Rebu", que foi ao ar na mesma época que "Fogo sobre a Terra" de Clair, vi várias e várias críticas. Algumas bem maldosas. Sobre Fogo... nada tenho a dizer, mas certamente Janete não merecia todas as críticas que recebeu, da mesmo forma que Glória não merecia tudo que falaram dela. Taí outro ponto em comum das nossas duas grandes novelistas. Elas liam o que falavam sobre elas. E sim, da parte de Clair ao menos, ficavam tristes com isso.
ResponderExcluirÉ uma grande autora de fato,mas conduziu Salve Jorge de uma forma confusa,não aceitou as críticas de ninguém.
ResponderExcluirMatheus Vieira Felipe
Glória Perez, na minha opinião, é muito brega. Tudo que ela toca vira coisa cafona e o pior de tudo: ela tem a empáfia de dizer que ousa, que é moderna. Não vejo modernidade nenhuma na maneira como ela conduz suas histórias, cujos delírios remetem à sua xará Magadan mesmo. Além do mais, ela adora se vangloriar o tempo todo como a primeira a abordar tal tema numa determinada novela. Parece que ela se sente na obrigação do ineditismo, mas recentemente ela vacilou feio ao dizer que "Salve Jorge" foi a primeira novela da história a mostrar uma protagonista da favela, o que só mostra que a autora desconhece "Vidas Opostas", da Record, que já tinha mostrado uma mocinha nascida e criada na favela.
ResponderExcluirA proposta foi maravilhosa,mas no ar,muita da trama se perdeu. Eu sou fã de Glória Perez, mas "SALVE JORGE" foi uma novela confusa, quase surreal!
ResponderExcluirAndré Araújo
O que eu acho que o problema, talvez nem tenha sido ela ( a autora), o fato é que a novela ficou durante muito tempo enrolada, não andava e isso acaba irritando o telespectador, a autora é contratada, nem tudo depende dela, mas Salve Jorge por abordar um tema tão sério, não podia ficar tão lenta isso que acabou cansando, não a história em si, mas a lentidão em que era desenrolada, poderia ser mais rápida, pois o tema permitia isso, enfim valeu pela abordagem, afinal tráfico de pessoas está em terceiro lugar no mundo e isso ninguém fala e é muito sério e está aí ao nosso lado infelizmente.
ResponderExcluirTida Zanini
ACHO Q TODA CRIAÇÃO É SUBJETIVA,POR MAIS PERFEITA Q SEJA NUNCA VAI SER CONSENSUAL.O IMPORTANTE É SER MASSIVA.NÃO SE AGRADA GREGOS E TROIANOS...AGRADEÇO MUITO A GLORIA POR CONHECER OUTRAS CULTURAS ATRAVES DE SUAS OBRAS.EU POR EXEMPLO POUCO GOSTEI DE AVENIDA BRASIL.GOSTO É SUBJETIVO.SOU UM FÃ INCONDICIONAL DA GLORIA...SALVE GLORIA!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
ResponderExcluirJARBAS FONTENELE LOPES
As Glórias do passado não escondem o fracasso de Salve Jorge. E a culpa é dela sim por não ter tido a humildade de ouvir as criticas logo no início na novela anterior ela soube conversar com os internautas, mas dessa vez não.
ResponderExcluirLixo de autora, aprendeu com Janete Clair, mas desaprendeu e virou uma glória Magadan da vida.
ResponderExcluirSempre superficial e fantasiosa nos assuntos que aborda em seus folhetins de fundo de quintal.
Sinceramente, Gloria Perez deveria ser irmã de Carla Perez :P