quinta-feira, 2 de maio de 2013

Ousadia temática nos Teleteatros: a homossexualidade em cena


Por Guilherme Fernandes

Nos primórdios da televisão brasileira, mais especificamente em sua fase elitista (1950-1964), em que grande parte da população brasileira não tinha um aparelho receptor do sinal televisivo - inclusive o preço era o mesmo de um carro popular - o principal produto teledramatúrgico era o teleteatro. Engana-se quem pensa que o teleteatro era apenas uma peça teatral na televisão. Nos primeiros anos, o que se convencionou chamar de "Câmara Um" era um formato em que apenas uma câmara agia como se fosse o olho de um espectador. Contudo, os diversos profissionais ali reunidos, entre eles Lima Duarte, Benjamin Cattan, Sérgio Britto, Walter Forster, entre outros – procuravam descobrir o que hoje chamamos de linguagem televisiva.


Nessa época, como sabemos, a televisão era “ao vivo”. Cada praça fazia sua programação. Mesmo que houvesse (e realmente havia) diálogo entre os produtores, cada um fazia a sua maneira – não foi diferente com os teleteatros. Os dois principais programas do gênero foi o TV de Vanguarda, na TV Tupi de São Paulo, e o Grande Teatro Tupi do Rio de Janeiro, na TV carioca. O programa paulista, sob direção de Benjamin Cattan e o carioca regido pela trupe de Sérgio Britto.
As telepeças, em ambos os casos, apresentavam clássicos da literatura nacional e internacional. Diversos eram os adaptadores. Entre eles, Walter Durst em São Paulo e Manoel Carlos, no Rio de Janeiro. O cinema nesta época também foi um grande influenciador tanto na escolha das peças como também na questão da linguagem. Foi justamente observando (e, em princípio, imitando) os ângulos cinematográficos que surgiu a linguagem da TV. Os filmes em cartaz (ou os de grande sucesso) eram transportados para a tela da TV. O que não foi nenhuma novidade. No tempo áureo do Rádio, haviam programas dramatúrgicos em que encenavam os grandes filmes, como o “Cinema em Casa” da Rádio Nacional.


O TV de Vanguarda e o Grande Teatro Tupi do Rio de Janeiro tinham uma diferença fundamental. A produção paulista sabia da potência dos microfones, então os atores eram orientados a falarem baixo, de forma que os ruídos na casa dos espectadores eram mínimos. No Rio de Janeiro, ao contrário, os atores gritavam, como se estivessem em um teatro convencional.

Temas polêmicos para a época, como a homossexualidade, foram debatidos algumas vezes e é sobre isso que eu gostaria de focar. Duas telepeças (uma carioca e outra paulista) chamou minha atenção, justamente por trazerem “novidades” temáticas que não estavam delineadas nos registros anteriores. Explico melhor.
A telepeça “O caso Maurizius” é antes de mais nada um livro do escritor alemão Jakob Wassermann intitulado “Der fall Maurizius”. Em 1954, o diretor francês Julien Duvivier lança um filme homônimo. Como já dissemos, o cinema era uma das fontes para as peças televisivas. Em 1956 O caso Maurizius é apresentado no TV de Vanguarda. Quatro anos depois, Sérgio Britto, no Rio de Janeiro, resolve usar a adaptação de Durst para o seu teleteatro. Contudo, diferente das versões anteriores (livro, filme e telepeça paulista), Britto cria um caso homossexual. Na verdade, uma marcação de cena em que um cara mais velho seduz um jovem (de dezesseis anos), e este não percebe que está sendo seduzido. A marcação inclui diálogos em que a boca de um ator quase encostava com a do outro. Vamos aos detalhes.

O texto de Wassermann basicamente retrata um julgamento errado. O juiz Wolf von Anderst condenou Leonhart Maurizius por um crime que ele não havia cometido. Tudo começa quando o pai de Leonhard, Paul Maurizius, encontra uma testemunha ocular que prova que seu filho era inocente. Paul procura o juiz para tentar reverter a situação, contudo, ele acreditando em seu veredito não o escuta. O filho do juiz, o jovem Etzel, convencido da versão de Paul, decide ir atrás da verdade. Etzel procura a tal testemunha ocular – o velho Waremme – e tenta convencê-lo a dizer a verdade. Quando finalmente consegue, tudo foi em vão. O juiz já sabia que havia cometido um erro, mas já era tarde para corrigi-lo.

Sérgio Britto, em sua versão, fez com que Waremme, interpretado pelo próprio Britto, seduzisse o jovem Etzel – papel que coube a Cláudio Cavalcanti. Acreditamos que esse tenha sido o primeiro caso homossexual na dramaturgia televisiva.


Outra telepeça que me chamou atenção por esses mesmos motivos, foi Calúnia, apresentada em dezembro de 1963 no TV de Vanguarda. O texto original (“The Children’s Hour”), que é uma peça teatral, foi escrito na década de 1930 pela norte-americana Lillian Hellman. A peça de Lillian chegou a ser censurada em alguns países e estados norte-americanos. Em duas oportunidades, o diretor Willian Wyler trouxe a peça de Hellaman para o cinema. O enredo é o seguinte. Duas professoras (Martha e Karen) recém-formadas resolvem abrir uma escola para garotas em uma fazenda. Lá elas conhecem o jovem médico Joe que as ajuda nessa missão – inclusive Karen começa a namorar Joe. A vida tranquila das professoras é interrompida quando uma aluna, Mary, que não queria ficar na escola, inventa uma mentira para a avó, Sra. Tilford. Mary disse que Martha e Karen minha um caso homossexual. Convencida de que a neta dizia a verdade, Tilford faz com que todos os pais retirem suas filhas da escola. A mentira ganhou grandes proporções. Ao fim, após perderem o processo, Martha disse a Karen que Mary não estava errada e que ela era realmente apaixonada por Karen.

No cinema, em 1936, Wyler lança o filme “These Three”, contudo, nesta versão, não houve nenhum caso homossexual – acredito que temendo uma possível censura. A difamação realizada por Mary foi que Martha e Karen namoravam o mesmo homem, o simpático dr. Joe. Provavelmente insatisfeito por não ter contato a real história de Hellman, Wyler lança em 1961 o filme “The Childreen’s Hour” (com Audrey Hepburn no papel de Karen e Shirley MacLaine como Martha), dessa fez sendo fiel ao roteiro de Hellman. Ambos os filmes receberam o título de “Infâmia” no Brasil. Contudo, as diversas representações teatrais e a versão para a televisão, foi batizada de “Calúnia”.

Foi então, que em 1963, Benjamin Cattan resolve trazer o texto para a televisão. Contudo, novamente diferente da peça de Hellman e dos filmes de Wyler. Cattan introduziu um beijo entre as professoras no momento em que Karen revela que é apaixonada por Martha. O beijo foi dado pelas atrizes Vida Alves e Georgia Gomide. O registro da cena pode ser conferido nas biografias das atrizes – contudo não existe nenhum registro fotográfico.


Ainda no teleteatro, apenas para registro, Vida Alves fez outra peça com personagem homossexual. Trata-se de “Entre quatro paredes”, também apresenta em 1963 pelo TV de Vanguarda. A peça, originalmente escrita por Sartre (Huis-Clos) também chegou a ter uma versão cinematográfica realizada pela francesa Jacqueline Audray em 1954. A personagem lésbica era Inês, interpretada por Laura Cardoso. Vida Alves foi Stela, uma mulher fútil e esnobe. Inês chega a apaixonar-se por Stela, mas é rejeitada. Acreditamos que essa versão televisiva, pelos registros que encontramos, foi bem fiel ao texto de Sartre, sem as inovações que encontramos nos outros dois teleteatros que abordamos.

A história da nossa televisão ainda nos reserva grandes surpresas. Como pesquisador, adoro aventurar-me nesse universo. Ainda quero descobrir mais sobre os teleteatros. Aos que se interessarem pelo assunto, recomento o livro “O Grande Teatro Tupi do Rio de Janeiro” (Ed. da UFJF, 2005), escrito pela minha orientadora de mestrado Cristina Brandão. 

2 comentários:

  1. Muito bom o texto e bastante interessante o tema da sua pesquisa. A única crítica que tenho a fazer é a falta de legendas nas fotos. No meio da leitura, fiquei me perguntando quem eram os retratados, mas sem alternativa tive que engolir as dúvidas. Enfim! Você é formado em Jornalismo, Guilherme?

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  2. Oi Felipe, sou jornalista sim. As fotos foram uma gentileza do querido Isaac, responsável pela postagem. Elas não tem relação direta com o texto. São fotografias de outros teleteatros. Dos três que retratei, apenas o do Britto existe registro, mesmo assim sem a presença dele na foto.

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