segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Raio Laser - 8º Capítulo


RAIO LASER
NOVELA DE DAVI VALLÉRIO E ALEX SPINOLA
ESCRITA POR ALEX SPINOLA
CAPÍTULO 08

CENA 01. CASA DOS JUAREZ. COZINHA. INTERIOR. DIA

Continuação imediata da última cena do capítulo anterior.  Televisor ainda ligado. Amanda entra. Traz nas mãos a mesma travessa na qual levou comida para os peões.

AMANDA: Ave Maria! Acho que esses homi não viam comida pra mais de semana! (ela nota a ausência de Dona Sofia) ué, cadê a dona Sofia? Ah, deve ter ido lá pro quartinho dela.

CORTA PARA:

CENA 02. CASA DOS JUAREZ. QUARTINHO DE SOFIA. INT. DIA

Dona Sofia entra, tranca a porta e liga a televisão. Tempo. Parece ruminar alguma ideia. Ela olha pela janela do quarto e VÊ um matagal que se inicia nos fundos da casa e também os PEÕES e JAGUNÇOS da fazenda que estão entretidos com a comilança. Sofia respira fundo, se enche de coragem, pula a janela e se embrenha mato adentro.

CORTA PARA:

CENA 03. CIDADE DE NOVA IORQUE. EUA. EXTERIOR. NOITE

Imagens aéreas a ilustrar a Big Apple ao som de "NEW YORK, NEW YORK" de Nina Hagen.

CORTA PARA:

CENA 04. APARTAMENTO DE CONRADO EM NY. SALA. INT. NOITE

Conversa adianta entre Conrado, Malu, Roger e Lauro. Conrado nota as carinhas apreensivas deles.

CONRADO: Que é isso, meus queridos? Ânimo! Nós estamos em Nova Iorque! Isso é sempre motivo de celebração! Os exames em Boston já estão marcados. Vamos amanhã. Retornamos na quinta porque tenho entrevista agendada com a Leda Nagle, e com ela não dou furo por nada nessa vida. É uma querida!
ROGER: Agendei tudo com ela, antes da gente deixar o Rio! Amo a Leda!
CONRADO: Ah, Lauro, quero você comigo na entrevista, hein! Pelo pouco que já te conheço, sei que não é muito dado a isso, mas faço questão!
LAURO: Claro, Conrado. Pode contar comigo.

Malu, meio alheia ao papo, olha pela janela. Seu PONTO DE VISTA nos revela um trecho do bairro onde o apartamento se localiza: na 72 em Manhattan. Ela avista as ruas molhadas pela chuva fina de inverno.

CONRADO: (nota Malu) E então, Malu, minha little diva, vai ficar apenas com a vista da janela?
MALU (ri) Tava olhando o Dakota. E pensar que John Lennon foi assassinado bem ali.
ROGER: No mesmo prédio que a Rosemary teve filho com o capeta. Esse lugar merecia uma visita da minha mãe de santo!
CONRADO: (olha para os amigos, ar sapeca) Acho esse lugar deslumbrante. E nós estamos vivos. Alegria! Joguem-se na vida, meus amores!
Tempo. Lauro, Malu e Roger trocam olhares.
ROGER: Eu adoraria, gente, mas estou MORTA!
MALU: (pisca para Lauro) E aí, gato? O que você me diz?
LAURO: (puxa Malu para um canto, com descrição) Acho melhor não. Olha como o Conrado tá. Muito fraco, perdeu peso demais. Tô com medo dessa doença, que ninguém descobre o que é.
MALU: Conheço o Conrado. Ele não vai se sentir bem se ficar todo mundo em volta dele. Ele vai ficar bem.

CORTA PARA:

CENA 05. RUAS DE NOVA IORQUE. EXTERIOR. NOITE

Cena permeada por "EU TE AMO VOCÊ" de Marina, Lauro e Malu a passear. Ele se mostra meio apático, preocupado, mas com uma energia cativante, Malu trata de animá-lo. Tempo na descontração deles.

CORTE BRUSCO PARA:

CENA 06. BOATE DANCETERIA NY. INTERIOR. NOITE.

Clima underground. Madonna novinha no palco cantando "BURNING UP". Lauro, mais descontraído, curte a noite. Malu se aproxima trazendo bebidas.

LAURO: (fala alto, pra ser ouvido) Cara, a Lídia ia se amarrar nesse lugar. Ela sempre falava que não dava pra curtir a noite lá em...
MALU: (interrompe) Oi? Não entendi.

Lauro repete a frase. Malu se faz de surda. Ele entende a ironia dela e sorri. Ela lhe entrega a bebida.

MALU: Toma isso e fica quieto. Curte aí os 15 minutos de fama dessa loirinha sem graça.

CORTA PARA:

CENA 07. QUARTO DE HOTEL EM NOVA IORQUE. INT. NOITE

Lauro e Malu entram aos beijos. Ele está visivelmente de pileque. Ela está decidida a fazê-lo esquecer de Lídia. Exalando sensualidade, ela liga o rádio e sintoniza uma estação. Toca “SLAVE TO LOVE”, de Bryan Ferry. Mais beijos ardentes. Ela arranca a casaco e camisa dele e o empurra sobre a cama. Ele a puxa para si, apalpando o corpo dela sob o pesado sobretudo. Mais beijos. Malu encara Lauro.

MALU: Escuta o que vou te dizer, garoto, porque será praticamente a revelação do último segredo de Fátima: eu não sei o por quê. Não dá pra explicar, mas tô amarrada em você como nunca estive por cara nenhum.

Lauro arranca as roupas dela.

CORTA PARA:

CENA 08. CIDADE DE TORRENTES. CORETO DA PRAÇA. EXT. TARDE

A CÂMERA abre na MULTIDÃO que tomas as ruas e as cercanias da praça. Clima de festa. Um CORRELIGIONÁRIO comanda o foguetório. Beto e Amanda estão no meio do povo. No coreto, Sebastião, ladeado por Eva, Neco e Lídia, começa a discursar.

SEBASTIÃO: Hoje é dia de festa, meu povo! E a festa é de vocês que botaram sua confiança em mim, que acreditaram na minha vontade de trabalhar para colocar Torrentes no rumo do progresso!

A MULTIDÃO vibra. No meio do povo, Beto e Amanda.

BETO: Esse jagunço só ganhou a eleição por que o voto ainda não é direto nessa porquera de pais.
AMANDA: Deixa seu Bastião ouvir você chamando ele de jagunço que ele te arranca as orelhas na faca.
BETO: E quem faz isso é o que?
AMANDA: Será que o Neco vai fazer discurso também?
BETO: (caçoando) Vai nada. Deve tá falando fino, depois da mordida que a Lídia deu nele. Sorte o doutor Miguel ter atendido àquelas horas.
AMANDA: (ri, ar de malícia) Olha que vou morder o seu também, mô.
BETO: (abraça) Tem coisa melhor procê fazer com ele, safadinha.

Corta para o coreto da praça, onde Sebastião prossegue com seu discurso.

SEBASTIÃO: É por isso que eu digo, meu povo: agora é hora de trabalhar! Vamo unir forças igual uma família, (aponta para Eva, Lídia e Neco) pro progresso da nossa cidade! É isso mesmo, uma família. E seu serei o pai de todos vocês!
MULTIDÃO: (beirando a histeria) Bastião, pai do povo! Bastião, pai do povo!
Esperta, Eva aprecia a catarse do populacho. Já que Sebastião assumiu a personalidade de pai do povo, ela, certamente, será a mãe de todos os desvalidos.
EVA: (no ímpeto, abraça o marido) Sim, minha gente! Vamos ser uma família! Contem comigo, essa primeira-dama que será a mãe amiga de todos vocês!
MULTIDÃO: Eva é a nossa mãe! Eva é a nossa mãe!
Eva manda beijos e a MULTIDÃO delira ainda mais. Sebastião, mesmo tomado pela euforia, lança um olhar desconfiado para a esposa.
CORTA PARA:
CENA 09. FAZENDA DOS JUAREZ. QUINTAL. EXTERIOR. ANOITECER
E os festejos continuam. Gente por todos os lados. Eva flanando entre os eleitores, com ares de first lady! Beto e Amanda atarantados para encher o bucho da multidão. Sebastião chama Neco, de canto.
SEBASTIÃO: (garrafa de cerveja na mão, já meio embriagado) Você cuidou de tudo, não é Neco? Não quero que falte nada pra esse povo!
NECO: Tudo nos conformes, seu Sebastião! Se precisar, meto bala em mais um boi!
SEBASTIÃO: Isso mesmo! Vamos encher o bucho desse povo com carne e cerveja, porque pobre tem muita fome!
AMANDA: (para Beto) Jesus amado! Que parece que esse povo nunca viu comida. Vou lá para a cozinha fritar mais salgados!

Amanda sai. Beto fica com aquela carinha de “pelo amor de Deus não demora!”. Um FOTÓGRAFO chega por ali. Eva e Sebastião já fazem pose e chamam por Neco e Lídia, que  a enlaça em seus braços, mas leva uma cotovelada nas costelas. O fotógrafo se ajeita para registrar o congraçamento da família Busca-Pé. Amanda vem toda esbaforida do interior da casa. Eva nota a aflição dela.

EVA: O que foi, Amanda?

Amanda está em cólicas. O fotógrafo chama a atenção.

FOTÓGRAFO: Vamos lá, minha gente! Digam xis!

Sebastião e Neco quase explodindo de tanta felicidade. Lídia com uma tromba daquelas. Eva abre aquele sorrisão. Amanda despeja a notícia à queima roupa.

AMANDA: A dona Sofia sumiu! Escafedeu-se!

O sorriso de Eva murcha. O fotógrafo aciona a câmera e o flash dispara. Não pelo clarão que emanou da máquina fotográfica, mas sim pela notícia que Amanda trouxe, o PONTO DE VISTA de Eva fica turvo, transformando tudo e todos ao redor dela num borrão negro. E nesse BLECAUTE da megera, CORTE BRUSCO PARA:

CENA 10. RIO DE JANEIRO. RODOVIÁRIA. INT. NOITE

Dona Sofia salta de um ônibus.

CORTA PARA:

CENA 11. QUARTO DE HOTEL EM NOVA IORQUE. INT. MANHÃ

Lauro veste-se rapidamente, ao mesmo tempo em que tenta acordar Malu, que dorme feito pedra.

LAURO: Porra, Malu, acorda!
MALU: (sonolenta) O que foi, Lauro?
LAURO: Liguei pro apartamento do Conrado. O Roger tava doido, não tava falando coisa com coisa! Acho que o Conrado passou mal de novo!

CORTA PARA:

CENA 12. PADARIA NO RIO DE JANEIRO. INT. DIA

Televisor ligado. Impaciente, Sofia aguarda seu pedido. O BALCONISTA lhe serve um misto quente e um refrigerante.

BALCONISTA: São 300 cruzeiros.
SOFIA: (quase se afoga com o refrigerante) Isso é um roubo, rapaz! Você nem imagina o que eu passei pra chegar aqui na Guanabara! Tive uma noite do cão, dormi naqueles bancos da rodoviária, tive que roubar dinheiro de uma salafrária, pra chegar aqui. Dê um desconto aí, por favor?
BALCONISTA: (desconfiado) Não posso não, minha tia, senão o patrão arranca meu couro. A coisa tá assim mesmo: preço sobe todo dia! É a inflação!

NO TELEVISOR entra plantão urgente de telejornal. No MONITOR, Leda Nagle noticia, com pesar, o falecimento de Conrado Molina, e informa que o sepultamento será no cemitério São João Batista e que o translado será acompanhado pelos seus amigos Malu Capricce, Roger e Lauro Vianna.

BALCONISTA: Mas agora deu pra morrer viado!
SOFIA: (olhinhos cheios de esperança) Graças a Deus! Que agora eu encontro o Laurinho!
BALCONISTA: É, deve ser castigo de Deus mesmo.

Sofia olha estranho para o balconista, não entendeu ao que ele se referiu. Ela termina o lanche, vai saindo quando dá de cara com Padre Manoel.

PADRE MANOEL: (quase enfartando) Dona Sofia?! Pelo amor de Deus, o que a senhora está fazendo aqui?!

Sofia se faz de louca, finge que não é com ela.

PADRE MANOEL: (pega-a pelo braço) Tudo mundo preocupado com o sumiço da senhora. Foi Deus quem me colocou aqui! Vim pegar encomenda de hóstia. Vem comigo, minha filha. Vamos, vamos pra casa.
SOFIA: (berra) Me larga!!
BALCONISTA: (percebe) Ô padre, qual é a sua?! Larga a tiazinha aí!
PADRE MANOEL: Liga não, meu filho. Eu conheço, é da minha cidade. Tá fugida! (faz sinal que indica loucura) Não bate bem, entende?
BALCONISTA: (desconfiado) Sei não, hein!
PADRE MANOEL: Fique em paz, meu filho. Venha, dona Sofia, vamos pra casa.

Sofia visualiza uma garrafa de cerveja sobre uma mesa desocupada. Não pensa duas vezes: acerta a cabeça do padre. Gritaria, confusão. CLIENTES vão ajudar padre Manoel, que se esvai em sangue.

BALCONISTA: (pula o balcão e imobiliza a velha) Puta que o pariu!! Não é que a velha é doida mesmo?! Imagina só, bater em padre?! Bem que estranhei quando ela disse que roubou não sei quem, pra vir pro Rio! Alguém aí chama a polícia!
PADRE MANOEL: (leva a mão à cabeça) Não te disse, meu filho, que ela não batia bem da bola?

CORTA PARA:

CENA 13. CASA DOS JUAREZ. QUARTO DE EVA. INT. DIA

Eva apreensiva. Sebastião entra. Tensão.

SEBASTIÃO: Nada da velha! Neco e Beto vasculharam a cidade toda, na surdina, como eu mandei pra que ninguém desconfiasse do sumiço dela. Nada! Dona Sofia virou fumaça!
EVA: Culpa desses seus capangas de merda!
SEBASTIÃO: Culpa sua, que insistiu de arrastar a velha pra cá, depois que ela saiu do coma!
EVA: Você deveria me agradecer. Fiz isso pra ajudar sua campanha.
SEBASTIÃO: (desconfiado) Sei. Você não bate prego sem estopa, Eva! Tô sentindo cheiro de encrenca sua. Alguma você aprontou pra velha, do mesmo jeito que aprontou pro Lauro Vianna. Eu sei que tem dedo seu naquela história, eu sei.
EVA: Sabe porra nenhuma! Eu não fiz nada! E se eu tivesse feito, você tinha é que agradecer pela cadeira que vagou na prefeitura, e que agora você vai colocar a bunda. Olha, pra te falar a verdade, sem mim, você nunca foi ninguém!
SEBASTIÃO: (saca de seu chicote) Você me respeita, Eva!
EVA: (encarando) Vai me bater, Sebastião? Vai? Então bate nessa cara se for homem!

Sebastião respira fundo, prende o chicote no cinto e esboça deixar o quarto.

EVA: (murmura) Seu corno manso.

Um olhar sinistro brota no cenho de Sebastião. Ele se volta para Eva. Chicote em riste.

SEBASTIÃO: Faz tempo que você tá pedindo isso, sua vagabunda!

Sebastião passa a chicotear a esposa com tamanha ferocidade, que mal lhe dá tempo de defesa. Cada chicotada rasga um pedaço das roupas dela e abre em sua pele chagas sangrentas.

CORTA PARA:

CENA 14. APARTAMENTO DE CONRADO EM NY. SALA. INT. MANHÃ

Lauro, Malu e Roger inconsoláveis.

ROGER: Gente eu não aguento mais ficar nesse apartamento. Tudo o que tinha pra fazer sobre o translado do corpo do meu Conradinho, eu já fiz. Não aguento ficar aqui, tudo lembra ele. Eu vou sair, pra respirar um pouco. A gente se encontra no aeroporto.
LAURO: Eu vou com você, Roger.
ROGER: Obrigado, Lauro. Mas eu quero ficar um pouco sozinho. Eu preciso. Fica aí com a Malu. O telefone também não vai parar de tocar, vão ser os amigos, a imprensa lá do Brasil... Eu sei que não vou conseguir falar com mais ninguém. Vocês fazem isso por mim?
MALU: Claro, Roger. Eu e o Lauro vamos resolvendo tudo por aqui.

Roger sai. Um breve silêncio entre Lauro e Malu.

MALU: Cara, eu não consigo acreditar.
LAURO: Nem eu. Conheci o Conrado tão rápido, de um jeito tão doido...  Uma ligação muito forte, Nem to dizendo isso pela força que ele me deu, pelo trabalho que ele ia descolar pra mim... Tô falando de uma coisa de emoção, de um sentimento maior.
MALU: (acaricia os cabelos dele) Eu te entendo, meu amor. Também tô acabada. O Conrado sempre significou muito pra mim. Estamos órfãos, ( dá um beijinho), e agora, o que vai ser da gente?
LAURO: O jeito vai ser retomar a vida. Eu vou ter que retomar a minha de onde ela parou.
MALU: (emotiva) E a gente? Você vai voltar pra aquela garota?
LAURO: (respira fundo, dá uma pausa) Melhor a gente não falar disso agora.
MALU: (tenta disfarçar a decepção) Vou preparar uma bebida pra gente.

Toca o telefone. Lauro vai atender. No balcão do bar, Malu prepara as bebidas. Tempo nela. Ela faz sinal pra ele, diz que vai fazer xixi. Lauro faz sinal de positivo e continua ao telefone. Malu volta do banheiro e despeja algumas pílulas no copo destinado a Lauro.

CORTA PARA:

LEGENDA: UM DIA DEPOIS.

CORTA PARA:

CENA 15. RIO DE JANEIRO. CEMITÉRIO SÃO JOÃO BATISTA. EXT. DIA

Cortejo fúnebre de Conrado Molina. Imprensa, artistas e gente do povo por todos os lados. Roger, aos prantos, é amparado por Tônia Carrero.

TÔNIA: (para Roger) Força, meu lindo, força. (ela olha ao redor) Como o nosso Conrado era amado. As pessoas simples, as pessoas do povo estão aqui. Ele sempre estendeu as mãos aos necessitados. Isso é uma lição de vida.

CORTA PARA:

LEGENDA: ALGUNS DIAS DEPOIS.

CORTA PARA:

CENA 16. APARTAMENTO DE CONRADO NO RIO. SALA. INT. DIA

Roger, melancólico, olha para os retratos dele com Conrado. Toca a campainha. Ele abre a porta e Malu entra feito um foguete.

MALU: Cadê o Lauro, Roger?
ROGER: Não está.
MALU: Cara, como é que ele some desse jeito?
ROGER: Faz favor, Malu! Depois do boa noite Cinderela que você armou pra ela lá em Nova Iorque, você ainda se acha no direito de ficar ofendida?! Eu, no lugar dele, não teria só mudado a data do seu embarque de Nova Iorque pro Rio, pra não ter o desprazer de ficar olhando pra essa sua cara de pau durante o voo, eu teria de deixado você lá, sem um mísero dólar no bolso, passando fome e ainda teria jogado seu passaporte nas águas do rio Hudson, pra você largar a mão de ser trapaceira!
MALU: Porra, Roger, eu pisei na bola, eu sei! Eu vacilei. Mas ele tava decidido a voltar praquela caipira! (ela respira fundo, se abre, sincera) Roger, você pode não acreditar, mas eu sou louca por ele.
ROGER: Que você é louca eu estou cansada de saber. Mas quem ama, minha filha, não trai!
MALU: Sério que ele não tá aqui? Ele viajou, ou foi atrás daquela tal de Lídia? Roger me fala! Eu vou ter que sair do Rio por uns tempos... Andei dando uns vacilos por aí... Mas eu quero que o Lauro venha comigo...
ROGER: (cortando) Ah, claro, de vacilos a senhora entende! Mas é sério. Ele não está. Foi atrás dela, sim. E nem adianta querer saber pra onde, porque eu não sei. E mesmo que soubesse, eu não te diria.
MALU: (atacada) Você não pode fazer isso comigo, Roger!
ROGER: Lo siento, queridinha, mas quem fez tudo errado foi você.

CORTA PARA:

CENA 17. SALA EM ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA. INT. DIA

Pela janela, Lauro olha para a Avenida Nossa Senhora de Copacabana. Ele respira fundo, parece incrédulo. Um ADVOGADO, na casa dos 60 anos, toca o ombro dele e lhe entrega um copo com água.

ADVOGADO: Beba. Você está pálido, Lauro.
LAURO: (bebendo) Eu não acredito. Quando o Conrado fez isso? O Roger sabia de alguma coisa?
ADVOGADO: Calma. Uma pergunta de cada vez. Conrado alterou o testamento há algumas semanas. O Roger foi testemunha e sempre soube de tudo. Mas antes de eu te explicar todos os procedimentos e também todas as exigências de Conrado nesse novo testamento, eu é que te faço uma pergunta, meu jovem: o que você vai fazer com toda essa fortuna que herdou?
LAURO: (ainda em choque) Honrar o nome do Conrado... (pausa, ele pensa na vida, em tudo o que passou)... E também vou fazer justiça.

Um BLECAUTE gradativo enegrece a tela e sobre ele surge uma LEGENDA:

ALGUNS ANOS DEPOIS

CENA 18. MOTEL DE BEIRA DE ESTRADA. QUARTO. INT. NOITE

Eva acaba de se vestir. Ela olha pela janela, acende um cigarro e volta sua atenção para um HOMEM de cueca Zorba branca, que está estirado sobre a cama. Ele esboça retirar a cueca, quer atiçá-la. Eva sorri.

EVA: De novo, meu bem? Eu adoraria, mas por hoje chega. Daqui até Torrentes tem chão e aquele porco do Sebastião já deve ter dado por minha falta. A gente não pode vacilar. Depois que a gente acabar com ele, e eu estiver com a prefeitura nas minhas mãos, talvez a gente possa relaxar.

O homem estende os braços, faz sinal com as mãos para que ela se aproxime. Eva sorri, envolve a cabeça com um lenço e sai. Com o atrito, um CALENDÁRIO que está preso à porta cai. Nele podemos ler: “SÁBADO, 09 DE MARÇO DE 1985”.

CORTA PARA:

CENA 19. CASA DOS JUAREZ. SALA. INTERIOR. NOITE

Tudo está diferente na casa, que passou por reformas. Mobília nova. Televisor ligado. No MONITOR cenas de um dos capítulos da novela ROQUE SANTEIRO. Sebastião e Amanda vidrados com as peripécias de Sinhozinho Malta e viúva Porcina. Entram os comerciais.

SEBASTIÃO: Cadê sua patroa, Amanda? Daqui a pouco vai ter a inauguração daquela boate. O pessoal mais ilustre da cidade recebeu convite. Coisa fina. Quero a família lá!
AMANDA: Será que é igual a boate Sexus? Tá tão colorido. Mudaram tudo lá no casarão que foi do finado pai do Lauro, não é?
SEBASTIÃO: Gastaram um dinheirão no palacete abandonado do velho. Aquele escurinho meio esquisito, deve ser testa de ferro de alguém com muito dinheiro. Agora com esse monte de turista da laia deles tinha que ter uma boate dessa aqui.
AMANDA: (nem ouviu direito o que ele disse) Gente, e o Laurinho, hein? Nunca mais que ninguém soube dele.
SEBASTIÃO: Deve ter ido pro quinto dos infernos, aquele fresco... Ô moleca, deixa de conversa fiada e responde: Cadê a dona Eva?
AMANDA: (emburrada pelo fora que levou) Ela ligou, quando o senhor tava no banho. Depois da reunião com o povo da pastoral, ela ainda ia visitar a dona Sofia no hospício. Daqui a pouco ela chega por aí.

Sebastião cismado. Volta a novela, ele abre um sorriso.

CORTA PARA:

CENA 20. CIDADE DE TORRENTES. RUA. EXT. NOITE

Um Alfa Romeo Spider com vidros negros estaciona. A janela do lado do motorista se abre lentamente. Lauro olha para o casarão que foi de seu pai. Roger no banco do carona. Da construção antiga só restou uma estátua art noveau presa no alto da fachada como uma Fênix que renasceu das cinzas. Abaixo dela há uma placa moderna, com letreiros em neon, onde se pode ler: “RAIO LASER” e começa a tocar a música de Pepeu Gomes, "UM RAIO LASER".

LAURO: O massacre começa hoje.

CORTA PARA:

FIM DO CAPÍTULO 08


 Baixe a trilha sonora RAIO LASER Internacional (clique na capa)



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