terça-feira, 1 de outubro de 2013

Rede Manchete - a "televisão do ano 2000" - Parte IV

Por FÁBIO COSTA  

Início da abertura da minissérie Marquesa de Santos.
Depois do jornalismo, chegou a vez de relembrar a dramaturgia da extinta Rede Manchete, no seu aniversário de 30 anos. Pouco mais de um ano após iniciar suas transmissões, a emissora de Adolpho Bloch pôs no ar sua primeira produção no gênero. A minissérie Marquesa de Santos, escrita por Wilson Aguiar Filho com a colaboração de Carlos Heitor Cony, estreou em 21 de agosto de 1984 com Maitê Proença no papel-título e Gracindo Júnior vivendo D. Pedro I. Dentre diversos outros livros citados como fonte para a criação dos personagens e desenvolvimento da trama, merecem destaque duas obras do escritor Paulo Setúbal: A Marquesa de Santos e As Maluquices do Imperador, o qual serviria também em 2002 para Carlos Lombardi escrever O Quinto dos Infernos.
Ainda no elenco, Edwin Luisi na pele de Chalaça, parceiro de aventuras do Imperador, Leonardo Villar como José Bonifácio e Maria Padilha como a Imperatriz Leopoldina, entre outros, além da participação mais que especial de Bibi Ferreira interpretando Carlota Joaquina. Foi uma produção milionária, dirigida por Ary Coslov, que obteve repercussão razoável e mostrou que a Manchete estava disposta a conquistar sua fatia do público de dramaturgia e do mercado publicitário, com mais este gênero a constar da grade. A opção pelas minisséries antes de telenovelas ocorreu porque com produtos de menor duração seria possível ao mesmo tempo conquistar o público, demonstrar a capacidade de produção da casa e adquirir o know-how necessário para voos maiores, que não tardariam.
Em seguida, Manoel Carlos assinou a segunda produção da Manchete, intitulada Viver a Vida, nome que usaria novamente para uma novela na Globo 25 anos depois. Era a história do jovem Marcelo (Paulo Castelli), que se vê dividido entre a filha do patrão, Maria Eduarda (Cláudia Magno), e a noiva pobre, Marly (Louise Cardoso), de quem não pode se livrar com facilidade porque ela está grávida. A espinha dorsal era a do romance Uma Tragédia Americana, de Theodore Dreiser, que inspirara o filme Um Lugar ao Sol nos anos 50 e o clássico de Janete Clair Selva de Pedra, em 1972. Ainda no elenco Rubens de Falco, Yara Amaral, Sandra Barsotti, Osmar Prado, Márcia Rodrigues, Odilon Wagner, Antônio Petrin e Marlene, entre outros.
Logotipo de Santa Marta Fabril S.A.
A terceira minissérie da Manchete partiu de uma das mais importantes obras do teatro brasileiro no século XX: Santa Marta Fabril S.A., escrita e dirigida por Geraldo Vietri, veterano da TV Tupi, a partir da peça de Abílio Pereira de Almeida, clássico dos tempos do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) em São Paulo. Dona Marta (Nathália Timberg) precisa unir a família para salvar a fábrica de tecidos que fundara da influência cada vez maior do inescrupuloso Cláudio (Paulo Ramos), marido de sua neta Martinha (Lúcia Veríssimo).

Os escândalos envolvendo a alta sociedade carioca naqueles meados da década de 80, com personagens como o médico Hosmany Ramos e o jornalista Alexandre von Baumgarten, não passaram em branco e em março de 1985 foi exibida Tudo em Cima, minissérie de Bráulio Pedroso e Geraldo Carneiro que trazia no personagem Wando (Paulo Castelli) um retrato do jovem ambicioso e sem escrúpulos capaz de qualquer coisa para se dar bem. O título era muito inteligente: sabidamente aludia à conhecida gíria dos usuários de entorpecentes, mas fazia também referência ao universo em que a trama se desenvolvia, o high society, ou seja, tudo em cima. Merece menção o ótimo tema de abertura, cantado por Eduardo Dussek: “Já nasceu achando que era o escolhido/Pra dono de indústria, excelente marido/Se olhava no espelho e via um lindo fedelho/Olhar de galã em um Mercedes vermelho...”.
Capa do LP com a trilha sonora de Antônio Maria.
Após essas quatro minisséries, a Rede Manchete achou que já era tempo de arriscar mais e colocar no ar uma produção mais longa. Em 1.º de julho de 1985, às 18h30, estreou Antônio Maria, remake do clássico de Geraldo Vietri exibido pela primeira vez pela TV Tupi em 1968/69. Um português autêntico, Sinde Filipe, ganhava agora o papel principal que antes fora de Sérgio Cardoso, tendo Elaine Cristina como seu par, na pele de Heloísa, personagem vivida na versão original por Aracy Balabanian.
Antônio Maria D’Alencastro Figueroa chega de Portugal e vai trabalhar como motorista na mansão dos milionários Dias Leme, cujo patriarca Dr. Adalberto (Jorge Cherques) sofre um golpe por parte de Heitor (Paulo Ramos), noivo de Heloísa, a filha mais velha. Num lance genuinamente novelesco, Antônio Maria revela-se na verdade tão rico quanto o Dr. Adalberto, e está no Brasil para fugir do assédio de sua madrasta Amália (Eugênia Mello e Castro). Ele se envolve com Heloísa, ao mesmo tempo em que se dispõe a encontrar meios de fazer os Dias Leme recuperarem sua fortuna.
O sucesso não foi o mesmo da versão da TV Tupi, por uma série de fatores. O erro principal foi mostrar o protagonista em Portugal no primeiro capítulo, o que pôs por terra o maior segredo da novela e seu grande charme, já que tornava-se muito mais complicado enredar o público com este já sabendo que de humilde e ingênuo Antônio Maria nada tinha. Na revisão do texto, que escrevera nos anos 60 junto com Walter Negrão, Vietri contou com a colaboração de José Lucas Bueno e terminou por fazer diversas modificações no desenrolar da história.
Logotipo no início da abertura de Dona Beija.
Apenas em 1986, com a segunda novela, foi que a Manchete conheceu o sucesso e o reconhecimento de público e crítica. Escrita por Wilson Aguiar Filho a partir de dois romances – A Vida em Flor de Dona Beja, de Agripa Vasconcelos, e Dona Beija, a Feiticeira do Araxá, de Thomas Leonardos –, estreou em 7 de abril Dona Beija, com direção de Herval Rossano e um elenco estelar. Maitê Proença era a protagonista Ana Jacintha de São José, cuja vida de infelicidade começa quando é sequestrada e estuprada pelo Ouvidor Mota (Carlos Alberto), que para levá-la assassina seu avô João Alves (Aldo César). Ao voltar para Araxá, Minas Gerais, sua terra natal, Beija, como é chamada por ter a pele branca como o beijo, uma flor comum na região, sofre a oposição de todos a seu romance com Antônio Sampaio (Gracindo Júnior), filho da mais tradicional família local e que acaba se casando com Aninha (Bia Seidl), ao lado de quem não é feliz. Revoltada, Beija abre um bordel, que recebe os mesmos poderosos hipócritas que se puseram contra ela, e jamais consegue superar a paixão por Antônio, ainda que encontre João Carneiro de Mendonça (Marcelo Picchi), rapaz que a ama de verdade e se casa com ela.
Uma história forte e bem contada, aliada ao necessário toque de erotismo, cenas ousadas e boas interpretações do elenco – que contava com Sérgio Britto, Maria Fernanda, Abrahão Farc, Maria Isabel de Lizandra, Jonas Mello, Mayara Magri, Arlete Salles, Sérgio Mamberti, Jayme Periard, Edwin Luisi, Mário Cardoso, Castro Gonzaga, Marilu Bueno e Lafayette Galvão, entre outros –, que fez a audiência da emissora se multiplicar no horário (ia ao ar após a novela global das oito, na ocasião a segunda versão de Selva de Pedra) e trouxe anunciantes e prestígio. A parceria bem-sucedida de Maitê Proença e Gracindo Júnior em Marquesa de Santos funcionou novamente e as cenas da atriz nua sobre um cavalo branco pelas ruas de Araxá se tornaram antológicas.
Em seguida veio Novo Amor, de Manoel Carlos, que trazia como protagonistas os integrantes de um triângulo amoroso: Fernanda (Renée de Vielmond), Bruno (Nuno Leal Maia) e o senador Marco Antônio (Carlos Alberto). Apenas dois meses no ar, uma novela sem esticamentos e maniqueísmos; mais uma mostra do estilo do autor, embora sem o lirismo característico de suas novelas globais dos anos 90 pra cá.
Ainda em 1986, incentivada pelos bons resultados do setor – em especial de Dona Beija –, a Manchete inaugurou um segundo horário de novelas, às 19h45. O dramaturgo José Antonio de Souza foi o autor da primeira história, Tudo ou Nada, cuja história era muito inteligente. Guadalupe (Elizângela) é uma moça pobre que se casa com César Augusto (Edwin Luisi), filho do patrão Ambrósio (Othon Bastos), que também a deseja e que, por isso mesmo, não aprova o casamento, bem como sua esposa Ema (Vanda Lacerda). Porém, após a lua de mel, o noivo desaparece.
O horário das 21h30 teve prosseguimento com Mania de Querer, de Sylvan Paezzo. Vanessa (Nívea Maria) se casa com Ivan (Marcelo Picchi), de família tradicional e psiquiatricamente instável, e volta ao Brasil após viver muito tempo nos Estados Unidos. Aqui, ela se depara com Ângelo (Carlos Augusto Strazzer), que conhece seu passado: ela trabalhara como prostituta na terra do Tio Sam. A novela teve problemas em seu decorrer devido à saída do diretor Herval Rossano e dos atores Nívea e Strazzer, que rescindiram seus contratos em solidariedade a ele. Lúcia (Aracy Balabanian) tornou-se a protagonista da novela, que continuou acompanhando a depreciação mental de Ivan.

Após os problemas em Mania de Querer veio outra das mais lembradas novelas da Manchete: a ficção aliada à reportagem e à denúncia de mazelas do Rio de Janeiro e outras grandes cidades, em Corpo Santo, escrita por José Louzeiro e Cláudio MacDowell (substituídos por Wilson Aguiar Filho). Considerada “barra pesada” na época, era a história da viúva Simone Reski (Christiane Torloni), que se envolve com o mau caráter Téo (Reginaldo Faria), produtor de filmes eróticos que se aproxima dela na intenção de fazer da filha de Simone, Lucinha (Sílvia Buarque), uma nova estrela pornô. Outra personagem de destaque é a jornalista Bárbara Diniz (Lídia Brondi), que não se curva ante os desmandos de autoridades corruptas e os diversos obstáculos que encontra em sua busca pela verdade e pela ética no exercício de sua profissão. Superados os problemas iniciais, já que parte do público se chocou com o “jornalismo-verdade” proposto pelos autores, Corpo Santo estabilizou-se nos dois dígitos de audiência. O tema de abertura era interpretado pelo conjunto Roupa Nova: a ótima “Meu Lugar no Mundo”.
Logotipo da versão de 1987 de Helena.
Em maio de 1987 o horário das 19h45 estreou Helena. Escrita por Mário Prata (tendo Dagomir Marquezi e Reinaldo Moraes como coautores), era uma adaptação do romance homônimo de Machado de Assis, já transformado em novela noutras ocasiões, sendo a mais famosa delas a versão da Globo exibida em 1975, com Lúcia Alves no papel-título. Aqui, Luciana Braga era Helena, a jovem que vê sua vida se transformar completamente ao ser revelada como herdeira do milionário Conselheiro Vale, que ao morrer faz todos saberem dessa filha que tivera fora do casamento. O problema é que Estácio (Thales Pan Chacon), filho legítimo de Vale, se apaixona por Helena, mas essa paixão não pode se concretizar porque acredita-se que os dois sejam irmãos, embora de mães diferentes.
José Wilker e Lucélia Santos em propaganda de Carmem.
Em outubro de 1987, na vaga deixada por Corpo Santo, estreou Carmem, de autoria de Glória Perez. A personagem da novela literária de Prosper Merimée, transformada em ópera por Georges Bizet, chegava à teledramaturgia personificada por Lucélia Santos, trazida da Rede Globo. Carmem faz um pacto com a Pombagira (Neusa Borges) para deter o poder de sedução sobre qualquer homem, o que é a ruína do policial militar José (Paulo Gorgulho), seu vizinho e apaixonado por ela. Carmem toma a decisão que muda sua vida ao ser desprezada pelo homem que ama, o ambicioso Ciro (Paulo Betti), que se infiltra na família e na empresa do milionário Jean-Pierre Junot (Maurice Vaneau, numa de suas incursões no gênero), arrastando inclusive suas asas para o lado da neta do homem, Duda (Dedina Bernardelli). Merece destaque na trama, que apresentou diversos elementos comuns às novelas da autora como a família suburbana cômica – aqui chefiada por Semíramis (Nélia Paula) –, a presença de Beatriz Segall como Alzira, a mãe de Carmem, mulher pobre e desencantada do amor que vive de fazer doces para festas de aniversário.
Em substituição a Helena não foi lançada uma nova novela às 19h45 em novembro de 1987, bem como também não se lançou uma produção inédita para ocupar o horário de Carmem ao seu término, em maio de 1988. Apenas em agosto de 1988 uma novela inédita ocupou a faixa das 21h30 novamente: Olho por Olho, escrita por José Louzeiro e Geraldo Carneiro. A intenção era repetir o sucesso de Corpo Santo, centrando a trama mais uma vez no tema da marginalidade. Os personagens principais eram os membros da família Falcão, cujo patriarca Horácio (Henrique Martins) é assassinado. A viúva Ana (Geórgia Gomide) e os filhos Justo (Flávio Galvão), Máximo (Mário Gomes), Caio (Caíque Ferreira) e Justo (Nehemias Demutcha) juram vingança e, após matarem dois dos assassinos, partem para o Rio de Janeiro à caça do terceiro. Lá eles se envolvem com marginais e diversos tipos do submundo carioca.
Olho por Olho não fez o mesmo sucesso de Corpo Santoe ao seu término a emissora mais uma vez paralisou a produção de teledramaturgia e preencheu os horários do gênero com reprises. Apenas em julho de 1989, após essa pausa estratégica que serviu para reavaliar metas e táticas, retomaram-se os trabalhos com uma das melhores e mais lembradas novelas da Manchete. Mas isso fica para o nosso próximo encontro, dando prosseguimento à série que homenageia a “televisão de primeira classe”. Até lá!

Um comentário:

  1. Quem diria que há tanta história para tanta novela haha
    ;-)

    www.keepantenados.com

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